Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo econômico, o aprendizado da estabilidade

Assim como a sociedade brasileira ainda está em processo de aprendizado – como viver, trabalhar e fazer contas num mundo sem superinflação – também o jornalismo econômico. Mas o aprendizado é especialmente contraditório para os jornalistas, essa gente que vive de notícia.

Acontece que quanto mais instável é o ambiente econômico, maior a é a fonte de notícias – quentes e do dia -, aspiração máxima de um jornalista ainda não acomodado. E com o êxito do Plano Real – ainda que parcial no conteúdo e no tempo – o Brasil está justamente passando da instabilidade aguda para a estabilidade. E esta produz menos notícias do dia – menos lides e menos manchetes – e mais informações que exigem análise, percepção de tendência, mediações de um raciocínio a outro. Enfim, informações mais para textos longos e que não dão títulos fortes.

Claro que ainda há emoções, como aquela semana de março de 1995, quando o Banco Central mudou a política cambial. Mas essa não é mais a regra, situação aliás confirmada pelo que aconteceu com a própria política cambial desde então: é a mesma há exatos dois anos, uma eternidade para os padrões anteriores do jornalismo econômico.

Nesses dois anos, e nos dias de hoje, sobretudo, a política cambial continua sendo notícia. Mas a notícia aqui é um debate sobre o grau de valorização do real e sobre alternativas ao atual sistema. Está mais para artigo e coluna do que para hard news.

Mas antes de avançarmos aqui, convém uma breve análise de como se comportou o jornalismo econômico na era dos planos e pacotes. Portanto, estamos limitando nosso comentário ao período de 1985, início do regime civil, até aqui.

Foram sete planos antiinflacionários de grande alcance, desses que mudam a moeda ou mudam no essencial as relações de ordem econômica, impondo, por exemplo, congelamentos ou novas fórmulas de correção de salários e preços.

Os planos foram: Cruzado e Cruzado 1 (1986), Bresser (1987), Verão (1988), Collor 1 (1991), Collor 2 (1992) e Real (1994). Entre um e outro, sempre ocorriam pacotes ou pacotinhos de arrumação.

Como a imprensa se saiu nessas coberturas? Bem e mal. E não é subir no murro. O leitor verá como houve grandes acertos e grandes erros.

O primeiro foi um choque em todos os sentidos. Na nação e nos jornalistas. As teorias de reforma monetária – troca de moeda para combater uma hiperinflação ou uma inflação alta, crônica e sempre ascendente – eram novidade mesmo nos meios acadêmicos internacionais. Nas páginas da imprensa, então…

Havia discussão sobre isso nos jornais brasileiros, basicamente por artigos de economistas. Uma exceção importante foi o jornalista Celso Pinto, então na Gazeta Mercantil, pioneiro na publicação de matérias sobre o assunto e sobre a possibilidade de um tal plano ser aplicado entre nós.

Quando chegou perto do lançamento do Cruzado, todos os bons jornalistas econômicos sacaram que havia alguma coisa no ar. Sempre vaza alguma coisa aqui e ali e os jornalistas que conhecem Brasília conseguem detectar as movimentações suspeitas das autoridades econômicas.

Mas como a massa crítica dos jornalistas ainda não estava familiarizada com esses planos, foi difícil para o pessoal interpretar e decodificar os sinais. Deu para perceber que vinha alguma coisa grande, mas o quê?

Daí o grande choque do primeiro dia. Era grande, muito grande. E num determinado dia os jornalistas eram chamados a noticiar todas as mudanças e ainda a cumprir uma missão didática: explicar ao leitor como ficaria seu salário, seu dinheiro na poupança, quanto valia a moeda que ele tinha no bolso, qual o novo preço das coisas, o preço do dólar, a valorização ou desvalorização dos imóveis.

E tudo novidade. Por exemplo, editar e explicar as tabelas de conversão dos salários de cruzeiros para cruzados, assunto então complexo mesmo para economistas bem aparelhados.

E desde aí ficaram claramente definidas as duas funções que o jornalismo econômico assumiu diante desses eventos: noticiar (e antecipar, dar furos, do segundo plano em diante) e informar pessoas e empresas sobre os caminhos do dinheiro. Em geral, a notícia (incluindo bastidores, disputas dentro das equipes econômicas e dentro do governo, erros e acertos) foi para o primeiro caderno, noticiário de Brasil ou Política. A outra parte, a prestação de serviço, foi para os cadernos de negócios, finanças e/ou dinheiro vivo, seu bolso, suas contas.

Recordem-se: essas seções tipo “seu bolso” começaram com meias páginas em alguns dias da semana, até se tornarem grossos cadernos diários. Com razão e com leitura: na época da inflação alta, e das variações agudas no ambiente, todo dia era preciso dizer ao leitor quanto daria a poupança, o dólar, os fundos etc. etc.

Eu diria que nessa parte de prestação de serviço, o pessoal foi bastante bem. Formaram-se as editorias, formou-se gente especializada – como o extraordinário Gabriel Carvalho, da Folha – encontraram-se consultores e fontes de referência, enfim, foi bem. Claro que houve erros, fórmulas mal explicadas, mas nada que tivesse levado alguém à ruína.

Na outra parte, a que ia para as editorias de Brasil e Política, é que aconteceu aquela situação de tantos acertos quanto erros. Depois do primeiro plano, os jornalistas aprenderam – fórmulas, congelamentos, tablitas, vetores – e ganharam capacidade para perguntar melhor e para ir atrás dos sinais emitidos pela economia e pelos chamados agentes econômicos.

E nas vésperas de cada novo plano estabeleceram-se verdadeiras guerras entre os jornais, cujo objetivo era antecipar (furar) o máximo possível o próximo pacote. Competição mais do que compreensível: afinal, em cada caso, tratava-se sempre de mudança relevante e imediata na vida das pessoas e das empresas. Notícia quente, do dia.

Acontece que o melhor preparo dos jornalistas foi também fonte de equívocos. Explico: pela experiência brasileira, os planos econômicos nunca são preparados de uma só vez. Ao contrário, são gerados ao longo de um tempo no qual as equipes analisam, testam, avaliam as diversas medidas – não raro, deixando vazar algumas coisas para sentir a reação da sociedade.

Ora, uma medida dessas, capturada no meio do caminho por um jornalista, como deveria ser tratada? Como uma possibilidade – 20 linhas na página 4 – ou como um furaço, manchete? Nessa decisão houve a maior parte dos erros e das sustos aplicados nos leitores: dava-se como certo algo que poderia ser. E em dias diferentes ou às vezes na mesma edição, anunciavam-se como futuras medidas coisas absolutamente contraditórias.

Um exemplo: nos dias que antecediam o lançamento do Plano Real – que já atrapalhou o pessoal, porque não houve surpresa, mas tudo previamente avisado e só saindo o que se avisara – um diário do grupo dos mais importantes publicou que os preços seriam convertidos em URV (lembram-se dela?) e seriam em seguida congelados.

Coisa grave, porque a equipe vivia dizendo que não haveria congelamentos e, aliás, toda a lógica do plano, sem tablitas e sem conversões, indicava que não haveria congelamentos.

Portanto, se fosse firme a informação de que os preços em URV estariam congelados, essa era a manchete do jornal. URV congela preços. E se não fosse firme a informação, aí não era nada, era uma barriga do repórter, matéria no lixo.

Mas como saiu? Saiu uma pequena matéria, de umas 25 linhas, discreta, porém na primeira, dizendo que os preços convertidos em URV não poderiam subir. Forma elíptica de anunciar congelamento.

Por quê? O editor pensou assim: não pode ser manchete porque ser uma barrigaça; mas se for isso mesmo, então não podemos tomar o furo; solução, vamos registrar numa matéria discreta.

Errado, claro, falta de confiança.

Aconteceu de monte. Ora ia ter congelamento, ora os preços estariam livres. Ora tinha tablita, ora não tinha. E o leitor que se virasse.

Para resumir: o pessoal acertava no jeitão do plano ou pacote, na direção, mas errava abundantemente nos diversos aspectos da matéria. (Estou deixando de lado a questão das influências ideológicas nas matérias, especialmente nas análises, porque é outra questão.)

De todo modo, foram grandes momentos. O jornalista de economia não podia se queixar: todo dia tinha notícia de primeira página.

Começa a mudar com o Real. Considerem os cadernos de prestação de serviço: na época da inflação, aplicar na poupança hoje ou amanhã fazia uma baita diferença. No ambiente sem inflação: a taxa da poupança de 15 de maio a 2 de junho variou de 1,1557% para 1,2612% – o que numa aplicação de R$ 2 mil, dá uma diferença na rentabilidade de dois reais. Um lucro ou uma perda de 2 reais, num mês. Não paga nem o estacionamento na Zona Azul para fazer o depósito.

E entretanto, os cadernos “seu bolso” não mudaram quase nada. Continuam com as tabelas de antigamente. Dão todos os dias uma Ufir que muda em seis meses. Gastam espaço com dezenas de índice de inflação, cuja dispersão é cada vez menor e sem importância, pois quase não há mais indexações.

É claro que essas páginas têm de mudar.

No noticiário geral, o problema é a busca de impacto e de mudança súbita ali onde não há. O que dá um tom sensacionalista a notícias sobre o comércio externo e sobre as contas externas – assuntos nos quais hoje mais importam as tendências de médio prazo.

Exemplo: uma alteração nas regras de importação, como a mudança recente nos financiamentos, deve ter impacto nas contas em dois, três meses. O déficit comercial de junho não é uma notícia que determine mudanças imediatas de política cambial. É uma notícia menos quente, portanto.

Mas como muita gente continua achando que uma emoção, uma notícia quentíssima, como uma maxidesvalorização do real, está na próxima esquina, a informação sobre o déficit deste mês acaba indo para manchetes.

Daí a impressão de falsa adrenalina de boa parte do noticiário econômico. Daí a sensação de que estamos ora à beira da catástrofe, ora numa esplêndida estabilidade. A volatilidade certamente interessa a operadores do mercado, mas não ao resto do país. Nem conta o que de fato está acontecendo.

Mas, como dizia no início, é o aprendizado.

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