Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

João Caminoto

GUERRA & BIOTERRORISMO

"BBC e Reuters criticadas por não chamarem Bin Laden de terrorista", copyright Agência Estado, 15/10/01

"Mesmo após os eventos de 11 de setembro nos Estados Unidos, dois grupos de comunicações britânicos com forte presença mundial, a BBC e a agência de notícias Reuters, mantiveram a sua antiga política de não empregar a palavra ?terrorista? para descrever os ataques contra o World Trade Center e o Pentágono e nem mesmo para qualificar os autores dos atentados.

Essa conduta, segundo as empresas, justifica-se pela necessidade de procurar manter a imparcialidade diante dos fatos, evitando termos emotivos. A Reuters, por exemplo, usa apenas ?ataques?, e a BBC prefere termos como ?seqüestros suicidas?.

Mas nem todo mundo concorda com isso. A Reuters foi alvo de uma série de críticas no final do mês passado quando um memorando interno para os jornalistas da empresa, ressaltando a necessidade de manter a imparcialidade, vazou para o público.

No documento, os diretores da agência disseram que ?o que para uma pessoa é um terrorista, para outra é um lutador da liberdade?. O memorando provocou uma forte reação negativa entre os próprios funcionários da agência e entre seus clientes.

Diante da repercussão, o diretor-executivo da agência, Tom Glocer, divulgou um comunicado, desculpando-se pela frase, que, segundo ele, foi interpretada como um julgamento de valor em relação aos ataques.

?Essa nunca foi a nossa intenção, nem nossa política?, disse Glocer, que, no entanto, defendeu a linha editorial de evitar termos como ?terrorista?.

?Nossa política é evitar o uso de termos emocionais e não fazer julgamentos de valor em relação aos fatos que tentamos descrever com precisão e equilíbrio.?

Segundo ele, como uma organização global de comunicação cobrindo 160 países, ?a missão da Reuters é fornecer relatos precisos e imparciais dos eventos, para que indivíduos, organizações e governos possam tomar suas próprias decisões baseadas nos fatos?.

Na BBC, a proibição do termo terrorista é antiga e consta inclusive do guia que norteia o seu comportamento editorial, as ?guidelines?.

O conflito na Irlanda do Norte, por exemplo, sempre foi tratado com extrema cautela pela corporação. Grupos extremistas católicos ou legalistas nunca foram qualificados como ?terroristas?, mas sim como ?paramilitares?.

Esse postura é levada ao pé da letra, principalmente no Serviço Mundial de rádio da BBC, que transmite em mais de 40 idiomas, inclusive para a etnia pashtu, maioria no Afeganistão.

Segundo o editor regional para as Américas, Robert Plummer, essa postura da BBC reforçou a credibilidade de seus noticiários em diferentes partes do mundo, independentemente de raça ou religião.

?Evitamos termos como terrorista para manter uma postura imparcial diante dos fatos?, disse Plummer à Agência Estado. ?Acho também que as palavras terrorista ou terrorismo vêm sendo usadas de forma exagerada pela imprensa, que deveria buscar descrever com maior exatidão o que ocorreu nos Estados Unidos. Ao invés de falar em ?ataques?, porque não usar ?seqüestros suicidas?, por exemplo??

Segundo ele, essa busca pela imparcialidade do Serviço Mundial da BBC é comprovada pelos elogios que a cobertura vem recebendo na Grã-Bretanha e pela forte penetração das transmissões em idioma pashtu no Afeganistão. Estima-se que mais de 60% dos afegãos escutem as transmissões do Serviço Mundial.

Mas é impossível agradar a todos. Líderes muçulmanos da Grã-Bretanha exigiram recentemente que a BBC pare de descrever Osama bin Laden como um ?fundamentalista islâmico?, pois consideram o termo ofensivo.

O Conselho Muçulmano, que representa mais de dois milhões de pessoas no país, quer que Bin Laden seja descrito apenas como ?terrorista?, sem referência à sua religião.

?A BBC nunca se refere ao IRA (Exército Republicano Irlandês) como uma organização extremista católica ou chama os membros do IRA de extremistas católicos?, disse um porta-voz do conselho. A BBC decidiu não alterar a sua conduta."

"Temporada das bruxas", copyright O Estado de S. Paulo, 21/10/01

"Quando eu era criança, meu irmão mais velho tocava música clássica para mim. A gravação de que eu mais gostava era a romântica Scheherazade, de Rimsky Korsakov, sobre a jovem islâmica que enfeitiça um sultão árabe com mil e uma histórias. A gravação que me assustava era Night on Bald Mountain (Uma Noite no Monte Calvo), de Mussorgsky, o ritual surrealista do mal durante a noite do sabá das bruxas – tão vividamente animado em Fantasia.

O senhor do mal e da morte, envolto num manto negro, fica no alto de um pico recortado, enquanto espectros, bruxas e vampiros cirandam para prestar homenagem. Na alvorada, os sinos da igreja o expulsam e os espíritos voltam para seus túmulos.

Mais sustos foram causados por antraz na semana passada, do escritório de Tom Brokaw às redações dos jornais The New York Times, Los Angeles Times e St. Petersburg Times, ao Departamento de Estado, a um escritório da Microsoft em Reno, no Estado de Nevada, a um estúdio de cinema em Los Angeles. (Foi um sinal dos tempos que envelopes com pó branco, que aromatizavam festinhas em Hollywood, agora cheirassem a peste.) Os Estados Unidos entravam na temporada das bruxas. De seu reduto recortado na montanha, Osama bin Laden convocava uma coorte de criaturas demoníacas para invadir nossos cérebros. Será preciso mais do que o pó do bem, ou a potência de arrasa-bunkers, para expulsar este senhor do mal do Monte Calvo.

Talvez terroristas fossem responsáveis pela disseminação dos esporos – alguns verdadeiros, outros falsos, alguns ainda em fase de análise. Ou talvez fosse obra de espíritos atormentados, que, segundo o FBI, são inspirados pela jihad (guerra santa) a propagar o mal. De uma forma ou de outra, ajuda a trama diabólica de Bin Laden para se infiltrar em nosso subconsciente.

Apenas algumas semanas atrás, habitávamos um paraíso de frivolidades, nadando em notoriedade, consumismo e avanços da cirurgia plástica. Agora habitamos uma paranóia de frivolidades, temendo mortíferas ameaças potenciais em atos corriqueiros – abrir uma carta, tomar um avião ou um trem, ir ao shopping center ou a um jogo de futebol.

Os Estados Unidos estavam invulgarmente despreparados para passar por uma temporada de bruxas. Éramos otimistas, uma grande sociedade liberal, confiantes na segurança que nossa geografia proporcionava, vivendo na abundância vinda dos anos 1990, agradavelmente absorvidos pelas questões secundárias da existência.

Houve coisas terríveis – os episódios em Waco, Oklahoma City e Columbine -, mas não ameaças fundamentais que nos forçassem a encarar as questões primárias da vida e da morte: quem você ama e quem o ama? O que você cataria se precisasse fugir de sua casa ou do escritório? Quem você escolheria para criar seus filhos se você morresse?

O presidente, um líder de torcida, estava fazendo o melhor possível para tirar o país de sua depressão. Ele, de repente, se entrosou, refletindo nossa dor e atordoamento. Sua mensagem foi, por necessidade, esquizofrênica.

?Nossa nação ainda corre perigo?, admitiu ele, acrescentando que precisávamos tocar nossa vida, fazer compras, viajar e jogar.

Mas como poderíamos? Havia notícias sobre amedrontados funcionários do jornal The New York Times e da rede NBC que passavam por exames para detecção de antraz. E havia Tom Brokaw chamando isso de ?supremo pesadelo? e se emocionando, no programa Night News, porque sua assistente contraíra a doença. ?Isso é tão injusto, tão revoltante e tão enlouquecedor?, disse.

?Isso está acima de minha capacidade de exprimi-lo em termos socialmente aceitáveis.?

O presidente nos exorta a não sermos ?intimidados? por terroristas, embora o vice-presidente receie que eles possam estar propagando esses agentes da doença.

As vendas de antidepressivos disparam e as pessoas estão bebendo e fumando mais. Acima disso, vamos precisar endurecer e aprender a ficar atentos, e não inertes, cuidar de nossas obrigações e prazeres, enquanto nos achamos num estado de prontidão apocalíptica.

O presidente diz que o governo está ?respondendo tão rápida e energicamente quanto pode?. E confiamos que o governo esteja tentando. Mas qualquer noção de que havia uma porta corta-fogo federal se destroçou. Estávamos fazendo vôo cego em relação a muitas coisas que nunca havíamos enfrentado antes.

Estávamos vivendo demais no presente quando os terroristas atacaram – não estávamos preparados para ser agredidos de dentro, nem preparados para superar brigas por áreas de atuação e crises de identidade na CIA e no FBI, nem preparados para combater uma teia de guerra global com selvagens medievais, nem preparados para enfrentar a hipocrisia da Arábia Saudita e do Egito em matéria de terrorismo, nem preparados para combater o bioterrorismo.

Portanto, agora precisamos viver demais no futuro, vigilantes, mesmo que não saibamos ao certo o que vigiar. (N. da R. – Este artigo foi escrito antes da chegada do antraz ao Capitólio- Maureen Dowd é articulista do jornal The New York Times)"

 

"Influências", copyright O Estado de S. Paulo, 20/10/01

"Dizem que o cinema americano não fará outros filmes-catástrofe tão cedo. Porque o público traumatizado pelas cenas do 11 de setembro não quer ver mais atrocidades nem fictícias, e porque o cinema estaria com um certo sentimento de culpa. Os aviões se chocando com as torres do World Trade Center teriam trazido de volta com um estrondo – dois estrondos, no caso – a velha questão: violência no cinema e na TV influencia ou não influencia?

Para não ser acusado de estar dando idéias para terroristas, o cinema não vai mais destruir nada muito grande, por enquanto. E os efeitos especiais espetaculares ficam restritos aos bombardeios no Afeganistão, onde só influenciam o comportamento de quem matam. Mas aí é realidade, não tem nada a ver com cinema.

Pode-se esperar, portanto, mais filmes como American Pie, para divertir o público e fazê-lo esquecer suas tragédias. Mas se o Samuel Huntington tem razão e o que está começando é mesmo um choque de civilizações – ou seja, uma guerra de culturas -, filmes como American Pie podem ser mais perigosos do que filmes-catástrofe.

Todos se lembram da cena antológica no American Pie, um marco na história da civilização americana, em que o rapaz faz sexo com uma torta de maçã recém-saída do forno (ainda morna, deduz-se) da sua mãe. Dependendo de que lado do choque de culturas você está, a cena é fantástica – que grande civilização é essa que leva o autoescrutínio e a autoirreverência ao extremo de profanar o seu símbolo mais consagrado de domesticidade e identidade nacional – ou é ultrajante: imagine o seu efeito numa mente em que a profanação de um costume é equivalente à heresia religiosa. A guerra não seria entre estupradores de ?apple pie? e obcecados até o suicídio por pureza e tradição, claro, mas seria entre uma civilização em que sexo com farináceos é concebível e uma civilização em que não é. Pode-se imaginar um terrorista hesitante decidindo-se pelo ato extremo contra os infiéis depois de assistir ao American Pie. E não quero ser alarmista, mas vem aí o American Pie 2.

Mas leio que o governo dos Estados Unidos reuniu-se com a indústria cinematográfica e pediu que ela se engaje na luta contra o terror, ajudando a vender os valores americanos como fez durante a 2.? Guerra Mundial. Não sei se chegaram a tocar no assunto, mas imagina-se que, num futuro próximo, as tortas de maçã, por mais tentadoras que sejam, permanecerão invioladas no cinema."

 

"Pânico universal", copyright O Estado de S. Paulo, 21/10/01

"Se houver mesmo relação direta entre os autores dos atentados de 11 de setembro e a disseminação do pânico através da guerra bacteriológica do antraz, há uma estratégia clara: atingir cada um dos cinco continentes.

O último caso confirmado fora dos Estados Unidos foi na África, mas cartas com o aterrorizante pó branco já chegaram à América Latina, à Europa, à Ásia e à Oceania.

Caso isso seja obra mesmo do terror que explodiu o WTC, o recado é claro: a guerra patológica é contra o mundo e não contra os americanos. E justamente para potencializar a repercussão é que o terror se concentra sobre emissoras de TV norte-americanas."

    
    
                     
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