Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Joaquim Fidalgo

PÚBLICO

"Enfim ?a Lista?. E Agora?…", copyright Público, 2/9/01

"Culminando um processo longo, em que o PÚBLICO notoriamente se empenhou, foram divulgados os resultados do 12? ano das escolas secundárias do país. Disse-se que era ?a lista?. Mas não: será mais rigoroso dizer ?as listas?. Porque tantas houve – e tantas outras poderia haver…

A caricatura é velha e revelha, mas nem por isso deixa de nos alertar sobre os limites da estatística apressada: se eu comi um frango e tu não comeste frango nenhum, cada um de nós comeu, em média, meio frango. Estatisticamente, claro.

Em poucas semanas como nesta última os leitores do PÚBLICO terão conversado e pensado tanto em médias, estatísticas, classificações, ?rankings?, números, etc.. Tudo por causa da famosa ?lista? – quer dizer, a divulgação pública dos resultados das escolas secundárias do país. Viu-se no abundante correio que o jornal, e muito bem, tem decidido publicar, viu-se nas reacções de professores, alunos e pais, viu-se nas conversas familiares ou nos grupos de amigos que mais directamente trabalham em educação.

Como se esperaria, a publicação das ditas classificações, no modo concreto (e, sublinhe-se, diverso) como foi feita pela comunicação social, dividiu opiniões e gerou polémicas acaloradas, ajudando a desfazer equívocos nuns casos, mas, noutros, a criar novos.

Um ponto parece hoje mais claro: quem, ao longo dos tempos, foi manifestando reservas à divulgação pública destes dados, não o terá feito por ser contra a transparência da administração pública, mas por recear leituras apressadas e consequências perversas do tratamento MERAMENTE QUANTITATIVO e BIPOLAR – a lógica dos ?melhores? e dos ?piores?, envolta numa capa de aparente objectividade – de um complexo manancial de informação, com um número imenso de variáveis.

Nem sempre estes opositores terão sabido explicar-se bem, e, sobretudo, não propunham alternativa aceitável: esconder a informação só dá mau resultado. Mas a verdade é que alguns dos efeitos perversos já se sentiram. Com excepção do PÚBLICO e, em parte, do ?Diário de Notícias? (DN) ? que tentaram aprofundar o tema e fazer da divulgação dos dados o ponto de partida de uma reflexão importantíssima para a nossa sociedade -, a generalidade dos ?media? deitou ao ar meia dúzia de listas, de ?top tens?, para mais nem sempre coincidentes, e… adiante! Na cabeça de muita gente, a única coisa que terá ficado é que ?a escola do meu filho é melhor que a tua? ou ?a escola da tua terra é pior que a da minha?. Com base em quê? Numa certa lista que um certo jornal fez sobre certos resultados de um certo ano, e que, sendo muito relativa, pareceu funcionar como absoluta!

Aliás, é este porventura o maior e mais fundo equívoco: não se pode dizer ?A LISTA?, como o PÚBLICO entendeu escrever na sua manchete de segunda-feira. Não há ?a lista? das melhores e piores escolas, dos melhores e piores alunos; há muitas, muitas listas possíveis. E cada uma vale o que vale.

O Público resolveu classificar as ?cem melhores? com base nuns critérios: usou as notas dos exames nacionais do 12? ano, em oito disciplinas, excluiu os alunos externos e, dependendo das cadeiras, considerou só as que tinham pelo menos 10 ou 15 alunos. isto deu UMA lista. Já o DN decidiu listar as ?cem melhores? com base na classificação final do aluno (que pondera a nota do exame com a nota obtida no processo de avaliação ao longo do ano) e usou os dados de catorze disciplinas, em vez de oito. Isto deu OUTRA lista. Com algumas parecenças mas também com diferenças: por exemplo, a escola que é ?n? 1? para o DN é ?n? 17? para o Público… E se, em vez de oito ou catorze disciplinas, se usassem só seis? Ou dez? E se fossem estas ou outras? E se se incluíssem também os alunos externos? E se houvesse coeficientes de ponderação conforme o número de alunos? E se…? Há dezenas e dezenas de listas possíveis. Há escolas que podem ser ?boas? nisto mas ?más? naquilo (veja-se os ?rankings? por disciplina).

E, esgotados todos estes ?quês? de uma visão (hoje tão na moda…) apenas quantitativa, estatística, mensurável, seguem-se os ?comos? e ?porquês? de uma análise qualitativa, mais cuidada, que leve em conta as realidades sóciais, económicas, geográficas, culturais, uma série de variáveis que ajudam a fazer justiça às escolas concretas, e que não lançam sobre esta ou aquela o precipitado estigma de ?medíocre? ou ?mau?.

No caso do Público, a ?vitória? de uma longa campanha em favor da divulgação das notas implicava dois tipos de responsabilidades: 1) fazer um tratamento dos dados que não cedesse a tentações sensacionalistas ou meramente quantitativas, e que deixasse bem claro o relativismo dos critérios adoptados nas listagens construídas, para não dar razão a quantos receavam simplificações excessivas e redutoras; 2) que não se desse por satisfeito com a publicitação dos resultados até agora reservados, nem com a elaboração de meia dúzia de ?rankings? parcelares, mas pelo contrário iniciasse aí um grande debate sobre os ?quês? e os ?porquês? de situações mais ou menos perceptíveis neste mar de informação estatística.

Uma e outra responsabilidades vêm sendo de algum modo assumidas, embora o pudessem ter sido melhor. Chamar ?a lista? a um dos muitos ?rankings? possíveis (dando a ideia de único e absoluto, quando é algo de relativo), não terá sido a formulação mais feliz. E, sem querer discutir os critérios adoptados nas listagens, convinha lembrá-los constantemente ao abordar a matéria, resistindo à tentação de carimbar as escolas, de modo simplista, como ?melhores? ou ?piores?.

Quanto ao debate subsequente, tem sido muito interessante seguir não só o que vão dizendo os leitores (tanto argumento tão perspicaz, tanta chamada de atenção tão avisada…) mas também o trabalho jornalístico que procura esmiuçar, agora no terreno, as realidades entrevistas nos números. Espera-se que este esforço continue e se alargue a especialistas destas matérias, para enriquecer a reflexão comum. Até para inibir aproveitamentos perversos: já há escolas a dizer que, sendo assim, sabem muito bem que expedientes usar para fazer subir a sua posição em ?rankings? futuros, torneando questões e expondo apenas a nata dos seus resultados… Com isso subirão nas tabelas dos jornais mas… tornar-se-ão melhores escolas?

Uma coisa parece incontornável: peguem-se as listas por onde se pegarem (e elas dão-nos algumas indicações úteis, sem dúvida), confrontamo-nos com um país partido em dois, muito desigual entre litoral e interior, entre rico e pobre, entre centro e periferia, entre quem vive em contextos sócio-económico-culturais mais ou menos favorecidos. Ora isto significa que a ?batata quente? não está nas mãos do Ministério da Educação, ou dos professores, ou das escolas, porque o problema de fundo não é só do sistema de ensino. Ele, afinal, espelha de modo eloquente (e, mantendo-se assim as coisas, ajudará a perpetuá-lo) o modelo de país que temos, o modelo de sociedade que construímos, o modelo de desenvolvimento a que nos acomodamos. E isso não diz respeito só às escolas; diz-nos respeito a todos, cidadãos. O desafio é global. Portanto, melhore-se a escola, sim, mas não se faça dela o bode expiatório de problemas mais gerais que, pelos vistos, não temos sido capazes de resolver.

Em síntese

Dúvidas ? Uma tabela baseada em critérios relativos não deve ser exibida como absoluta

Cuidados ? Há maneiras artificiais de subir num ?ranking? sem melhorar uma escola"

    
    
            

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