Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornal ajuda a propagar grampo criminoso


Lira Neto

 

R

ecorro ao Pequeno Dicionário de Editoração (Edições UFC, 1996), escrito pelo professor cearense Faria Guilherme. Segundo ele, o Editorial é um “artigo jornalístico, de natureza opinativa, sem assinatura, que traduz o pensamento do jornal ou revista sobre determinado assunto”. Trocando em miúdos: o Editorial é a voz oficial de uma empresa jornalística. Expressa a opinião do jornal sobre os fatos. No caso da escuta clandestina nos telefones da alta cúpula do governo federal, O Povo expressou sua opinião a respeito em Editorial, na edição da última sexta-feira, 13 de novembro. Entre outros pontos, o Editorial do O Povo daquele dia definia a escuta telefônica como “uma das pragas que corroem as sociedades modernas”. Um pouco mais adiante, o jornal afirmava que “o avanço tecnológico e a falta de uma legislação mais rigorosa abriram campo para a ousadia dos espiões e chantagistas”. Em seguida, afirmava o Editorial do O Povo: “Chama a atenção a forma desinibida com que atuam, inclusive oferecendo seus serviços em anúncios de jornais, como não se tratasse de um crime”.

Pois chama a atenção, também, como o jornal publica tal afirmação, sem se dar ao trabalho de qualquer exercício de autocrítica. Se a escuta telefônica é um crime, os jornais compactuam com ele, também de “forma desinibida”. Naquele mesmo dia em que O Povo condenava o “grampo” telefônico, o caderno Populares acolhia anúncios de “detetives” que oferecem esse tipo de serviço sujo. Se o Editorial expressa o pensamento do jornal sobre determinado assunto, há aí uma contradição evidente: O Povo condena a escuta telefônica em Editorial, mas como todos os outros jornais colabora abertamente na proliferação de tal prática através do caderno de anúncios classificados.

É claro que não se pode confundir material jornalístico com espaços comerciais (embora muitas vezes o próprio jornal faça deliberadamente tal confusão, como se verá no próximo tópico desta coluna). O que se cobra aqui é uma coerência interna em relação aos princípios éticos da própria Empresa Jornalística O Povo. É inadmissível que o jornal continue alimentando uma discordância entre o discurso e a prática, entre o que prega e a forma com que ele próprio age. É preciso que o Código de Ética seja estendido para além dos limites da Redação, envolvendo também o setor comercial. Uma ética total. Senão prevalecerá sempre a lógica do “faça-o-que-eu-digo-mas-não-faça-o-que-eu-faço”.

Nome aos bois

Toda profissão tem suas gírias e jargões. Um vocabulário específico, próprio para definir situações inerentes ao ofício. No jornalismo, não podia ser diferente. No jargão dos bastidores da imprensa, por exemplo, existe o famigerado “boi”. Não tenho notícia da origem histórica de tal metáfora bovina. Mas, nas redações, “ganhar um boi” significa receber algum tipo de “presente”, aceitar propina para divulgar determinada informação. Trocar notícia por dinheiro ou por qualquer outro tipo de recompensa material.

No dia 15 de novembro, domingo, a coluna Confidencial, assinada pelo jornalista Marconi Alves, trazia um título provocativo: “Vaca estrela, boi fubá”. Marconi sugeria a existência de um esquema de corrupção institucionalizada na imprensa esportiva local. Uma verdadeira farra do boi. Segundo o colunista, “aqui no futebol cearense, para falar bem de qualquer evento esportivo, o pessoal (da imprensa) exige o incentivo, também chamado de farpela”. O outro nome do “boi”. “Quando anunciam que a seleção brasileira vem para o Ceará, todos os currais ficam tremendo”, insinuou Marconi. “Se o incentivo não chega a tempo, a única forma de desabafar é fazendo críticas ao jogo”, afirmou o colunista na Confidencial. “Esse animal de estimação, no momento, está magrinho”, disse. “Tão magro quanto o interesse do cearense para ver a Seleção no dia 18 deste mês, no Castelão”, afirmou Marconi. Se há corrupção, há corruptos e há corruptores. Em primeiro lugar, cabe perguntar: quem pagaria propina à imprensa esportiva? Na coluna, Marconi acusa indiretamente ? sem se preocupar em oferecer qualquer tipo de prova o presidente da Federação Cearense de Futebol. “Parece que o Fares Lopes trancou o curral. A boiada não sai dessa vez”, diz certo trecho da coluna, reproduzindo um diálogo hipotético entre dois profissionais de imprensa, contrariados por não terem recebido o tal “boi”.

As observações feitas pelo colunista são de extrema gravidade. Marconi Alves fala da existência da corrupção, mas ? perdoem o trocadilho ? não dá nome aos bois. Quais são os profissionais de imprensa no Ceará que recebem propina para “falar bem de qualquer evento esportivo”? Ao generalizar a acusação, Marconi foi leviano e colocou sob suspeição toda a imprensa esportiva do Ceará, da qual ele próprio faz parte. Por tabela, jogou lama na categoria como um todo. A Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Ceará convidou Marconi a esclarecer esta semana quem seriam os profissionais de imprensa que recebem propina. Vai ser a hora de dar nome aos bois. Dizer quem são os reis do gado. Ou de se retratar oficialmente, pedindo desculpas à categoria. Afinal, não se faz jornalismo com acusações genéricas e sem a devida comprovação. Tão nefasta quanto o “boi” é a prática de usar o espaço que se ocupa no jornal para enxovalhar a reputação alheia. O mau jornalismo é também uma espécie de corrupção. Corrompe o compromisso de informar com responsabilidade.

Encontro de Ouvidores/Ombudsman

Nem sempre os ouvidores têm a exata consciência do seu papel. Por coincidência, esse foi um dos ganchos do IV Encontro Nacional de Ouvidores/Ombudsman, realizado na semana passada no Rio de Janeiro. O tema central do encontro foi exatamente “A formação do ouvidor”. Diante da proliferação das ouvidorias, tanto em órgãos públicos como em empresas privadas, a Associação Brasileira de Ouvidores, presidida pelo paulista Edson Luiz Vismona, considera que é chegada a hora de discutir o perfil que deve ser exigido dos profissionais que são nomeados para exercer tal função. Uma forma de qualificar ainda mais o mecanismo da ouvidoria, conquista e exigência da sociedade, no longo processo que nos leva ao exercício pleno da cidadania.

(*) Ombudsman de O Povo, de Fortaleza, colunas de 20 e 27 de novembro de 1998.

 

O que é a ABO

Estatuto

Código de ética do Ouvidor/Ombudsman

Diretoria da ABO

Email: jcthomps@uol.com.br