Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jorge Bastos Moreno

ELEIÇÕES 2002

“Patrícia Pillar, a pedra no sapato de Duda e Nizan”, copyright O Globo, 1/09/02

“Brasília poderá ter, pela primeira vez em seus 42 anos, uma legítima candanga como primeira-dama do país. Nascida três meses antes do golpe militar de 64, no então recém-construído Hospital de Base de Brasília, a atriz Patrícia Pillar, filha de um oficial da Marinha, deixou a cidade com apenas um ano e meio, e a ela poderá voltar direto para o Palácio da Alvorada, se o seu marido, o candidato da Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT), Ciro Gomes, eleger-se presidente.

Aos 38 anos, dona de um enorme carisma, resultante em grande parte do seu talento profissional, mas acrescido de uma vitoriosa luta contra um câncer de mama, Patrícia transformou-se no principal ícone da campanha de Ciro. A ela é atribuída a ascensão do marido nas pesquisas.

Com a sua estréia no programa eleitoral de Ciro na TV, Patrícia continua sendo a grande pedra nos sapatos dos dois maiores publicitários de campanhas políticas do país, Duda Mendonça, responsável pela de Lula, e Nizan Guanaes, pela de Serra. Os dois perdem o sono por causa dela, mas não perdem a elegância diante do seu carisma:

– Eu tenho grande respeito e admiração por ela. Ela já era namorada do Ciro muito antes de ele se tornar candidato. Então, todos sabem que ela não é resultado de marketing – afirma Duda Mendonça.

Nizan Guanaes, responsável pela performance da ex-governadora Roseana Sarney no início da campanha eleitoral tem, por isso, a autoridade para reconhecer o papel das mulheres nestas eleições:

– Nenhuma delas está na campanha como adorno de candidatos. A Rita Camata (vice de Serra) sempre foi uma parlamentar atuante. A Patrícia Pillar é outra pessoa extraordinária. Na verdade, a política brasileira é que sempre foi machista e ignorou a força da mulher.

No ano do cinquentenário da morte da mulher mais idolatrada e, ao mesmo tempo, odiada, da América latina, Eva Perón, uma atriz que ajudou seu companheiro, o general Juan Perón, a assumir a Presidência da Argentina, o que menos se quer na campanha de Ciro é que Patrícia seja comparada à Evita, ?a mãe dos descamisados?, morta aos 33 anos, de câncer.

Ao contrário de Evita, uma atriz secundária, desprezada pela aristocracia argentina, Patrícia é uma das mais famosas atrizes do país e atuou no filme ?O Quatrilho? – que disputou o Oscar de melhor filme estrangeiro – em várias peças de teatro e notabilizou-se como Luana, a sem-terra de ?O Rei do Gado?.

– Se eu me sinto indignada com a comparação? Tem tanta coisa mais importante para eu me indignar… Quem fala isso nem sabe direito quem foi Evita. Eu não me sinto Evita, por várias razões que nem preciso enumerar, da mesma forma que não há a menor semelhança entre Ciro e Perón.

E acrescenta:

– Este momento é muito útil para mim. Saí de um sentimento de impotência diante das mazelas do país para a ação.

CARREIRA: ?Desde pequena, eu já brincava de teatro de marionetes. Botava um lençol na sala e cobrava ingressos para as pessoas assistirem. Não pensava em teatro como profissão. Fui fazer o curso de jornalismo e aí começaram a aparecer as oportunidades. Comecei pelo teatro amador e depois me integrei ao grupo de Hamilton Vaz Pereira, no Asdrúbal Trouxe o Trombone. A novela ?Rei do Gado? foi o mais importante trabalho na televisão. Foi uma ousadia. Eu, uma pessoa criada na cidade, fazer o papel de uma sem-terra. Mas trabalhar com Luiz Fernando Carvalho sempre foi estimulante. Ele é muito exigente, transmite segurança. E eu também nunca me dei colher de chá. Sempre me impus conseguir as coisas pelo meu trabalho. E fui conviver com as cortadoras de cana, no interior de São Paulo, para fazer o papel?.

DOENÇA: ?Mudou muito a minha cabeça. A gente sempre tem um sentimento de certa prepotência diante da vida, como se ela fosse eterna. O sentimento da morte não precisa fazer parte de nossa vida o tempo inteiro. Mas o susto que vivi me fez ver que o sentimento da morte é essencial para a vida. A sensação dela, a percepção dela, o fato de ela estar presente na nossa vida, torna a vida muito mais interessante?.

SAÚDE: ?Graças a Deus estou bem.Terminei a quimioterapia e a radioterapia. Já fiz os exames, que agora serão regulares. Ainda não me sinto 100% porque fica uma certa química no corpo. Mas nunca parei, nem nos momentos mais pesados da quimioterapia. Eu trabalhei no livro do Ciro e isso me ajudou bastante a me manter ocupada, a ter um objetivo a cumprir?.

CIRO: ?Tenho parentes no Ceará e sempre me interessei muito por política e economia. Eu ia lá, mas não conhecia o Ciro, porém acompanhava, pela leitura de jornais, sua atuação. E, certa vez, numa entrevista a um jornal, disse que o Rio deveria ter um governante como Ciro Gomes. Eu acompanhava seu trabalho, mas não tinha sequer a imagem do rosto dele em minha cabeça. Não o conhecia pessoalmente. Alguém leu e contou para ele e aí quando voltei ao Ceará nos conhecemos?.

PARTICIPAÇÃO NA CAMPANHA: ?Eu acredito realmente no que estou fazendo. É o caminho que eu gostaria de seguir. Não poderia estar me omitindo nesta hora, se não acreditasse no Ciro, nas idéias dele. Eu sinto muito orgulho do que ele faz. Ele não quer o poder pelo poder. Tem uma vida de classe média normal, mas é um homem de hábitos simples?.

PT: ?Nunca fiz campanha para o PT, mas sempre tive muito respeito pelo Lula. Ele nunca foi minha primeira opção, mas já votei nele. Fiz campanha para o Mário Covas (PSDB) e para a Telma de Souza (PT), que foi minha professora em Santos. Tenho muito respeito pelo PT. Mas acho que o Brasil mudou e vejo o Ciro com uma visão mais moderna de Brasil. Vejo o Ciro mais comprometido com as coisas que a gente já conquistou. Ele tem um passo adiante. Meu amigo Gabriel Vilela, diretor de teatro, que sempre votou no PT, disse para mim uma coisa muito interessante: ?Petista moderno vota no Ciro?.

CANDIDATOS: ?Se todos são bem intencionados? Depende. O Serra tem certas coisas nebulosas que eu não vejo colocadas na mídia. O Lula é bem intencionado, sensível às questões principais do país. Vejo o Ciro muito nessa linha. São duas pessoas indignadas com essa situação. Mas não sinto o Serra preocupado com isso?.

COMIDA: ?Saladas, massas e sushi. Como bem. Já comi até bode e achei delicioso. Gosto de carneiro feito no buraco. Se me deixar, eu como muito. No seriado ?Mulher? eu engordei um pouco, mas também porque tinha deixado de fumar?.

MÚSICA: ?Minha geração é de MPB. Rita Lee, Caetano, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Gil, Milton, Paralamas. Renato Russo é demais?!”

“De santo e louco, todos têm um pouco”, copyright Jornal do Brasil, 25/08/02

“Somos a maior nação católica do mundo e certas questões teológicas ganham entre nós uma relevância que não têm em outros países. Fernando Henrique Cardoso perdeu as eleições para a Prefeitura de São Paulo porque não quis responder ao jornalista Boris Casoy se acreditava em Deus. Aprendeu a lição e elegeu-se presidente da República. Hoje talvez acredite até na santa da vidraça, que apareceu em Ferraz de Vasconcelos (SP). Uma das maiores autoridades em engenharia de materiais, o doutor Edgar Dutra Zanotto, meu colega de universidade, com aquela impiedade comum aos cientistas, acha que tudo não passa de mais uma obra da corrosão dos vidros. Mas quem acredita no FMI, por que deixaria de acreditar em outras entidades de tão ou mais difícil compreensão?

O brasileiro tem paixão por recorrer, não apenas ao FMI, a Deus e a todo mundo, mas também aos santos, inclusive àqueles que ainda não foram canonizados, à espera do milagre de um dia saldar a dívida. A dívida! Por que ainda não escrevemos esse romance? A Dívida seria um sucesso, talvez de crítica e público. E nossos economistas leriam um pouco de literatura. E certamente passariam a destilar seus comentários em palavras mais potáveis.

Santos e santas estão na moda e alguns deles, já elevados à beatitude de presidenciáveis, estão se apresentando no horário eleitoral. Ali reconhecem que vivemos no Inferno e que dele sairemos, sem escala sequer no Purgatório, direto para o Paraíso, sob uma condição: se votarmos neles. Mas, cuidado! São mais rigorosos do que Dante, que pôs no Inferno o papa Celestino V, canonizado entretanto no século seguinte, mancha indelével na Divina Comédia, a menos que no futuro o santo venha a ser cassado.

A Igreja, mais bem organizada do que nossos partidos políticos, e que jamais fez aliança com Satanás, quando canoniza, não impõe. Limita-se a formalizar uma nova devoção das gentes, elevando à honra dos altares aquelas pessoas cujos exemplos de vida continuaram a brotar na memória popular depois de sua morte, pela disseminação dos cultos, como ocorreu recentemente com Amábile Lúcia Visintainer, mais conhecida como Madre Paulina. É a primeira vez que somos conterrâneos de uma santa.

Mas quem está sob as luzes da televisão são outros santos, que em tudo contrariam o príncipe das trevas. O Demônio, apesar das milenares imprecações contra ele – aliás, todas admitidas pelo próprio, que nisso é de uma sinceridade atroz! -, dá um exemplo aos presidenciáveis. Contrário a Deus e a todos os santos, enfrentando forças poderosíssimas, sabendo de antemão que vai ser derrotado, nem assim cogita de fazer aliança com as laterais do Céu. Está perdendo há milênios. E sabe que vai continuar a perder. Mas não muda de opinião. Dá um exemplo de coerência, a maior lacuna no horário eleitoral. Por isso, um de seus muitos outros nomes é Diabo, do grego Diabolos, que tem um partido, que divide, o contrário de Sýmbolon, que une metades diferentes.

O horário eleitoral está lembrando o romance Noli Me Tangere (Não Me Toque), cuja tradução inglesa tem outro título: The Social Cancer, onde pontifica ?o demônio das comparações?. Seu autor, o escritor filipino José y Alonso Rizal, defendeu a conciliação entre a Espanha dominadora e as Filipinas então submissas. Condenado à morte, antes de ser executado escreveu sua obra-prima, Último Adiós (Último Adeus), desta vez traduzido fielmente para o inglês, Last Farewell. Para os quatro presidenciáveis em evidência, estas eleições, repletas de comparações demoníacas, serão o último adeus. As próximas, se houver, porque nosso regime tem sido instável, não poderão ser tão insossas, com cada candidato parecendo concordar em tudo com os outros. Então, por que o vencedor deve ser ele? Pode ser qualquer um!”

“O segundo no primeiro”, copyright Folha de S. Paulo, 31/08/02

“Alon Feuerwerker, que foi meu chefe aqui na Folha e agora trabalha na campanha de José Serra, liga para discordar da idéia de que o segundo turno vai começar neste fim de semana.

A idéia nem é minha, mas de Duda Mendonça, o marqueteiro de Luiz Inácio Lula da Silva. Suspeito até que o troco a Duda esteja sendo dado mais por Nizan Guanaes, o marqueteiro de Serra. Afinal, são ambos baianos e as duas grandes estrelas do marketing político tupiniquim. Por isso eles também disputam a sua eleição particular.

Voltemos ao Alon. A tese dele é a de que, na verdade, o momento da campanha é de um segundo turno no primeiro. Se se acompanhar as curvas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Anthony Garotinho, vai-se ver uma grande estabilidade -um no primeiro e o outro no último lugar entre os principais candidatos.

As oscilações fortes se dão entre Serra e Ciro Gomes, criando ?características típicas de segundo turno?, diz Alon. Entre elas, os ataques recíprocos entre Serra e Ciro (na verdade, muito mais de Serra contra Ciro, que agora está se defendendo).

A questão é saber se esse segundo turno no primeiro se mantém, ou se um dos dois que o disputam vai se distanciar o suficiente para que se caracterize de fato o início já do segundo turno, tal como diz Duda.

Não há, como é óbvio, elementos por ora para dissolver essa dúvida. Mas suspeito que, no QG de Serra, já se trabalhe com a idéia de não deixar Duda e Lula sossegados, como se fossem um time já classificado para a fase final do campeonato e que se retira para o descanso em um hotel-fazenda enquanto seus rivais se matam para obter a classificação.

O vencedor do mata-mata chegaria esfalfado à batalha final, a que realmente decide. Duda parece contar com isso. Mas pode acontecer que o sobrevivente chegue bem treinado e pegue um rival com pouco ritmo de jogo, como se diz no futebol.”

“Imprensa nomeia assessor que candidato não convidou”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 26/08/02

“O executivo Pedro Barbosa, apontado pela revista Veja como demissionário do Bank of America para se incorporar à equipe econômica do PT, não é o único economista envolvido em notícias falsas relacionadas com a campanha eleitoral.

Barbosa de fato se demitiu do banco, mas não para ir para o PT, como ele próprio e o partido negaram. Sequer é conhecido dos chamados economistas do PT, limitando-se a ter patrocinado um jantar de colegas do mercado financeiro com José Dirceu, presidente do partido, a quem enviou algumas notas técnicas.

Dias atrás foi a vez da Folha noticiar que o mentor intelectual do Plano Real, Pérsio Arida, estaria para se integrar à campanha de Ciro Gomes. Pérsio tem conversado com muita gente, como sempre, talentoso economista que é, mas desde que largou o Banco Central no comecinho do governo FHC nãatilde;o quer mais saber de cargos públicos. Mas por causa da notícia perdeu quase um dia inteiro a desmentindo.

Que não se culpe, porém, somente o afogadilho da imprensa. Assessores ou dirigentes partidários dos candidatos também se arvoram em sondagens a possíveis colaboradores sem ter nenhuma delegação para isso. Nas campanhas de José Serra e Ciro Gomes, são eles mesmos e ninguém mais os formuladores de eventuais convites. Terceiros podem sugerir nomes, mas é só.

No entorno de Lula, é verdade, gravitam muitos emissários informais do candidato, mas engana-se quem achar que este é o caminho de acesso de idéias, propostas e mais tarde, quem sabe, cargos na equipe econômica do futuro governo, ignorando a instância dos chamados ?economistas do partido?.

À medida que consolida sua candidatura e aparece com chances de desta vez sair vitorioso das urnas, cada vez desponta mais gente querendo fazer a cabeça de Lula para os temas de economia. Nesta espécie de despachantes do candidato, tem até petista de carteirinha querendo mostrar mais influência do que possui na realidade.

O partido, para os apressados, apresenta sua estrutura organizada – a única no modelo partidário brasileiro -, e longos anos de convívio de uma mesma equipe de assessores. Que, tal qual Lula, também evoluiu e refrescou os pensamentos. Não seria agora, à véspera de virar poder, que o candidato se livraria de antigos companheiros de estrada.

No máximo, haveria aqui e ali algum talento específico, que o PT não tem e sabe tão bem quanto Lula que será preciso buscar fora, especialmente no caso da diretoria do Banco Central. Mas será tudo de comum acordo, negociado internamente e sem golpe de mão. Até porque, diferentemente de candidatos autonomistas, votar num petista equivale a casar com uma viúva com filhos: o marido leva a esposa e todos os agregados que a acompanham.”