Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornais desprezam pesquisa

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Uma recente pesquisa do governo inglês revelou que uma entre cada 20 mulheres maiores de 16 anos já foi estuprada. Em 45% dos casos, a violência foi cometida por um parceiro, e em apenas 8%, por estranhos. A cobertura deste estudo pela imprensa, revela Laura Barton [The Guardian, 29/7/02], oscilou entre manchetes como "Horror!" no dia do lançamento e "Mentira" no dia seguinte.

A autora reproduz trecho do artigo de Melanie Phillips, publicado no Daily Mail: "Mark Twain fez uma observação famosa de que havia três tipos de inverdades: mentiras, grandes mentiras e estatísticas. Agora podemos acrescentar uma quarta categoria de fraude grosseira: este estudo." Laura explica que algumas mulheres que participaram da pesquisa, quando perguntadas se já foram estupradas, responderam que não. Mais tarde, questionadas se já fizeram sexo contra sua vontade ? a definição legal de estupro ? disseram que sim. O artigo de Melanie, no entanto, pede uma definição "de senso comum", que envolveria violência.

Sandra McNeill, assessora de imprensa da Rape Crisis Federation, diz que a cobertura da imprensa desencoraja as mulheres a tratarem do assunto abertamente. As vítimas deste tipo de agressão não têm os nomes divulgados, assim como os homens acusados. Mas no caso deles, argumenta a autora, a proteção reforça o mito de que as vítimas estão mentindo.

Experiência pessoal

A estigmatização das vítimas de estupro é comentada num artigo comovente de Michael Kelly, colunista do Omaha World-Herald [25/7/02]. Sua filha de 25 anos foi estuprada por um estranho que invadiu o apartamento e a deixou para morrer. Num primeiro momento, o jornal informou apenas que ela fora roubada e baleada nas costas, mantendo a política de não nomear vítimas para não desencorajar denúncias. Mas como o caso foi acompanhado pela imprensa, e devido ao fato de ser filha de um jornalista conhecido, tornou-se público o indiciamento do homem por estupro, entre outras acusações. Os editores e a família decidiram então abrir uma exceção e permitir que o nome de Bridget fosse publicado.

Michael conta que a filha, ainda no hospital, assentiu com a divulgação porque acha que não deveria ser mais vergonhoso ser vítima de estupro do que de qualquer outro tipo de agressão. Historicamente, observa o autor, a sociedade faz com que elas se sintam marcadas para sempre pelo ataque sofrido ou de certa forma culpadas pelo que aconteceu. E como se trata de um ato desprezível, é natural que nem elas nem suas famílias queiram falar a respeito, mas este silêncio talvez seja vantajoso para os agressores, em detrimento das vítimas.

ITÁLIA

O presidente italiano Carlo Azeglio Ciampi demonstrou estar preocupado com o conflito entre os cargos ocupados por Silvio Berlusconi, primeiro-ministro e magnata da mídia. Em declaração enviada ao Parlamento ? a primeira desde que foi eleito, há três anos ?, Ciampi pediu nova legislação de mídia que garanta "o pluralismo e a imparcialidade do setor de comunicações" nacional, investindo em canais de rádio e TV regionais e na fiscalização de emissoras privadas.

Paul Betts [The Financial Times, 23/7/02] diz que na Itália o presidente não tem poderes executivos, e o pedido parece refletir a irritação de Ciampi com as insinuações de Berlusconi de que estaria preparado para concorrer ao cargo caso haja uma reforma política e o sistema vire presidencialista. O premiê, que controla 90% do mercado televisivo, apresentou uma lei de conflito de interesses ? já aprovada pelo Senado ? para tentar apaziguar as críticas. O projeto permite que ele continue dono do império Mediaset sob a condição de não estar envolvido em sua administração.

Menos fumaça na TV

Em carta às principais redes de TV do país, o ministro da Saúde, Girolamo Sirchia, recomendou a formação de um comitê de vigilância para evitar que o cigarro seja glamourizado em programas e comerciais. A idéia provocou reação imediata da imprensa, que questionou se clássicos como "Casablanca" e "La Dolce Vita" vão deixar de ser exibidos porque as baforadas charmosas de Humphrey Bogart e Marcello Mastroianni poderiam promover o vício (o próprio Sirchia, um ex-fumante, admite que começou seduzido pela imagem de Bogie).

Giuliano Bianucci, da Associação de Fumantes Educados e Não-Fumantes Tolerantes (!), acha o pedido inviável. "Como tirar o cigarro da TV? Há centenas de filmes importantes em que se fuma. Não vamos mais ver ?Pulp Fiction?? Ou ?Duro de Matar? porque Bruce Willis fuma no filme?"

O TIMES & A BOLSA

Farmer Mac, empresa criada pelo governo americano em 1987 para financiar propriedades agrícolas, acusa a repórter Alison Cowan, do New York Times, de ter ligação com short sellers, investidores que pegam por empréstimo ações que acha que se depreciarão e as vende, na esperança de recomprá-las por menos, embolsando a diferença. O jornal defende a imparcialidade de sua cobertura, mas executivos da Farmer apontam que, desde que Alison começou a fazer as reportagens, o valor das ações caiu pela metade, mesmo com seu lucro crescendo 50% no segundo trimestre deste ano.

O que chama especialmente a atenção são coincidências entre abordagens da repórter do Times e da corretora Gotham Partners, que sabidamente comprou ações da Farmer a descoberto para atuar como short seller. Em 11/4, por exemplo, Alison entrou em contato com a financiadora e perguntou a respeito de determinados aspectos negativos dos negócios da companhia. Dias antes, alguns administradores de fundos, entre eles o gerente da Gotham, Bill Ackman, tinham feito perguntas muito semelhantes. No dia 28/4, saiu o primeiro artigo no Times, sem citar a Gotham, mas colocando o mesmo tipo de preocupações que Ackman apresentara em reunião com executivos da Farmer Mac. No dia seguinte, a empresa solicitou que a Securities and Exchange Comission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários americana) investigasse a ligação da jornalista com short sellers. O Times respondeu, defendendo, em comunicado, a isenção de suas reportagens.

Em 23/5, a Gotham publicou relatório que citava a matéria de Alison quatro vezes e reiterava os problemas que enxergava na companhia de financiamento agrícola. Cinco dias depois, o Times publicou texto de Alison que reproduzia críticas de antigos sócios da empresa com relação à capacidade de liderança de seu presidente, Henry Edelman. Segundo o New York Observer [29/7/02], o valor das ações caía a cada nova matéria.

Em 3/6, a jornalista escreveu artigo dizendo que a Farmer havia realizado conferência telefônica para acalmar o mercado, mas não mencionou o pedido de investigação da sua pessoa. Em 25/6, Alison noticiou que a empresa seria investigada, em grande parte por causa das alegações publicadas pelo Times. No mesmo texto, disse que a Farmer chegou a ligar para a "Bolsa de Nova York para que fosse averiguado porque suas ações perderam um terço do valor". A repórter não disse, no entanto, que há desconfiança de que a culpa é de sua possível ligação com short sellers. Ao todo, foram seis artigos até 12/6. "Não queremos que todos tenham a mesma opinião sobre a Farmer Mac. Mas vemos aqui uma relação simbiótica entre gente que tem um ponto de vista específico e uma jornalista, o que nos preocupa", reclama Edelman.