Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornal diário impresso descobre Internet e oferece serviços de Sistema de Informação

Marcus Vinicius Mannarino (*)

 

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ual editor, por mais antenado que estivesse com a revolução tecnológica que experimentamos ao final deste século de extraordinários avanços, afirmaria ao fim de 1993, sem hesitar, que em menos de cinco anos os principais jornais diários impressos do mundo, seguidos por alguns milhares de outros diários médios e pequenos, estariam em pleno exercício de experimentação da nova mídia digital, a World Wide Web? E que a Web, no lugar de ameaçar-lhes a existência, lhes revolucionaria o secular hábito de distribuir notícias impressas e provocaria uma repentina ebulição no mercado com as novas perspectivas para a produção e circulação do tradicional produto jornal? Afinal, quem seria capaz, há alguns anos, de antecipar que o jornal do século XXI, mais do que um consagrado veículo de comunicação, será um verdadeiro sistema de informação? O fato é que.

Na dissertação O papel do jornal digital: veículo de comunicação e sistema de informação“, apresentada em setembro para a conclusão do curso de Mestrado em Ciência da Informação, oferecido pelo CNPq-IBICT em convênio com a UFRJ-ECO, no Rio de Janeiro, procuro mostrar que, tendo havido ou não tais previsões, a situação atual é justamente esta.

No primeiro dos três capítulos do trabalho é construída a base sobre a qual apoio a análise dos dados da pesquisa empreendida exclusivamente para a dissertação – apresentada no segundo capítulo. Nesta parte é apresentado um breve histórico do surgimento e desenvolvimento do jornal impresso, baseado na evolução do conceito de informação jornalística. A partir deste histórico e da reunião de algumas das características básicas do jornal impresso, procuro caracterizar este objeto para observá-lo com mais clareza em sua edição digital e avaliar se está havendo uma simples e limitada transposição da mídia impressa para a digital, ou se os webjornais apresentam um diferencial em relação à sua edição impressa originária, aproveitando-se das facilidades que a tecnologia oferece.

O segundo capítulo apresenta os números da pesquisa realizada. Os dados reunidos são resultado da “navegação” por 147 web sites de jornais diários impressos do mundo inteiro, durante os meses de junho/agosto de 1998. O universo da pesquisa foi definido com base na última edição do World Press Trends, uma publicação da WAN – World Association of Newspapers. Os critérios de seleção adotados visaram a obtenção de amostras dos três principais mercados de jornais diários impressos – EUA, Europa e Japão – e, ainda, a localização de edições web dos principais jornais do mundo. De fato, um número que chama a atenção é a quantidade de grandes jornais diários que já publicam notícias via Web: entre os 147 localizados, 53 são sites de jornais classificados no World Press Trends como os maiores em seus respectivos países. As edições web de jornais como The Wall Street Journal, USA Today e New York Times, dos EUA; Mirror e Daily Telegraph, da Inglaterra; Le Monde e Le Figaro, da França; ABC e El País, da Espanha; Bild e Suddeutsche Zeitung, da Alemanha; Yomiuri Shimbum e Asahi Shimbum, do Japão; Clarín e La Nación, da Argentina; e Folha de S. Paulo e O Globo, do Brasil, fazem parte do universo de webjornais consultados na pesquisa.

A pesquisa foi aplicada com o objetivo de mapear e caracterizar os serviços de informação oferecidos pelos jornais em suas edições web. Na tabela “Serviços Oferecidos pelos Webjornais” podemos verificar que 84,3% deles publicam notícias gratuitas, contra 2,7% que exigem alguma forma de assinatura paga do leitor internauta; 10,2% dos webjornais exploram a velocidade que o meio proporciona e publicam notícias online, conforme as informações vão sendo apuradas ao longo do dia; 12,2% utilizam programas para distribuição personalizada de notícias, num sistema conhecido como webcasting; 7,4% aproveitam a abundância de espaço do meio digital e publicam Reportagens Especiais; 16,2% exploram o potencial de interatividade da rede com a oferta ao leitor internauta de grupos de discussão, majoritariamente relativos a assuntos presentes no noticiário corrente. Estes são alguns dos serviços identificados e quantificados ao longo da pesquisa. Um dos números que mais chamam a atenção – e era justamente o foco do interesse da dissertação – é o relativo à oferta de serviços de busca e recuperação online de notícias dos arquivos dos jornais. O estudo verificou que 36% dos jornais pesquisados disponibilizam o acesso aos seus arquivos, uns mediante pagamento e outros de forma gratuita.

A existência de departamentos de pesquisa e documentação nos grandes jornais com as funções de fornecer subsídios para matérias dos repórteres “da casa” e, também, de atender demandas de leitores, pesquisadores e curiosos em geral não é novidade. Mas o fato de este serviço possuir uma interface de acesso remoto, via Internet, estando virtualmente ao alcance de todos os usuários da rede configura uma situação inédita com sérias implicações em termos de planejamento e estruturação de tais departamentos, tratamento e processamento das informações armazenadas, dimensionamento e modelo comercial do serviço. Do ponto de vista da Ciência da Informação, campo multidisciplinar de estudos que surgiu com a explosão da produção científica após a 2ª Guerra Mundial e se preocupa com a Comunicação Científica, a oferta em larga escala de serviços de busca e recuperação de informações pelos jornais, verificada neste trabalho, caracteriza o surgimento de verdadeiros sistemas de informação da Imprensa.

As empresas jornalísticas possuem a história das sociedades urbanas contemporâneas armazenada em recortes de jornais empoeirados separados em pastas organizadas em prateleiras e intermináveis rolos de microfilmes de páginas de jornal. É possível afirmar, contudo, que tais dispositivos são nada adequados a um amplo, ágil e eficiente uso do rico acervo de informações que contêm. Na perspectiva da Ciência da Informação, um Sistema de Informação possui cinco características básicas: 1) a informação é para o uso; 2) a cada usuário, sua informação; 3) a cada informação, seu usuário; 4) economize o tempo do usuário; e 5) um sistema de informação é um organismo em crescimento. Esta visão conduz a exposição do terceiro e último capítulo da dissertação, no qual identifico o surgimento de tais características básicas nos serviços ora oferecidos. Paralelamente a isso cito as questões de classificação de conteúdo de documentos e definição de um modelo padronizado de estrutura de metadados como áreas de pesquisa que têm muito a contribuir para o sucesso e a eficiência dos Sistemas de Informação jornalística.

Quando a TV surgiu na década de 50, com a instantaneidade de distribuição de notícias ilustradas por imagens, criou um novo tempo de veiculação. O sentimento era de que a competição era desleal e que a TV iria tomar o espaço dos veículos impressos. Quatro décadas depois, vemos que os jornais pegaram o bonde das transformações abandonando edições extras, incrementando a diagramação de suas páginas, investindo na qualidade gráfica e evoluindo a linha editorial com informações mais analíticas e aprofundadas, para oferecer o que a TV não oferece.

Hoje presenciamos uma nova fase de mudanças estruturais no jornalismo impresso em função das novidades da aliança entre as tecnologias de informação e de comunicação. Com o estonteante andar da carruagem, a única previsão sensata a fazer é que não demoraremos muitos anos para saber o fim desse novo capítulo da história do jornalismo.

(*) E-mail: marcusvr@uol.com.br