Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo, crendices, ética


Orlando Tambosi (*)

 

D

e tanto falar em compromisso com a verdade, a objetividade, a imparcialidade, o rigor, etc., parece que os manuais de redação da imprensa brasileira consideram o jornalismo uma ciência. Mas o fato é que o jornalismo não é ciência. E esta, por sua vez, não é somente um corpo de conhecimentos, mas sobretudo um modo de pensar.

Disciplinado – mas imaginativo -, cético – mas aberto a novas idéias -, o modo científico de pensar é indispensável também ao jornalista. Num belo livro (O mundo assombrado pelos demônios, 1996), Carl Sagan, o saudoso cientista e divulgador do conhecimento científico, resumiu com clareza esta aparente contradição. “Se somos apenas céticos”, escreve ele, “as novas idéias não conseguem penetrar em nossa mente. Nunca aprendemos nada”. Da mesma forma, não se pode ser apenas aberto a novas idéias, sem um pingo de ceticismo. “Se somos tão abertos” – adverte Sagan – “a ponto de ser crédulos, não podemos distinguir as idéias promissoras das que pouco valem. Aceitar acriticamente toda noção, idéia e hipótese professada equivale a não conhecer nada. As idéias se contradizem umas às outras; somente pelo exame cético podemos decidir entre elas”.

Essa união de ceticismo e admiração é importante no trabalho jornalístico. Que, no entanto, tem mais admirado que duvidado, principalmente no que diz respeito a atividades pseudocientíficas (da astrologia à “piramidologia”, da “percepção extra-sensorial” à numerologia) e a crendices e superstições (do tarô aos búzios, das prediçõeses à “comunicação com os mortos”).

De forma absolutamente acrítica e irresponsável, os meios de comunicação transformaram em normal o paranormal. E tome-se misticismo, “abduções” por ETs e regressões a “vidas passadas”, etc. (o elenco é interminável). Há pouco tempo, revistas e jornais que se pretendem sérios escancararam suas páginas para um assunto como o “Chupa-cabras”. O mesmo fizeram alguns telejornais e os impagáveis programas dominicais.

Onde o rigor na apuração, a objetividade, o compromisso com a verdade? Meros ornamentos de manual. Qualquer charlatão tem espaço na TV e na imprensa. É logo tratado como “especialista” (de que universidade?; de que centro de pesquisa?). Dele não se exige que apresente sequer uma evidência daquilo que afirma: suas alegações, por mais absurdas, são carimbadas como fatos. Entre a crítica e a credulidade, os meios de comunicação têm optado por esta última, apesar de apregoarem compromisso também com a educação e a cultura. Onde a responsabilidade moral?

O Código de Ética dos jornalistas brasileiros não deixa dúvidas quanto aos deveres. Divulgar informação “precisa e correta”, diz o art. 2, é “dever dos meios de comunicação”. E essa informação, completa o art. 3, “se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo”. Ora, ninguém pode supor que seja do interesse público ser ludibriado.

O jornalista, portanto, tem seu código e suas responsabilidades, mas o mesmo não acontece com o empresário das comunicações – eis o problema. Se a política da empresa, em nome do lucro, favorece a difusão das pseudociências, a exploração da superstição e da credulidade, que pode fazer o jornalista?

Mudar de emprego ou de profissão?

(*) Professor de Filosofia e Ética do Curso de Jornalismo da UFSC

 

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