Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Joaquim Fidalgo

PÚBLICO

"Em Favor da Cooperação", copyright Público, 22/7/01

"Apesar de algumas (por vezes bem justificadas) incompreensões e desconfianças, é bom que os jornalistas possam contar com a colaboração de especialistas, quando querem informar aprofundadamente sobre suicídios, agressões passionais ou criminalidade juvenil. E é bom que saibam, com respeito profissional, valorizar adequadamente esses contributos.

Não é só em Portugal, longe disso, que os ?assuntos melindrosos? aqui abordados na semana passada (o ?quê? e o ?como? noticiar suicídios ou agressões violentas e particularmente chocantes, com o risco de que possam provocar reacções de mimetismo) preocupam os jornalistas, os leitores e… os provedores.

Uma rápida consulta a alguns colegas de ofício de outras paragens além-fronteiras tornou evidente como certos casos paradigmáticos, sobretudo nos Estados Unidos, têm suscitado debates semelhantes ao nosso. Lembremo-nos das várias histórias, em tempos não muito longínquos, de agressões a tiro, por parte de crianças ou jovens, nas escolas. Provedores de jornais americanos confrontaram-se, nessas alturas, com receio semelhante de imitações. E as suas respostas sobre a matéria não diferem na substância: há que noticiar os factos com prudente medida, há que resistir ao engodo do sensacionalismo, há que não dar dos agressores imagem ?heróica?, há que ignorar detalhes de curiosidade mórbida – e há, enfim, que investir numa mais funda compreensão (logo, prevenção) do que pode estar por detrás.

?Também recebemos queixas sobre o perigo de imitações [o termo inglês é ?copycats?] após alguns eventos, incluindo tiroteio nas escolas, aqui em San Diego?, diz a provedora Gina Lubrano. ?Somos cuidadosos no modo de contar tais histórias e tentamos não as ‘sensacionalizar’ nem transformar em heróis as pessoas envolvidas?.

De Sacramento (EUA), o provedor Sanders Lamont confirma que as maiores queixas dos leitores são recebidas quando a história publicada no jornal ?inclui detalhes gráficos? e ?pormenores sobre como o crime foi cometido?. Mas, embora com cautelas, não deixa de ser função do jornalista ?mostrar a comunidade tal como ela é na realidade e não tal como gostaríamos que fosse?.

Um colega japonês, do gigantesco Yomiuri Shimbun, lembra que há algum tempo houve no seu país um caso típico de imitação, quando um adolescente se suicidou e acabou sendo seguido por alguns outros. Os ?media? foram muito criticados pelo modo como trataram o sucedido, e algo aprenderam. ?Não apresentamos detalhes muito precisos sobre estes casos mas contamos o que se passou?, diz.

Um último comentário, vindo de um provedor do Canadá (The Toronto Star): ?No nosso jornal não costumamos noticiar suicídios. E a sensação é que, a não ser que haja um motivo forte [recorda, por razões de relevância pública, a recente morte da mulher de Helmut Kohl] é que é preferível não noticiar, para não provocar imitações?. Nos casos de excepção, ainda assim, os textos devem ter ?gosto e sensibilidade?, fugir ao sensacionalismo e tentar algum enquadramento (?put things in perspective?, na muito utilizada expressão inglesa).

Alguns jornais têm normas específicas nos seus livros de estilo, como o espanhol El País: ?O jornalista deverá ser especialmente prudente com as informações relativas a suicídios. Em primeiro lugar, porque nem sempre a aparência coincide com a realidade; e também porque a psicologia comprovou que estas notícias incitam ao suicídio pessoas que já eram propensas a tal e que sentem nesse momento um estímulo de imitação. Os suicídios deverão publicar-se somente quando se trate de pessoas de relevância ou suponham um facto social de interesse geral?.

Em termos genéricos, é para idêntica preocupação que aponta o Livro de Estilo do PÚBLICO, quando considera inaceitável violação da privacidade ?a exploração sensacionalista de circunstâncias e factos relacionados com dramas de natureza pessoal ou familiar?. Sobre casos do foro criminal, diz que ?requerem um tratamento sóbrio e distanciado, segundo critérios de inequívoco interesse público e recusando o sensacionalismo?.

Em síntese, sublinhe-se o insistente apelo à sensibilidade e ao sentido de responsabilidade, quando se lida na comunicação social com temáticas desta índole. A linha que separa uma abordagem moderada de uma exploração desnecessária, para não dizer doentia, é por vezes ténue. E é inegável a influência, mesmo sobre a imprensa escrita, de televisões com uma informação cada vez mais ?tablóide? que decide dar honras de manchete a um episódio menor só porque tem emoção, lágrimas, drama humano. E nem sempre basta levar a estúdio um psiquiatra para dar um ar de preocupação com o enquadramento do caso: um minuto de conversa entre duas desgraças, volta e meia interrompida porque ?o nosso tempo é escasso?, dá para reflectir seriamente em quê?

Neste aspecto, a imprensa escrita tem a vida mais facilitada (embora as televisões também pudessem, para além dos telejornais, desenvolver outros programas de informação menos ?apressados?), e se calhar é esse o seu papel específico no aprofundamento sereno e distanciado destas questões. O certo é que, seja nos casos de suicídio, seja nas agressões com ácido, seja genericamente nos eventos negativos que podem ser mimetizados, os jornalistas precisam – e é bom que saibam que precisam – do auxílio de quem trabalha estes problemas: psiquiatras, psicólogos, sociólogos, assistentes sociais.

Tal como sucede noutros domínios (já aqui se falou, por exemplo, nas questões de divulgação científica), nem sempre os que estão de fora do universo da comunicação percebem as suas especificidades, e vice-versa. Há muito especialista que receia falar para um jornal porque vê no jornalista um ?abutre? mais interessado numa frase rápida e sonante (que dê um título forte…) do que em compreender a complexidade do que está em causa, para poder depois transmiti-la bem aos seus leitores. E em não poucos casos são justos os motivos de receio…

Mas nem sempre assim é. Embora um jornal generalista, mesmo exigente, não possa fazer-se revista especializada – sob pena de não ser entendido por boa parte dos leitores -, só lucra se puder contar com a disponibilidade e a compreensão de especialistas que, ajudando o jornalista a ?trocar em miúdos? as situações complexas, enriqueçam o esforço informativo e a genuína vontade (que também existe…) de contribuir para melhorar a nossa vida em sociedade. Então em casos dramáticos como os de que falámos, especialistas de saúde mental e jornalistas estão ?condenados? a entender-se, sendo que uns e outros terão de fazer a sua parte de caminho para encontrarem um ponto de equilíbrio entre as suas especificidades profissionais. O pressuposto é uma base de compreensão e confiança mútuas – para o que convém realçar os exemplos positivos que vamos tendo, como também denunciar os negativos. Mas não desistir, sobretudo não desistir. A benefício de todos nós.


Em síntese

Receitas? – Noticiar um drama requer, antes de tudo, sensibilidade e bom senso

Colaboração – Jornalistas e especialistas podem trabalhar juntos para uma informação mais exigente"

    
    
                     

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