Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo capixaba: um bom momento

As potencialidades do jornalismo regional se mostraram com muita evidência nas últimas semanas, no Espírito Santo. O maior jornal da cidade, A Gazeta, trabalhou com seriedade, competência e responsabilidade o caso de um empréstimo envolvendo o Banestes, Banco do Estado do Espírito Santo.

O Banco avalizou, em 1995, um empréstimo junto a um banco inglês no valor de R$ 5 milhões para um empresário paulista – Álvaro Malimpensa – montar uma fábrica de réplica de automóveis antigos. Acontece que os bens dados em garantia foram adquiridos poucos dias antes e não alcançavam sequer 20% do valor do aval. E o empresário, indiciado em vários processos por estelionato, não teria ficha limpa em qualquer cadastro feito com um mínimo de profissionalismo. Mesmo assim, a operação concretizou-se, com fortes indícios de favorecimento político.

Durante mais de uma semana, A Gazeta sustentou o noticiário com novas informações, análises, repercussões e editoriais. O presidente do banco, Reynaldo Zandomênico, chegou a agredir verbalmente dois jovens repórteres do jornal na sexta-feira, dia 20. Mas no domingo, 23, A Gazeta estampava em sua primeira página um ofício assinado pelo próprio Zandomênico afirmando textualmente que o empresário já “ajudara o governo em várias ocasiões”. Estava explícito o favorecimento político.

No dia 24 de novembro, Zandomênico pede demissão, junto com o diretor comercial, sem dar explicações. O governador Vitor Buaiz aceita a demissão, mas lembra que o caso não está encerrado.

O episódio merece algumas observações:

– O jornal A Gazeta soube dar a devida dimensão ao fato. Em momento algum, sequer aproximou-se do “denuncismo”. As informações divulgadas por A Gazeta eram sempre corretas, sempre checadas, nunca foram desmentidas.

– O episódio por várias vezes ocupou a manchete do jornal. Mas A Gazeta, em momento algum sequer chegou perto do sensacionalismo.

– Exemplo: a informação mais importante do caso – a carta assinada pelo presidente do banco – foi publicada na edição de domingo, 23. Nem era a manchete do jornal. Poderia e até merecia ser. Estava acima da dobra, mas era pouco pela importância.

– o jornal assumiu institucionalmente as informações que ofereceu aos seus leitores. Para o leitor do OBSERVATÓRIO, pode ser um fato banal, corriqueiro, mas é estranho às tradições do jornalismo capixaba. A velha rotina do jornalismo regional no Espírito Santo era a do denuncismo, sempre com fonte em on: assumindo a informação. Quantas boas pautas foram perdidas por falta de alguém que assumisse a informação!!

– O caso foi trabalhado em equipe. Os repórteres André Hees e Eduardo Caliman; a repórter e colunista Flávia Mignone e o editor de Política, Sérgio Egito, foram jornalistas que trabalharam no caso, assinando matérias. Outra característica nova em relação às tradições do jornalismo capixaba, sempre muito individualista. Registre-se, ainda, que André Hees e Eduardo Caliman são dois jovens repórteres, em início de carreira.

– O jornal mexeu com um grande anunciante local. Se isso normalmente é um problema, no jornalismo regional costuma ter uma dimensão maior. Tal circunstância não foi impeditiva do trabalho profissional dos jornalistas de A Gazeta.

– O concorrente A Tribuna comportou-se com muito pouca elegância. Ignorou o caso e por duas vezes usou sua coluna mundana para desmerecer o trabalho do concorrente. Numa delas, perguntava: “a quem servem estas denúncias”. Ouso responder: ao cidadão e contribuinte capixaba. Ao leitor de jornal, também. O leitor de A Tribuna bem que poderia ir ao Procon: no dia em que o presidente do Banestes pedia demissão, esta informação simplesmente estava ausente da primeira página do tablóide. A Tribuna comeu mosca.

Em tempo. A Gazeta continua dando sinais de independência: Ariovaldo Bonas, diretor de redação já avisou que jornalista do jornal não trabalha para político, muito menos em campanha eleitoral.