Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Joaquim Fidalgo

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A VOZ DOS OUVIDORES



PÚBLICO

"Sejamos Claros", copyright Público, 27/5/01, de Lisboa, Portugal

"Quando alguém fala com um jornalista, deve necessariamente partir do pressuposto de que tudo o que lhe diga vai ser (ou pode vir a ser) utilizado em público? Ou seja: tem de falar ?como se? as suas palavras fossem sair no jornal?

Sabemos que, pelo menos em alguns casos bem tipificados, isso não é assim. No ?off the record?, por exemplo, é consensual que um jornalista, assumindo o compromisso de não utilizar algo que lhe seja contado em confidência, se manterá fiel à palavra dada. No lado oposto, parece também evidente que, quando alguém é solicitado a dar uma entrevista ou a prestar declarações formais, fica preparado para ler no jornal, no(s) dia(s) seguinte(s), o todo ou parte do que disse. Mas estes são os casos simples. Mais complexos são aqueles em que, não havendo qualquer compromisso explícito entre as partes sobre os termos de uma conversa, se criam expectativas diferentes. E tanto pode a pessoa contactada pelo jornalista ficar desiludida ao ver que ele não usou publicamente nem um nadinha dos seus dizeres, como, pelo contrário, pode ficar surpreendida por ver reproduzidas, em discurso directo, informações que fornecera a título informal.

Terá sido isto que sucedeu recentemente a Diana Andringa, não na qualidade de prestigiada jornalista que lhe reconhecemos, mas na qualidade de ?fonte de informação? a propósito de uma questão envolvendo a empresa onde trabalha (a RTP) e umas críticas feitas pelo ministro António Costa.

Solicitada por uma jornalista do PÚBLICO a prestar, telefonicamente, esclarecimentos que lhe permitissem ?perceber melhor algumas coisas? sobre o caso (recorde-se que as críticas do ministro da Justiça motivaram uma ?carta aberta? subscrita por muitos profissionais da RTP), Diana Andringa lá foi respondendo às perguntas de modo natural, espontâneo, com frases ?de pura oralidade?. Embora não tenha pedido nenhum ?off the record? e embora não renegue ?nada do que disse?, ficou convencida que não estava a dar qualquer entrevista, mas tão só a colaborar com uma jornalista que desejava ?informar-se melhor para interpretar [os factos]? e escrever o texto. No dia seguinte, porém, ficou ?espantada? quando se viu várias vezes citada, e ?entre aspas?, na notícia.

A autora do texto, Elizabete Vilar, é a primeira a admitir que pode ter havido lapso da sua parte ao não ter deixado claro, na conversa com Diana Andringa, se as declarações recolhidas se destinavam ou não a publicação. E, concordando com a regra atrás exposta, lamenta ter suscitado, involuntariamente, este pequeno incidente. Aliás, ela própria recordou ao provedor como, noutras situações, as pessoas até ficam desiludidas por passarem tempo a falar com um jornalista e, depois, não verem no jornal nem o seu nome nem ponta das suas declarações.

Não foi o caso de Diana Andringa, porventura também porque, sendo jornalista, ela sabe bem como é frequente (e importante, quando se faz informação aprofundada, contextada, do tipo da que o PÚBLICO cultiva) falar com muita gente só para perceber melhor as coisas, para apreender os diversos cambiantes dos factos, para dominar os assuntos. Recolher informação de ?background?, como se diz na gíria profissional (será que o novíssimo dicionário da Academia das Ciências dá guarida a este tão arreigado anglicismo?…).

O episódio em si não é grave, tanto mais que a ?queixosa? não duvida da seriedade de propósitos da jornalista do PÚBLICO (bem como da fidelidade com que ela transcreveu o seu pensamento) e esta, por sua vez, reconhece a importância de deixar claros os termos da conversa com qualquer fonte de informação. Trazemo-lo aqui apenas para recordar o princípio profissional bem sintetizado nas palavras da própria Diana Andringa: ?É normal que cada pessoa que é contactada por um jornalista seja avisada de qual a utilização que vai ser feita daquilo que diz?.

Ainda não há muito tempo, um leitor queixava-se por ter visto citadas, pelo PÚBLICO, partes de um seu depoimento alegadamente prestado ao jornal. Mas dizia não se recordar de ter proferido quaisquer declarações. Na explicação que acompanhava a carta, veio a perceber-se que tal depoimento estava integrado numa conversa (ou entrevista) feita já há cerca de um ano e, ao que parece, num contexto diverso. Daí o facto de o referido leitor já nem sequer se lembrar…

No fundo, está em causa o mesmo princípio: é bom que as fontes contactadas pelo jornalista saibam sempre a que se destina esse contacto e que as palavras recolhidas não sejam usadas para fim diverso do combinado nem em situação diferente da que lhe deu origem.

É ainda de respeito pelo leitor que se fala, agora, a propósito de um assunto não editorial mas que envolve também o PÚBLICO enquanto serviço (e a imagem de um jornal, como há dias bem recordava a provedora do leitor do ?Diário de Notícias?, Estrela Serrano, ?está muito ligada a aspectos que não se prendem apenas com o seu conteúdo jornalístico?).

Chegaram ao provedor variadas queixas pelo facto de alguns CD-ROM’s distribuídos pelo PUBLICO como complemento promocional ao suplemento ?Fugas? só serem compatíveis com o sistema Windows e não com Macintosh. Pior, a informação constante dos referidos produtos não era clara a esse respeito. E houve utilizadores de computadores Apple que compraram os CD’s para… nada!

Solicitado pela Direcção Editorial (que diz também só ?a posteriori? ter tido conhecimento do problema) a explicar-se, o departamento de ?marketing? do PÚBLICO lamenta o sucedido e promete ?o maior cuidado? para que isto ?não se repita?. Segundo se percebe, terá havido falhas de comunicação com o fornecedor externo dos CD’s e, quando se constatou que eles não eram compatíveis com computadores Apple Macintosh, já as capas dos primeiros números estavam prontas. ?A única solução quanto aos exemplares já impressos era aceitar a devolução dos mesmos por parte dos leitores, o que foi comunicado aos pontos de venda?. garante o responsável do ?marketing?, Nuno Franco, acrescentando que, quanto aos títulos ainda não produzidos, já teria sido incluída a menção: ?Não compatível com Macintosh?.

Mas a informação clara e inequívoca aos leitores sobre o produto que se está a vender é só uma parte da questão; a outra (que, convenhamos, nos ultrapassa…) é saber da justeza ou não de lançar um produto promocional que, independentemente das quotas de mercado respectivas, exclui quem tem ?Mac’s? e não ?PC’s?. Mesmo que aqueles sejam minoritários, registe-se a ironia: o PÚBLICO é, precisamente, um jornal que utiliza computadores Macintosh na sua redacção…

Fontes – Quem faz declarações a um jornalista deve saber claramente a que se destinam

Computadores – Quem compra um CD-ROM deve saber claramente onde pode utilizá-lo."


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