Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo de verão passa recibo na “indústria da fama”

” (pág. 108).

Se Veja está no ramo da produção de celebridades instantâneas e imerecidas deve satisfações aos seus leitores e anunciantes. Mas é preciso explicar em que páginas funciona o negócio – apenas na seção “Gente”? Ou vai adiante nas páginas de cultura? Onde, exatamente, passa o Tordesilhas de cada edição, dividindo a indústria da fama da função pública de prestar informações isentas?

O maior semanário brasileiro entrou no pseudo-milênio com pé esquerdo. Não tem importância, no verão ninguém nota.

 

Convém acessar as edições deste Observatório de 20 de janeiro, 5 e 20 de fevereiro de 1999 [clique na estação Edições Anteriores, na homepage desta edição, e escolha a data]. Com a perspectiva do tempo pode-se examinar (não sem certo desconforto) uma das maiores exibições de desnorteamento da mídia brasileira: banalidades, preguiça de investigar, irresponsabilidade, tráfico de influências, submissão aos gurus internacionais, manipulação ideológica – houve de tudo naquele verão. Pequena (e a mais inofensiva) amostra do clima está na reprodução ao lado.

Passado um ano, situação menos aflitiva, a mídia repete a façanha. Ainda não conseguiu oferecer aos leitores uma avaliação precisa das vantagens e desvantagens dos sistemas cambiais – moeda fixa ou flutuante, currency board, dolarização ou moratória. Ouve-se um lado, corre-se para ouvir o outro e deixa-se ao leitor a tarefa de destrinçar o emaranhado técnico – como se o leitor fosse editor e este apenas um fechador de páginas.

Se economistas fazem opções políticas estão no seu direito: cabe ao jornalista buscar quem seja capaz de rebatê-las. Mas quando jornalistas assumem-se como protagonistas da gestão econômica e querem impor suas opções pessoais, fica claro que com o câmbio fixo ou flutuante o sistema informativo está adernado. Ou já naufragou.

Não tem importância, no verão ninguém nota.

 

A safra de tragédias desta temporada de chuvas trouxe inevitavelmente a velha e clássica discussão em torno aritmética macabra: o que chama mais atenção do leitor – o morto singular da vizinhança ou a matança plural à distância?

A tragédia rodoviária em Santa Catarina, onde morreram 40 argentinos, ocorreu na quarta-feira (12/1) e foi noticiada no dia seguinte. Mas na tarde desta mesma quarta-feira uma tromba d’água de menos de uma hora na cidade de São Paulo provocou a morte de 10 pessoas por afogamento.

Para a Folha de S.Paulo prevalece a quantidade de mortos: os 40 argentinos mortos ficaram no alto e os oito patrícios (plebeus na sua maioria) do primeiro cômputo ficaram na parte de baixo da primeira página.

O Estado de S.Paulo saiu-se de forma pior no balanço da primeira página: à tragédia catarinense, todo o destaque; à paulista, uma foto pitoresca na primeira página (com aquela indefectível legenda “Avenida vira rio”). A matéria foi enfiada nos cafundós do longínquo caderno Cidades (mencionando apenas três vítimas fatais), enquanto a colisão com os ônibus argentinos merecia a capa do dito caderno.

Tem mais: no dia seguinte, sexta (16/1), a Folha brindou os seus leitores com outra opção dentro do mesmo critério: o balanço oficial de mortos da enchente chegara a 10 – o maior número de mortos num só dia desde 1996 na Grande São Paulo. Mas a manchete espalhafatosa em seis colunas foi dedicada a um acidente em Brasília onde uma pessoa morreu e 140 ficaram intoxicadas.

O Estadão livrou a cara: valorizou o desastre local e remeteu o caso brasiliense para as páginas internas.

Fingindo-se de nacionais, nossos jornalões estão minimizando a cobertura local. No caso, o prefeito Celso Pitta agradece, aliviado.

Não tem importância, no verão ninguém nota

 

A primeira edição do ano de Época marcou época: foi feita na madrugada do reveillon. Os jornalistas voltaram à redação e a revista que chegou às bancas no dia seguinte não enganava o leitor. Era quente, semanário com as notícias da semana – um feito. Se a “mania” pegar talvez tenhamos neste milagroso ano 2000 os jornais de domingo sendo fechados efetivamente na véspera e os de segunda, feitos inteiramente no domingo. Se não, é melhor fazer como um dos melhores jornais do mundo, o Financial Times, que não sai aos domingos, ou como o Times de Londres, que no domingo edita o Sunday Times, um grande semanário em formato de jornalão.

 

Dramático e inesquecível o minuto final da partida Corinthians e Vasco (sexta, 14/1). Além do futebol, a tensa dramaturgia midiática: o enfrentamento dos dois mitos fabricados pela imprensa. De um lado, Dida, o gigante manso e inexpugnável e, no outro canto do ringue, Edmundo, Animal sem alma.

Depois de perder o pênalti, abatido no gramado, rosto coberto por uma camisa preta, o atacante ferido e enlutado deve ter pensando em muitas coisas.

Ou não.

 

  • Continua a febre infantil das falsas “exclusividades”: o Estadão publicou na sexta-feira, 14/1 uma entrevista exclusiva com o Ministro da Defesa, Élcio Álvares. No mesmo dia em que o Jornal do Brasil publicava a sua.
  • A “celebridade” carioca Narcisa Tamborindeguy foi pilhada em flagrante alterando a lista de presença na aula de fotografia do curso de Comunicação Social da faculdade (privada) que freqüenta. E ainda constrangeu a professora de filosofia a aumentar suas notas. Deveria ser expulsa mas não foi: se a UniverCidade for rigorosa perde metade dos alunos. A UniverCidade (cujo proprietário protagonizou o escândalo da Delfin) publica anúncios institucionais de página inteira ao domingos nos jornais cariocas. Com a palavra o bloco anti-provão.
  • Outra da indústria do diploma: as escolas privadas estão atraindo os alunos com promoções – pagamentos parcelados, cartão de crédito sem juros etc. etc. Breve oferecerão “pague um, leve dois” (diplomas). Provão nelas.
  • Os anúncios do governo federal promovendo o “Avança Brasil” são, no mínimo, lamentáveis. Se o programa ainda não deslanchou, por que badalar que a vida está melhorando?