Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo e responsabilidade social

DIPLOMA EM XEQUE

Iluska Coutinho (*)

Na introdução de The Power of news, o autor Michael Schudson nos convida a um exercício: imaginar um mundo em que os atores sociais enviassem informações diretamente para os cidadãos, em computadores pessoais; o jornalismo seria momentaneamente abolido e cada um de nós seria o seu próprio jornalista. Na análise do professor de comunicação a tendência seria a recriação do jornalismo, na medida em que a sociedade teria necessidade de uma "imprensa profissional".

O texto era revisitado na última semana quando li em meu e-mail: "Liminar de juíza federal substituta, em São Paulo, acaba com a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista". A informação chegou em uma mensagem do grupo de discussão eletrônico TV Faesa, que reúne estudantes, professores de Jornalismo e Rádio/TV, além de profissionais da área. Seria mais um desses boatos que se propagam pela rede? Uma consulta rápida aos plantões on-line dos principais jornais do país, entretanto, confirmou a notícia.

A decisão, ainda segundo as informações "pescadas" na rede, estaria baseada na proibição à liberdade de expressão, em todos os níveis. Tento organizar as idéias, mas o argumento ainda me parece truncado, confuso. Afinal, desde sempre, os jornalistas têm sido um dos principais defensores do debate de idéias, da exposição de argumentos e de várias formas culturais, livres… Fazer jornalismo, porém, é outra história.

Como lembra o título de livro de Cremilda Medina, à profissão de jornalista corresponde, ou pelo menos deveria, a responsabilidade social. Jornalismo não é sinônimo de uma pessoal e livre expressão de idéias, manifestações, embora a liberdade de veiculação seja requisito fundamental para seu bom desempenho. O que as rotativas (será que o nome ainda é esse?) e as ondas de rádio e TV multiplicam não são expressões de alguns "diplomados privilegiados" difundidas em larga escala, mas o resultado de um trabalho intenso e profissional de apuração de informações, levantamento de dados, redação e edição de notícias. É uma carpintaria, um conhecimento técnico que se aprende, hoje, nas instituições de ensino superior, nas faculdades de Comunicação/Jornalismo.

"Ninguém aprende samba no colégio", como há muito tempo já cantou Noel Rosa, mas é importante diferenciar os produtos do jornalismo de obras de arte. Isso não significa que nenhum dos trabalhos produzidos por jornalistas mereça essa "aura", como definiam os estudiosos de Frankfurt. Mas o fato é que, no ritmo cada vez mais intenso em que as informações são processadas e transformadas em notícia, os jornalistas lançam mão, necessariamente, de uma série de técnicas, de rotinas e conhecimentos profissionais na busca eterna de atender o interesse ou "conhecimento público", para voltar a Schudson, que considera as notícias uma forma de cultura, produzida pela instituição especializada do jornalismo.

No Brasil, principalmente a partir da década de 70 essa especialização, esse saber profissional é difundido nos cursos superiores. O ritmo intenso e cada vez mais acelerado de produção de notícias transforma a chance de formação nas redações em passado, memória de grandes jornalistas, exemplos para profissionais e acadêmicos. E aqui me permito fugir um pouco da racionalidade para lembrar de meu pai, jornalista e referência profissional e de vida. Ao longo de anos e anos de admiração aprendi que o ofício de jornalista não é hereditário, embora a paixão pelo jornalismo, essa sim, seja transmitida de pai para filha, ou melhor, para filhas.

(*) Jornalista, mestre em Comunicação (UnB) e doutoranda (Umesp); professora da Faesa/ES e pesquisadora associada na Columbia University com bolsa Capes.

    
    
                     

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