Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jogo sujo

LEITURA DE VEJA

Por Luiz Antonio Magalhães*

A cada semana que passa, a revista Veja se supera. Desta vez, o assunto
não será o caráter reacionário ou a postura pró-EUA
do semanário da Abril ? temas já comentados neste espaço.
Será mau jornalismo mesmo.

A foto foi publicada na página 130 da edição
de número 1.772, com data de 17/10/01 ? de Veja.

Só para que o leitor possa "sentir o clima",
a revista em questão trouxe na capa a

imagem de Osama bin Laden acompanhada da manchete "O Profeta
do Terror". Logo abaixo da chamada principal, quatro subtítulos,
dentre os quais vale destacar dois: "Mulá Omar, o líder
supremo do Talibã, é louco varrido, segundo seu ex-médico"
e "Por que os países islâmicos não conseguem
escapar da pobreza".

Desde que as torres gêmeas do World Trade Center foram atacadas e destruídas, Veja ? muito acertadamente, diga-se de passagem ? resolveu privilegiar a cobertura internacional. O "espelho" da revista foi modificado e o que tem entrado logo após as seções "páginas amarelas" e "cartas" é noticiário internacional e não nacional, como usual. São páginas e páginas destinadas praticamente a convencer o brasileiro a se alistar no exército. Dos EUA, de preferência.

O fato é que esta edição de Veja inicia a sua "cobertura" internacional na página 49, com o texto "O míssil e o barbudo" e termina na página 111. São 62 inacreditáveis folhas. Um leitor mais bem humorado não deixaria de rir ao ler o, digamos, "perfil" de Mohamed Omar que a revista preparou. O título já diz tudo: "O mulá bibi fonfom". Não por acaso, a matéria saiu sem assinatura.

Se na semana anterior a preocupação maior de Veja havia sido com a glorificação do chamado "American Way of Life", a edição em questão do semanário preferiu atacar o mundo islâmico. Sessenta e duas páginas depois de um verdadeiro bombardeio, o leitor se depara com a tal foto dos deputados-sindicalistas Jair Meneguelli (PT-SP) e Luiz Antonio Medeiros (PLSP), a mesma republicada neste espaço.

Só para o leitor sentir o clima, de novo, a foto saiu em página dupla, no canto superior, acima da seguinte manchete: "Os Sindicalistas das Arábias".

Seria cômico se não fosse trágico. Algumas colunas de bastidores políticos especularam que a fotografia pertenceria à ex-mulher de Medeiros, que teria entregue uma cópia da foto à revista, a pedido do líder da Força Sindical, que estaria incomodado com o fato de Meneguelli ter sido o parlamentar que pediu a abertura de uma investigação ma Câmara para investigar as denúncias de desvio de recursos na fundação da Força.

Veja não deu crédito e nem contou com teve acesso à imagem, apenas disse que se tratava de um instantâneo de uma viagem realizada a Israel, em 1988, pelos dois sindicalistas, "à custa de uma entidade patronal".

No texto da reportagem, Meneguelli não é acusado de coisa alguma, exceto de ter se divertido na viagem e recebido "um mimo" de empresários.

Na verdade, o jornalismo de quinta categoria da revista Veja não
é feito só de palavras. A composição
da imagem, manchete (a palavra "Arábias" do título,
por mais incrível que possa parecer, foi ressaltada: saiu
em vermelho) e pequenas ironias são mais do que suficientes
para passar o recado.

Meneguelli aparece como um irresponsável por se vestir de árabe em um momento tão "delicado" como o que o mundo está passando; como um vendido por aceitar viajar "de primeira classe" com as despesas pagas pelo PNBE ?que, diga-se, não é nenhuma FIESP?; e como um traidor por acusar o companheiro ao lado de quem posou todo sorridente. Tudo isto para não falar da tentativa de associar subliminarmente os líderes sindicais ao terrorismo de bin Laden.

Como se vê, a cada semana que passa, Veja fica mais marrom.

*Adaptado de artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania (www.correiocidadania.com.br)

    
    
                     

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