Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornais, o sonho dos políticos

DEVER DE CASA

Daniel Liidtke (*)

Dizem que qualquer ser humano normal sonha na vida plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. No caso dos políticos, este sonho é anômalo: (im)plantar um jornal, escrever artigos e matérias que falem bem dele e, por fim, ter um filho político que continue dono do jornal após sua morte. Eles estão dispostos a tudo para realizar isso. Até mesmo fazer guerra.

É assustador observar no que a imprensa se transformou. Dando uma olhada por alto, percebemos claramente que a maior parte dos jornais em circulação no país está ligada direta ou indiretamente a políticos influentes; ainda mais em ano de eleições. Estes políticos donos de jornais vêem em seus leitores verdadeiras tábulas-rasas, prontas para serem preenchidas por suas doutrinas e visões excêntricas e distorcidas da realidade.

Jornais enfileirados, políticos a postos. Inicia-se a guerra. Denúncia de cá, insulto de lá, mentiras de um lado, distorções do outro. Onde se posiciona a verdade? Onde fica a imparcialidade tão pregada pelos meios de comunicação? Os políticos do Brasil cada vez mais realizam o sonho de ter um jornal e, como prêmio, ganham o poder da manipulação.

Por fim, os votos. As vítimas do confronto podem ser todas resumidas numa única palavra: massa.

Alguns políticos são maníacos por jornais. Uns têm muitos, outros têm mais ainda. Os que não conseguem ter o seu encontram, estrategicamente, um modo de se infiltrar num veículo "disponível ideologicamente". Tudo pelo sonho. Desde rincões a metrópoles, encontramos exemplos claros.

José Sarney, para começar, divide com outros políticos a posse dos maiores meios de comunicação da região. O Estado do Maranhão, jornal mais importante entre os 10 diários do estado, está sob seu domínio. Sem falar que Sarney é dono da principal rede de rádio e televisão local ? o Sistema Mirante e o Mirante Sat, ligados à Globo.

Os jornais de Alagoas têm suas páginas colloridas e recheadas de tendenciosidade. Na terra dos marajás, o principal grupo de comunicação é a Organização Arnon de Mello. Repousa nas mãos de Fernando Collor de Mello e família a Gazeta de Alagoas, maior jornal do estado. "Qualquer batizado com sua presença vira pauta obrigatória nos veículos da Organização Arnon de Mello", comenta Celso Calheiros, ao falar da volta de Collor a Alagoas.

Na Bahia, o domínio da imprensa está quase que totalmente nas mãos de Antônio Carlos Magalhães. Sua família é dona da Rede Bahia, que atua na área de mídia impressa, rádio e TV. Sob seu poder está o maior jornal do estado, o Correio da Bahia, além da TV Bahia, afiliada da Globo.

Pesadelo para a ética

Esses veículos sempre encontram um jeito de focalizar o político. Na edição de 28 de outubro, o Correio da Bahia publicou matéria que só falava do ex-governador: sua tradicional caminhada até a zona eleitoral, os aplausos que recebia do povo e como parava para cumprimentar eleitores, mesários, oficiais e dar autógrafos. No momento da votação, "pediu aos fiscais da Justiça Eleitoral que permitissem a imprensa registrar seu voto", narrou a repórter. Na seqüência, frases do governador. No geral, as matérias falavam mais do político baiano do que de Lula.

Não é de espantar que a capital do país esteja na mesma situação. Jornal de Brasília, Tribuna de Brasília e Jornal da Comunidade são de sócios ou aliados de Joaquim Roriz, reeleito governador, e a tendenciosidade permeia suas páginas : sempre arranjam um jeito de mencionar o político do PMDB. Na capa de edição recente do Jornal de Brasília, uma fotografia mostra Roriz com um largo sorriso ao lado de uma ponte em construção. Na verdade, a ponte só será inaugurada em fins de novembro, mas o jornal encontrou um jeitinho de promover seu candidato antes da eleição. Tais veículos trataram Geraldo Magela, o candidato do PT, como vilão.

No Distrito Federal, quem ousa combater Roriz leva chumbo. O Correio Braziliense foi o único jornal que se atreveu a estampar manchetes com denúncias contra Joaquim Roriz, e foi impedido de publicar determinadas bombas que acertariam em cheio Joaquim Roriz.

Há lugares em que os jornais de políticos são tão comuns que suscitam frases como a do vereador Sebastião Alemão, de Guarulhos (SP): "Na Bahia dá coco, aqui dá jornal." Em Guarulhos, o político Oswaldo Celeste Filho (PPB) é ligado ao Visão da Cidade, que, por mera coincidência, funciona no mesmo local de seu escritório político. A visão do veículo parece ser a do dono, a julgar pelas diversas fotos de Celeste e pela maioria das matérias, que focaliza o político.

Realidade em nosso país, o sonho dos políticos é um pesadelo para os que se comprometem com a ética da comunicação. Os políticos brasileiros não se contentam em plantar árvores, escrever livros e ter filhos, e a massa continua acreditando nos jornais e sonhando com um mundo melhor.

(*) Aluno do 1.? ano de Jornalismo no Unasp