Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Ferreira dos Santos

ASPAS

PROVOCAÇÕES

"Provocações amigas", copyright No. (www.no.com.br), 28/06/01

"Um programa que se chama ?Provocações?, como o de Antonio Abujamra, na Cultura, e leva um escritor mineiro, Ivan Ângelo, não está querendo cumprir exatamente com sua missão primeira. Foi o que aconteceu na segunda-feira. Os dois são muito simpáticos e competentes, mas não pode render fogo provocativo se o que se está exaltando é justamente um povo famoso por frases como ?mineiro não briga, mas também não faz as pazes?. Outra frase boa lembrada no programa é que o ?mineiro é o único povo que, ao tomar uma xícara de café com leite, é capaz de tomar só o café, ou só o leite?. Ou: ?mineiro escorrega para cima?. Tudo muito engraçado e inteligente, mas com a essência da sábia desconversa das alterosas. A melhor frase para a ocasião seria ?pão pão, queijo queijo?, mas essa, apesar das aparências, não é mineira. Acabou virando um talk-show com a câmera toda desparagonada, parecendo apoiada num tripé mambembe. ?Provocações? queria ser de início um enfrentamento a esse tipo de programa, em que os apresentadores levantam a bola para o entrevistado brilhar. João Gordo continua sendo o apresentador gordo mais provocativo do momento. Abujamra, gordinho, começou bem, mas derrapa ao que parece na falta de convidados que aceitem provocações. Metade do programa de segunda-feira, depois de findo o encontro com Ivan Ângelo, ele gastou se auto-provocando, numa auto-entrevista. ?Que porra de programa é esse??, se perguntou a si próprio. Ele mesmo não aceitou a provocação e saiu com uma bem comportada explicação sobre atuar na contra-mão do talk-show. O texto-legenda (veja este modismo televisivo mais abaixo) no vídeo era bom: Abujamra, um Jonathan Swift subdsenvolvido. De qualquer maneira, jura Abujamra que não lerá emails elogiosos dos ouvintes, uma das pragas do gênero. O foco do programa é batuta: está tudo muito aborrecido e subserviente nos programas de entrevistas. Mas é preciso seguir corajoso a filosofia de Hunter Thompson, o repórter bonzo-maluquete da Rolling Stone. Quando a conversa escorre para a lenga-lenga , ele ataca o entrevistado: ?Mas isso?, tenha sido dito o que for na resposta anterior, ?é ser muito filho da puta da sua parte?. Não há entrevista que não fique provocativa a partir daí.

A vitória do texto-legenda

Lembra daquela história de que uma imagem vale por mil palavras? Esquece. A televisão está pedindo socorro ao texto escrito na tela. Querem os mais finos que é influência da internet, com suas janelas multifragmentadas, puxando para texto, foto, desenho, banner piscando, um charivari informativo. A Bloomberg foi a primeira, com seu letreiro de cotações da bolsa e flashes noticiosos dilatando a pupila do espectador – você não sabe se lê o texto de cima, o que corre, ou se fixa no texto que está lendo. Por muito menos Ronaldinho teve uma convulsão na França. Querem os mais populares, que esse texto-legenda, como se chama nas redações, vem dos programas sensacionalistas, que precisam de um apoio verbal bem claro para traduzir, e gritar, ao povão o que está acontecendo na tela. O programa do Faustão está usando. A MTV abusando. A Rede TV! não faz outra coisa. ?Sérgio Mallandro desabafa e ataca malandrinha?, legendou o Superpop de segunda-feira, enquanto o animador falava. Serve também como uma nova âncora para fisgar quem está zapeando. Nada que os jornais impressos populares já não tenham percebido antes. Nada que desminta a impressão de que estamos ficando cada vez mais burros.

Arroba boba

O programa ?@titude? discutia na quarta-feira, dia 27 de junho de 2001, a presença da mulher na sociedade. Era para ser um programa jovem, mas a começar pelo título tudo joga para o século passado. Não se sabe o que é mais clicheroso: o tema ou o arroba no título. O vazio da discussão tem a preguiça do assunto proposto. Alguém ainda agüenta jogar pedra nas popozudas e nas executivas que não tratam dos filhos? A Rede Viva, tentando se fingir de tal, também vem com um um arroba em ?Intim@ção? , também de debate, no horário nobre das quartas-feiras. É tudo bullshit. Fala-se com pompa, mas quanta bobagem, quanta desinteressência. As redes mais pobres descobriram que para ficarem vivas basta encher o estúdio de gente falando qualquer asneira e manter o sinal no ar até que alguma coisa aconteça. O espectador, que não é bobo, finge-se de morto. Enquanto isso, o Observatório de Imprensa, da Cultura-Educativa, mostrava na segunda-feira um primoroso exemplo de jornalismo e independência. Discutiu a demissão do jornalista Ricardo Boechat de O Globo ouvindo todas as partes envolvidas, tudo dentro da mais alta civilidade e inteligência. Quem estava em casa saiu com uma pauta imensa de assuntos polêmicos para passar a semana refletindo e discutindo. Havia inteligência no estúdio, uma atração rara nos debates televisivos."

MTV E ROBERTO

"MTV põe clipe do Rei no ar", copyright O Estado de S. Paulo, 2/07/01

"O primeiro dos clipes resultantes da gravação do Acústico MTV com Roberto Carlos chega à tela da emissora ainda este mês, no rastro do CD do show, que será lançado no fim de julho. Essa é uma das poucas certezas acordadas com a Globo que, como detentora da exclusividade sobre a imagem do Rei, impediu a exibição do programa, gravado há dois meses.

Mas, depois de decidido que nenhum dos dois canais poderá levar o Acústico ao ar, pelo menos por enquanto, o ponto de discórdia passou a ser o lançamento do show em DVD. Há dúvidas de que as restrições contratuais da Globo incluam a venda de um produto do gênero.

Oficialmente, a Globo avisa que o CD e um clipe promocional estão liberados. Programa de TV, nem pensar. Sobre o tão anunciado DVD, a emissora alega que ainda há muito a negociar. Mesmo assim, a gravadora Sony e a MTV garantem que o CD sai em julho e o DVD, em setembro.

?Sabíamos da dificuldade de fazer alguma coisa com Roberto, até porque temos de respeitar o contrato de exclusividade com a Globo, mas não pensei que iria tumultar tanto assim?, diz o diretor-administrativo da MTV, Eder Perez. ?Creio que o contrato dele não abrange DVD, mas não sei como isso vai acabar. Sei que o selo de Roberto, o Amigo, está negociando tudo isso direto com a direção da Globo.?

A assessoria de Roberto Carlos informa que o cantor liberou em contrato o uso fonográfico e visual para a produção do CD e do DVD, e que espera que as emissoras e sua gravadora logo se entendam. Palavra de rei."

CRIANÇAS

"O pátrio poder", copyright O Estado de S. Paulo, 1/07/01

"No Globo Repórter do dia 22, uma menina foi descrita pelos pais como dada a acessos nervosos, gorda e mimada. É chocante que os responsáveis por uma criança a exibam como animal em jaula, no circo que – nos piores momentos – é a TV. O problema é que a TV se associa a usos menos recomendáveis do pátrio poder.

O poder que a tradição dá aos pais é mais dever que direito. Eles só mandam nos filhos para o bem deles. Antigamente se distinguia o poder do senhor sobre o escravo e o do pai sobre o filho. O senhor e o pai podiam ser a mesma pessoa, dar a mesma ordem – mas se dizia que o pai mandava para o bem do filho, e o senhor para o bem de si próprio.

Como ficam as coisas quando pais esquecem o bem dos filhos ou põem a vaidade à frente de tudo? Porque exibi-los é por vaidade. O caso do pai que entrega a filha à maledicência da TV é quase excepcional, fácil de condenar. Mas é a parte visível de um iceberg, incluindo os pais que – com boa intenção – vendem a imagem dos filhos ao vídeo.

Trocando em miúdos: falo da onda de modelos infantis ou juvenis. (Tenho de voltar a um tema que tratei há meses, culpa da TV ou da sociedade, tão repetitivas.) O Baby da Telesp e a menina das sandálias Melissa fizeram um mal danado à infância. Muitas crianças passaram a desejar posar, e com aval dos pais.

Pais superexploram os filhos, mesmo acreditando que assim lhes preparam o futuro. Pouco importa: o fato é que, na idade de brincar e estudar, muito jovem se submete à disciplina estrita, quase espartana, de culto ao corpo. É paradoxal. Adolescentes e, depois, mulheres mais desejadas, como ídolos femininos do prazer, só conseguem sê-lo com ginástica, dieta e controle.

Pior: terão de simular prazer com isso, ir a festas, divulgar namoros.

Esse quadro é irreal, mas seduz. Por isso, a lei proíbe o trabalho do menor de 16 anos. Ao mesmo tempo que há trabalho ilegal de menores pobres, que as Delegacias do Trabalho e a Fundação Abrinq tentam coibir, surge um trabalho ilegal de menores de classe média, que a mídia promove com glamour. Parecem mundos opostos, o das crianças miseráveis carregando carvão e o das minibeldades sob lentes dos fotógrafos. Mas, nos dois casos, morre a infância, morre a adolescência.

E a TV tem responsabilidade nisso. Ela exibe as propagandas com crianças, e faz de infâncias pseudo-exemplares um espetáculo. Lembram Isabela Garcia?

Ela praticamente nasceu na Globo, que a expôs em novelas, de criança a mulher. E quem não vê hoje o que ocorre com Sasha, filha de Xuxa, que tem cada um de seus passos divulgado na Caras? A televisão faz mal para a infância, e estimula um uso bastante duvidoso do pátrio poder."

    
    
                     

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