Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo na era da melancolia

RUSSEL BAKER / RESENHAS

Marinilda Carvalho

O jornalista americano Russell Baker tem 77 anos, mais de 50 de profissão, 16 livros e dois prêmios Pulitzer. O primeiro em 1979, por Observer, sua coluna dominical no New York Times, que durou 36 anos ? a mais longa da história do diário ? e era reproduzida em 4.600 jornais dos Estados Unidos; o segundo em 1983, pelo livro de memórias Growing Up. A continuação, The Good Times (1989), inspira vocações para o jornalismo país afora: é leitura obrigatória da disciplina de Inglês nas escolas secundárias americanas. Alguns críticos dizem que ele tende a romantizar situações, mas sua descrição do trabalho cotidiano de um repórter em The Good Times é clássica.

Além de modelos de texto para as redações, os perfis que escreveu de personalidades mais e menos famosas são ensaios que retratam a vida política e cultural dos Estados Unidos ao longo de quatro décadas.

Nascido no interior da Virgínia, órfão de pai aos 5 anos, mudou-se com a mãe e os irmãos para Baltimore nos anos da Depressão. Entregou jornais, vendeu assinaturas do Saturday Evening Post, passou a repórter de polícia e depois redator do Baltimore Sun. Graduou-se em Literatura Inglesa na Johns Hopkins University e ingressou em 1954 na sucursal de Washington do New York Times. Acompanhou eventos no mundo todo, foi correspondente em Londres e, novamente em Washington, cobriu a Casa Branca, o Congresso e o Departamento de Estado. Hoje, de volta à Virgínia de suas raízes, escreve para The New York Review of Books e apresenta o prestigiado programa Masterpiece Theatre na PBS, rede pública de TV.

Com tal currículo, Baker conquistou sua credencial de observador da mídia ? e dos colegas. Sempre irônico e bem-humorado, disse uma vez que o jornalista "é uma pessoa sem nada na cabeça e com poder para expressá-lo". Seus comentários são aguardados com um certo temor. Baker aprova pouca coisa da imprensa atual, vê com ceticismo o chamado jornalismo investigativo, rejeita o uso contemporâneo da palavra "mídia" e critica abertamente profissionais que "confortam os confortáveis". Tudo isso está presente na edição de 18/7 da New York Review of Books. Resenha assinada por Baker, intitulada "O que ainda é notícia?", analisa cinco livros:

** The Editor: How I Saved the New York Times, the Washington Post, and the Los Angeles Times from Dullness and Complacency (O editor: como salvei o NYT, o WP e o LAT do tédio e da auto-indulgência), de Jim Bellows (Andrews McMeel, 349 pp., US$ 28,95), livro que levou Baker de volta aos bons tempos do jornalismo;

** Into the Buzzsaw: Leading Journalists Expose the Myth of a Free Press (No ninho das cobras: jornalistas de ponta falam sobre o mito da imprensa livre), editado por Kristina Borjesson, prefácio de Gore Vidal (Prometheus, 392 pp., US$ 26). A obra é alvo fácil para as ironias de Baker, que não respeita muito o jornalismo investigativo;

** The News About the News: American Journalism in Peril (A notícia sobre a notícia: o jornalismo americano em perigo), de Leonard Downie Jr. and Robert G. Kaiser (Knopf, 292 pp., US $25). Dos cinco, é o que mereceu atenção maior do velho mestre, claramente preocupado com os rumos do jornalismo;

** Media Unlimited: How the Torrent of Images and Sounds Overwhelms Our Lives (Mídia ilimitada: como a torrente de imagens e sons inunda nossas vidas), por Todd Gitlin (Metropolitan, 260 pp., US$ 25). O autor não se saiu muito bem, na opinião de Baker, que rejeita por princípio a inclusão do jornal, um veículo nobre, no que Gitlin entende por "mídia";

** Bias: A CBS Insider Exposes How the Media Distort the News (Desvio: um íntimo da CBS mostra como a mídia distorce a notícia), de Bernard Goldberg (Regnery, 232 pp., US $ 27.95), já resenhado neste OI.

Queda para a travessura

Para Baker, nenhum outro negócio, à exceção da política, é examinado mais exaustivamente do que o jornalismo. Conversas sobre jornalismo, diz, compõem o ruído de fundo da vida americana. Ele conta que decidiu comentar estes cinco livros sobre o assunto por serem os mais recentes, mas poderia ter separado outros cinco, "e mais 10 ou 15 estão provavelmente no prelo nesse instante". Quatro dos autores são jornalistas de carreira ? três editores e repórteres de jornal e um repórter de TV. O quinto é acadêmico e articulista.

Essa introdução formal é seguida por um comentário que, não tendo sido escrito por Bernard Cassen ? editor do Monde Diplomatique que há muito condena os "jornalistas de mercado" ?, mas por um dos mais queridos jornalistas do povo americano, dói na cabeça como um cascudo. Vale a íntegra:


"A tristeza predomina [na resenha], e por uma boa razão. Esta é a era do jornalismo da melancolia. O pessoal de jornal, antes reconhecido pelo humor traquinas e as brincadeiras irrequietas, ultimamente perdeu a alegria, e não é para menos. Descobriu que seu dever principal não é mais manter a república bem-informada ? ou confortar os aflitos e afligir os confortáveis, como pregava a antiga fé ?, mas servir ao mercado de ações um bom relatório de lucros a cada três meses ou, em inglês claro, confortar os confortáveis."


Os repórteres boêmios de ontem, afirma Baker, cederam lugar a jovens solenes, sóbrios frente a seu copinho de vinho branco aguado, após um dia de trabalho nos computadores, em redações sem cigarro e sem barulho. O livro de Jim Bellows, diz, é o único que escapa da tristeza. "São reminiscências dos bons tempos, quando repórteres tratavam celebridades e políticos com o desdém que merecem."

Bellows era um editor soberbo, com uma queda para a travessura, lembra Baker. Na Herald Tribune liberou os chamados "novos jornalistas", como Jimmy Breslin e Tom Wolfe, para reportagens não-ortodoxas, altamente personalizadas, que enquanto chocavam os tradicionalistas atraíam anunciantes e leitores. O ataque satírico de Wolfe a The New Yorker e seu reverenciado editor, William Shawn, era exemplo da repercussão que ele queria ver criada pelo jornalismo. Como editor do The Washington Star, incentivou seu colunista social, pelo puro prazer da competição, a comentar regularmente a vida amorosa do editor-executivo do Washington Post.

Dono do jornal, a diferença

Baker acha tocante o amor de Bellows pela profissão, nesses dias em que tantos jornais são máquinas de dinheiro. Nas palavras de Bellows, trabalho de jornal deve ser divertido, um alento para a alma. "O livro lembra uma época audaciosa, quando ninguém chamava repórter de ?jornalista?, e ?Media? era apenas o nome de uma cidade na Pensilvânia. Que prazer encontrar Mr. Bellows."

Para Baker, aqui termina a fase agradável da resenha. "Livros de repórteres investigativos não trafegam nesses prazeres", diz. Repórteres investigativos são mais detetives particulares do que repórteres, afirma ele. Sua natureza é misteriosa, sem alegria e anti-social. A suspeita é seu instinto. Lidam com meandros incompreensíveis de pistas que podem ou não ter desdobramentos. Seu equivalente na ficção é o detetive particular Philip Marlowe, de Raymond Chandler, um solitário em busca da justiça, que leva surras terríveis por 25 dólares a diária, mais despesas, "porque quando a corrupção campeia alguém precisa fazer alguma coisa". Baker vê a personificação humana de Marlowe em Seymour Hersh, o homem que tirou o jornalismo investigativo do cinema e o transformou em trabalho sério, ao divulgar a história do massacre de My Lai.

Into the Buzzsaw é uma coletânea de 18 trabalhos de jornalistas investigativos que, segundo Baker, provavelmente se zangariam ao comentário de que são ingênuos o bastante para acreditar em heróis ? seja Marlowe ou Hersh. "Eles estão apenas tentando fazer seu trabalho, madame", brinca. Baker acha todas as matérias interessantes, e uma ou duas, fascinantes. E lança farpas sobre uma delas. Você sabia, por exemplo, que quando um editor quer matar um livro que se comprometeu a publicar ele o faz desaparecer? Quer dizer, escreve o autor, Gerard Colby, ele o publica de tal forma que o livro afunda sem deixar traço. E por que um editor faria isso? Bem, há poderes terríveis lá fora ? governamental, institucional, corporativo, até familiares ? poderes que têm meios de fazer um editor encenar um ato de mágica pelo qual os livros são impressos e nunca mais vistos. Suas encomendas nunca são atendidas. Alguns têm material alarmista, com subtítulos como "Contrabando de drogas pela CIA ? O caso da Guarda Nacional Venezuelana", mas os repórteres investigativos quase invariavelmente têm dificuldade para escrever com a precisão requerida para que suas matérias sejam totalmente convincentes, maltrata Baker.

Para ele, o mais inquietante dos cinco livros é The News About the News, de Leonard Downie Jr. e Robert Kaiser, do Washington Post. Como quase tudo hoje em dia, trata de dinheiro e ganância. Baker afirma que a história do jornalismo é clara sobre o que faz a diferença entre jornais grandes e medíocres: a qualidade de seu proprietário. Repórteres e editores podem discordar, mas não importa o quão esplêndida seja a redação, um publisher tímido demais, indiferente demais ou vulgar demais vai produzir um jornal tímido, indiferente e, no máximo, de segunda categoria.

Mais negócio, menos serviço público

The Washington Post produziu grande jornalismo no caso Watergate porque em Katharine Graham teve uma publisher extraordinariamente corajosa, elogia Baker. Ela se arriscou a perder seu jornal e até sua empresa inteira ao confiar num editor e em dois jovens repórteres cuja fonte nem podia ser identificada publicamente. "Foi uma espantosa demonstração de fé em sua equipe", escreve o jornalista, para quem nada aconteceu de tão emocionante no jornalismo nos 30 anos que se passaram desde então. Na mesma época, Arthur Ochs Sulzberger, publisher de The New York Times, arriscou-se a um processo federal ao ordenar a seus editores que continuassem publicando os "Papéis do Pentágono", desobedecendo ao governo e contrariando os conselhos da banca de advogados de Nova York que assessorava o Times ? que cortou relações com o jornal. "Isso foi há mais de 30 anos", destaca Baker.

A mensagem de The News About the News poderia ser cruamente resumida como "não se fazem mais publishers de verdade, só contadores de feijão." Mas seria uma injustiça com outros que ainda estão na ativa, ressalva ele, inclusive Arthur Ochs Sulzberger Jr., que sucedeu o pai no Times. Depois da catástrofe de 11 de setembro, o jovem Sulzberger dedicou ao assunto um caderno diário inteiro sem anúncio por mais de três meses. O que isso custou em faturamento ao Times não é divulgado. "Certamente um bom trocado. Isso é o que publishers de verdade fazem."

Leonard Downie Jr. e Robert Kaiser escreveram um livro pessimista sobre os rumos do jornalismo americano, que para eles vem sendo degradado pela pressão de cima para que se espremam lucros irrealisticamente altos da atividade noticiosa. Afirmam que a cobertura de notícias está diminuindo por exigência dos fanáticos do lucro, e isso é má notícia para o bem público. "Quem discordaria?", pergunta Baker.

Downie e Kaiser não são alarmistas de campus, mas homens sérios, avaliza. Ambos foram repórteres, correspondentes estrangeiros e editores por cerca de 40 anos. Downie é editor-executivo do Washington Post desde 1991, tendo sucedido Ben Bradlee, um dos mais celebrados heróis do jornalismo moderno. Kaiser é editor e correspondente sênior do Post. O livro, para Baker, é completo. Os autores entrevistaram até os âncoras de rede, "celebridades celestes da sociedade midiática bem pagos como estrelas do basebol". Tom Brokaw, Peter Jennings e Dan Rather concordaram em que as chamadas "hard news" não têm mais o destaque de antes. Russell Baker destaca a preocupação de Rather. Ele contou à dupla de autores que, em 2000, "dar lucro" virou a "força motriz" da CBS. Quando o lucro fica mais importante do que o produto, diz Rather, "é inevitável que muito está sendo perdido pela empresa, e muito de você mesmo". Rather continua: "Quando começamos a nos ver mais como negócio e menos como serviço público, o declínio da qualidade é acelerado."

O que vale é o dinheiro?

Downie e Kaiser descrevem um dia de trabalho na redação de uma TV local de Washington que Baker considera cômica. Um produtor liga desesperado para uma pequena equipe de rua, para que encontre e filme uma mortandade de peixes num rio. De repente ? parem as máquinas! ? um ônibus escolar bate num caminhão: motorista morto, 3 crianças feridas. "If it bleeds it leads" (sangue dá mais audiência) é a primeira regra das TVs locais. O diretor de jornalismo de uma delas falou candidamente dos "altos lucros" com anunciantes em seus programas. O futuro dele, escrevem os autores, depende de sua habilidade em preservar ou aumentar esses lucros. Diretores de jornalismo não são demitidos por levar ao ar reportagens de má qualidade, mas por conseguir índices mais baixos que os do concorrente ? e na TV eles são demitidos regularmente: em 2001, sua média de permanência no emprego foi inferior a dois anos.

Esse diretor afirma que nenhum outro negócio fatura tanto dinheiro legalmente quanto uma TV local. A qualidade do jornalismo nem é levada em conta. Ao entrar no assunto, o tom do livro se torna sóbrio, conta Baker, até um pouquinho maçante, talvez porque Downie e Kaiser saibam que na era do livre mercado é bom ter cuidado com heresias anticapitalistas. Como dizer que as regras do livre mercado podem não ser boas sempre, especialmente se aplicadas ao jornalismo? Eles citam, como exemplo de decadência do jornalismo provocada por uma administração obcecada pelo mercado, o caso do San Jose Mercury News, do Vale do Silício, na Califórnia, do grupo Knight Ridder, jornal importante até que seu orçamento foi encolhido para se adequar à bolsa. Os autores contam que a meta era manter margem de lucro em torno de 20%. O publisher Jay T. Harris, que vinha dirigindo o Mercury com grande sucesso, disse que a exigência prejudicaria o jornal terrivelmente, e se demitiu.

O jornal então teve a equipe reduzida em 10% e o espaço dedicado às notícias sofreu corte também de 10%. O orçamento das operações da redação caiu 25% em relação ao ano anterior. A revista dominical e um caderno semanal foram eliminados, a editoria de livros, reduzida. "A obsessão pelo lucro puxa a qualidade para baixo."

O que a Knight Ridder fez em San Jose, dizem os autores, é precisamente o oposto do que as empresas jornalísticas devem fazer para preservar seu lugar num ambiente midiático abarrotado. "Os jornais precisam melhorar, e não piorar, para manter a lealdade dos leitores e, conseqüentemente, os dólares dos anunciantes." Se falharem nisso, alertam, os jornais continuarão a encolher ? em tamanho, qualidade, importância. Isso seria trágico, comenta Baker, porque nenhuma outra mídia noticiosa cumpre o papel que os jornais desempenham em informar o país.

Baker faz então a pergunta que considera a mais importante nesta nova era da imbatível superpotência americana: há alguma coisa mais importante do que o dinheiro? Após a bancarrota do comunismo soviético, a crença na virtude da maximização dos lucros tomou ares de santidade. Downie e Kaiser ilustram tristemente o que isso significa para o jornalismo, quando Jack Fuller, presidente da Chicago Tribune Company, explica por que a maximização dos lucros é mais importante do que uma boa cobertura jornalística.

Jornal assassinado

Antes da fria explicação, um depoimento do editor Howard Tyner, que sente o jornal "magro". Disse ele a Downie e Kaiser: "Há sempre um preço em ser magro." A Tribune, com uma redação pouco abaixo dos 700 profissionais, não tem a profundidade, digamos, do Washington Post, com 900. (Nas devidas proporções, o que não pensaria ele das minguadas redações brasileiras…) "Tenho hoje um pessoal de ponta maravilhoso, e aqui e ali um bom segundo time. Mas isso diminui muito depressa. Pode-se ver isso no jornal. Cometemos mais erros do que antes. A edição seria melhor se tivéssemos mais gente."

De volta a Fuller: a Tribune Company registrou margem de lucro de 29% em 1999, e os autores perguntaram ao presidente da empresa se não seria uma boa hora para contratar e dar mais qualidade e profundidade ao jornal. "Não", disse ele. Os lucros foram irrelevantes em 2001, porque a empresa comprou a Times Mirror Company, dona do Los Angeles Times e do Baltimore Sun, entre outros jornais, por US$ 8 bilhões. "Isso deixou os investidores ceticamente atentos a nossa capacidade de atuar financeiramente", explicou. "Se a empresa se sair mal, as ações vão cair, e todos ficaremos sob forte pressão." E Tyner seria pressionado a cortar mais na redação.

"Assim, a Tribune, que faz esporadicamente um trabalho brilhante e permanece um dos melhores jornais do país, provavelmente não contará com novos recursos tão cedo", prevêem os autores. "O que significa que é improvável que venha a se tornar mais importante para a população de Chicago, ou a atrair novos leitores regulares." A circulação diária, que caiu de 793 mil em 1978 para 612 mil em 2001, pode continuar nessa queda.

Os velhos senhores da imprensa podem ter sido plutocráticos, excêntricos e tirânicos, mas eram estadistas comparados aos gerentes atuais, movidos pelo chicote do mercado, lamenta Baker. Preocupavam-se com seus jornais e com a opinião do público a respeito deles. Era uma gente que adorava jornal, e saboreava o poder sobre a vida pública que essa posse lhes conferia. Hearst e Pulitzer, os Sulzbergers e Grahams podiam esquecer o balanço geral quando havia uma grande cobertura a fazer. Sulzbergers e Grahams ainda podem, e o fazem, mas são agora raras exceções. "A nova classe de gerentes ? nela não há mais senhores ? é composta por CEOs preocupados com o balanço geral, ao estilo dos negócios convencionais, sempre de olho numa fusão ou aquisição, a atenção focalizada no mercado de ações. Não é nem necessário que entendam alguma coisa de jornalismo."

Downie e Kaiser citam como "exemplo clássico" a contratação de Mark H. Willes em 1995 pela Los Angeles Times Mirror Company. Ex-aluno da Columbia Business School e da Wharton School, seu emprego anterior fora na General Mills, que produz cereais matinais. O cidadão, logo apelidado pela redação de "cereal killer", é velho conhecido dos leitores do Observatório, que publicou no Monitor da Imprensa sua trajetória de desmandos até ser defenestrado em março de 2000. O primeiro deles foi matar o jornal do grupo em Nova York, o New York Newsday. O mercado adorava Willes, e as ações da Times Mirror subiram imediatamente ? "aplausos para um agressivo cortador de custos" ? mas gradualmente voltaram ao patamar anterior.

O New York Newsday, contam Downie e Kaiser, tinha custado à empresa 10 anos de esforços e US$ 100 milhões em investimentos, resultando numa equipe talentosa cujas matérias freqüentemente batiam jornais mais antigos; seus executivos achavam que o jornal estava prestes a começar a dar retorno, podendo suplantar os agonizantes Post e Daily News e se tornar o único concorrente do Times em seu próprio terreno. Mas investimentos de longo prazo não atraiam Willes. O mercado contabiliza resultados a cada 90 dias. Willes matou o jornal, e os investidores devem ter se perguntado por que demorou tanto.

Ensopado cubista

Russell Baker passa finalmente ao livro seguinte, de Todd Gitlin. O autor não-jornalista do grupo é professor de Sociologia na New York University e escreve artigos sobre política e imprensa. Gitlin acha que a notícia é apenas um elemento no vasto mishmash que é a mídia, que, segundo ele, ainda há de nos destruir. O subtítulo de Media Unlimited resume seu argumento com acurada simplicidade: "Como a torrente de imagens e sons inunda nossas vidas". Segundo a visão de Gitlin do dia-a-dia americano, "estamos à beira da loucura, ou pelo menos à beira da total inutilidade, prima-irmã da loucura".

Fomos trazidos a este abismo, ele diz, por uma agressão incessante na qual uma interminável torrente de sons e imagens ? a mídia, claro ? se transforma num ambiente inescapável. "Trancados nessa torrente amortecedora da mente, nos tornamos escravos dependentes dela." E com prazer, porque Gitlin acredita ser inútil resistir às satisfações que a mídia nos traz. Em resumo, estamos acorrentados a uma força amaciante de cérebros, e gostamos disso.

Baker faz reparos à idéia. "O pessoal de jornal pode se sentir vexado por se ver incluído nessa ?mídia? sombria de Gitlin", diz. Os melhores acreditam que têm a obrigação de fornecer à sociedade a informação necessária para manter alerta a mente pública. Descobrir que estão entre agressores do cérebro pode levá-los a jogar tudo pro alto, a virarem corretores de investimentos para finalmente ganhar algum dinheiro de verdade. E é difícil não concordar. Num país em que a maioria diz receber a maior parte das notícias pela televisão, a diferença entre jornalismo e "mídia" seria a mesma entre um traço e um rabisco. "Este é um mundo no qual Bill Clinton, em campanha pela presidência, toca saxofone no tardio programa de Arsenio Hall em rede nacional."

Gitlin vê a cobertura noticiosa hoje como um "nonstop jamboree", uma celebração sem fim com a mídia produzindo "um ensopado cubista de personagens e cenas." Na era dos canais noticiosos com horas para preencher, temos que agüentar cada vez mais os rounds de notícias 24 horas por dia, sete dias por semana: um mês de Guerra no Golfo, um ano de O.J. Simpson, o mês da morte e da transfiguração da princesa Diana, o ano de Bill Clinton e Monica Lewinsky, a semana da morte de John F. Kennedy Jr., os meses do impasse do menino cubano Elian Gonzalez… sem falar de furacões, terremotos enchentes, guerras, tiroteios em escolas, desastres de avião, seqüestros, resgates, pequenos crimes e escândalos que irrompem nesse ínterim, bons para um ou dois dias.

A força da raiva

"Muito do barulho diário da mídia é o ruído do insignificante", diz Gitlin. Mas o ruído da notícia é apenas uma fração do que ele entende por ?mídia?, comenta Baker, "e o próprio Gitlin às vezes parece confuso por esse entendimento. Sendo um acadêmico, ele certamente se sente compelido a definir "mídia", e quanto mais define mais indefinido ele mesmo se torna. Vamos nos debruçar sobre algumas abstrações graciosamente montadas, que nos fazem refletir e refletir, mas nunca realmente ver, propõe Baker, reproduzindo um dos trechos herméticos do autor: "Na presença da mídia podemos ser atentos ou desatentos, estimulados ou amortecidos, mas é numa relação simbiótica com ela, suas imagens, textos e sons, no tempo que gastamos com ela, a dificuldade em obtê-la, absorvê-la, repeli-la, e discuti-la, que grande parte do mundo aparece para nós. Mídia é oportunidade para experiências ? experiências que em si mesmas são os produtos principais, os negócios principais, os principais "efeitos" da mídia.

Gitlin é quase sempre interessante e provocador, diz Baker, mas procurando definir "media" parece um pugilista tentando golpear uma enguia elétrica. As dificuldades foram exploradas antes nos estudos de Marshall McLuhan, que nos anos 60 deu vida nova a esta antiga palavra da propaganda. Até McLuhan, os publicitários chamavam de "media" os recursos que usavam para incrementar vendas. Galhardetes, posters, transmissões de rádio, revistas, jornais, adesivos, botões de lapela, desempregados "vestindo" uma tábua ? tudo era "media". McLuhan tirou a palavra de sua obscuridade mercantil e deu-lhe glamour. "Fez dela a base de uma nova filosofia, ou talvez de uma nova sociologia, ou de um novo sistema completo de pensamento, ou ? bem, não admitamos ainda nossa ignorância…"

Nos anos 60, os livros de McLuhan, especialmente A galáxia de Gutenberg e Os meios de comunicação como extensões do homem (Understanding Media), tornaram-se leitura obrigatória para todos os que ansiavam estar na moda. Era como carregar bagagem em areia movediça, pois McLuhan era mestre da linguagem hermética. Talvez por isso "media" tornou-se uma palavra tão moderna. Os que lutaram para ler as páginas de Understanding Media viram que McLuhan era quase incompreensível, e que "media" lhes oferecia então um piquenique intelectual. Isso lhes deu liberdade para fazê-la significar o que quisessem.

Com Media Unlimited, Gitlin tenta cumprir a tarefa que derrotou McLuhan, e ao mesmo tempo nos assusta. Vidas inundadas por uma torrente de imagens e sons é uma idéia assustadora, mas o leitor que se prepara para saborear o horror do ataque da mídia ao cérebro pode ficar desapontado: acaba com a sensação de que Gitlin apenas perdeu tempo, explorando suas próprias idéias para testar o quanto elas se sustentam. Algumas das idéias exploradas são fascinantes, algumas são apenas confusas, como o próprio Gitlin observa aqui e ali. Numa de suas fracassadas tentativas de esclarecer as coisas ele acaba por dizer: "Não importa a diversidade de textos, a mídia distribui amplamente a textura, mesmo se é irritantemente difícil de descrever."

À exceção dos âncoras, cuja fama lhes garante imensa vendagem de livros, repórteres de TV não publicam com tanta freqüência quanto repórteres de jornal, diz Baker, passando à análise do último livro da pilha. "A tradição oral da televisão torna a escrita uma atividade antinatural ou com os generosos salários da TV fica fácil viver sem dois empregos?", brinca Baker. "É raro o jornalista de veículo impresso que não pense em escrever um livro ? qualquer dia desses."

O livro é Desvio, de Bernard Goldberg, jornalista aposentado da CBS News, que se animou a escrever depois de uma briga com os patrões. "Às vezes, a raiva tem mais força do que o impulso literário para levar um repórter a batucar o teclado, e este parece ser o caso de Goldberg", diz Baker. Ele está zangado com a CBS por tê-lo tratado friamente quando ele se queixou de que seu programa de notícias tinha um "desvio liberal antiprofissional". Ele se via como um "soprador de apito, espécie muito admirada pelas TVs quando o apito é soprado em bairros da elite governamental. E ficou desgostoso ao perceber que seus patrões não se importavam de ter um soprador de apito em casa.

Pregação a irmãos de fé

O autor sustenta que as redes CBS, ABC e NBC apresentam as notícias sob um viés liberal, conta Baker. A CBS News é criticada pelos conservadores desde que seu chefe, Edward R. Murrow, apresentou um programa de meia hora em 1953 sobre a carreira do senador Joseph R. McCarthy, o mais celebrado caçador de comunistas da época. Uma geração depois, atribui-se ao senador Jesse Helms o anúncio de que estaria reunindo um grupo de bons homens ricos para salvar a América da praga das notícias liberais, comprando a CBS e demitindo Dan Rather. Murrow está morto há tempos, Walter Cronkite se aposentou, Rather é um setuagenário, a CBS News deixou para trás seus dias de glória, e a própria rede foi absorvida pela gigante Viacom, mas a suspeita continua, diz Baker.

Goldberg criou um caso grande o bastante para acabar na Justiça; mesmo que alguém ache que ele está certo, há algo de absurdo nisso tudo, conclui Baker. Qual o problema se uma rede de notícias tem inclinação liberal? Faz realmente diferença que o espantalho pateticamente raquítico que é hoje um telejornal típico seja temperado por um desvio ideológico? "E o desvio opressivo em favor da indústria farmacêutica?", pergunta Baker. "Noite após noite os telejornais intimidam sua audiência com anúncios sugerindo que forcem seu médico a lhes receitar remédios caríssimos."

O desvio toma corpo como um artigo de opinião no Wall Street Journal. Para que caiba no tamanho de um livro, Goldberg é forçado a uma boa hiperventilação: "A Máfia da notícia estava toda em cima de mim, e ninguém apostaria em que eu sobrevivesse", começa o Capítulo Oito. Dan Rather vira "The Dan", como em "Então eu não era apenas um ?ativista político?, no que dizia respeito a The Dan. Eu era um ?ativista político? com uma ?agenda política?." A oposição à proposta fiscal de Malcolm Forbes "foi visceral, vinda da mesma região sombria que produz a inveja e a aparentemente insaciável necessidade liberal de travar a luta de classes".

A perda da serenidade no teclado estraga um argumento político, critica Baker. Mas Goldberg não escreve para pedantes. Ele prega àqueles que já acreditam na existência dessa região escura e dessa necessidade liberal insaciável. "Eles devem ser muitos", comenta. "A cobertura da minha cópia de Bias diz: ?Primeiro na lista de mais vendidos do New York Times.?"

Principais livros de Russell Baker

City on the Potomac (1958), American in Washington (1961), No Cause for Panic (1964), All Things Considered (1965), Our Next President (1968), Poor Russell?s Almanac (1972), The Upside Down Man (1977), So This Is Depravity (1980), Growing Up (1983), The Good Times (1989), There?s a Country in My Cellar (1990). Ele editou The Norton Book of Light Verse (1986) e Russell Baker?s Book of American Humor (1993).


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