Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo na internet

SALA DE AULA

Pedro Celso Campos (*)

1. História rápida

Resultado de experiências militares do Pentágono na década de 1960, só 20 anos depois, na década de 1980, a internet começou a ser explorada pelas universidades dos EUA. Desde então transformou-se num laboratório de criação coletiva, passando a se expandir rapidamente, com previsão de um bilhão de usuários dentre de um ou dois anos à frente. É bom lembrar que no começo a internet não contava com a world wide web (www). Foi só em 1991 que o jovem inglês Tim Berners-Lee, técnico em informação do Laboratório Europeu de Física de Partículas, em Genebra, descobriu que pelo Hyper Text Transfer Protocol (http) seria possível trocar informações de qualquer tipo entre todos os computadores conectados a um servidor de acesso. Por isso digitamos <http://www> para pesquisar na rede mundial de computadores.

Nos primeiros tempos era muito trabalhoso pesquisar na rede, pois dependia-se das listas de assuntos divulgados pelos poucos sites disponíveis. Mas em 1993 surgiu o browser, ou navegador, que deu autonomia de pesquisa ao internauta. Assim, a partir de 1994, com a web operada pelo browser, a internet entrou em novo e acelerado ritmo. O mundo todo acompanhou a briga de gigantes entre o Netscape ? cuja versão paga custava 49 dólares ? e o Explorer ? que a Microsoft de Bill Gates passou a fornecer gratuitamente com o Windows 95. Em 1995 que a internet começou sua escalada no Brasil.

A primeira iniciativa brasileira na direção da internet deu-se em 1987, quando pesquisadores reuniram-se na USP com representantes da Embratel para discutir a implantação da rede com fins acadêmicos. A partir daí várias universidades e institutos de pesquisa ? como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), fundado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, passaram a prestar serviços de internet em convênios com universidades americanas. Em 1989 foi criada a Rede Nacional de Pesquisa (RNP) que, juntamente com a Embratel, seria responsável, oficialmente, pela rede no Brasil. De 1994 a 1996 a RNP integrou todos os estados brasileiros através do Bullettin Board Systems (BBS), que permitiam serviços de e-mail e acesso à web. A partir de 1995, a iniciativa privada entrou no negócio. Nesse mesmo ano foi criado o primeiro chat na Escola Técnica do Ceará e, em 1996, o Grupo Folha lançou o Universo OnLine (UOL), hoje um dos maiores provedores do mundo. No mesmo ano a Rede Brasil Sul-RBS, de Porto Alegre, criou o Zaz, que hoje é o Portal Terra. Em 1997 a internet estava, portanto, consolidada no Brasil, iniciando seu crescimento acelerado, ano a ano. Hoje a chamada "inclusão digital" já é uma política de governo destinada a proporcionar acesso aos estudantes da rede pública de ensino, de modo a contribuir com a redução das injustiças sociais, em todo o país, através da informação.

2. Jornalismo

O New York Times foi o primeiro jornal do mundo a estrear sua versão online, nos anos 80. No Brasil o primeiro foi o JB Online, em 1995. Hoje, bons exemplos de jornalismo na internet são, entre outros, além do Times, o Clarín, de Buenos Aires; o Washington Post; o Le Figaro, de Paris; a Folha de S.Paulo etc. À medida que vão criando equipes independentes para produzirem o noticiário online com linguagem própria, os grandes jornais passam a cobrar pelo acesso à informação como forma de auto-sustentação do negócio, tal como ocorre, no Brasil, com a Folha. Com o tempo, através de subscrição, os portais passam a oferecer serviços personalizados a seus leitores, de acordo com o gosto e a preferência de cada um.

No Brasil, o que tem dificultado a internet é a qualidade da conexão com velocidade de 33.600 bps. Entretanto, com a expansão da banda larga, em cabos de fibra ótica, os provedores passam a operar conexões de 128Kbps, facilitando a vida do usuário. A conexão rápida facilita a utilização do vídeo como veículo de informação, já largamente empregado em washingtonpost. Para Jim Kennedy, diretor de serviços multimídia da Associated Press, "a beleza da internet é que ela nos permite cobrir um fato através do impresso, fotos, gráficos, áudio e vídeo".

A larga utilização do vídeo na internet tem sido uma característica da atual guerra entre EUA e Iraque, com transmissão instantânea de imagens para todo o mundo, o que contribui, certamente, para a mobilização das manifestações contra a guerra. (Este é um fenômeno de enorme importância, na medida que ajuda a alertar o mundo contra a política hegemônica da "guerra preventiva" pregada pelos "falcões" insaciáveis que circundam o Sr. Bush. Guerra preventiva significa ignorar a soberania dos povos, a ONU, a democracia, a liberdade de imprensa…é a volta à barbárie, o adeus à civilização em troca de um "punhado" de dólares). No Brasil a TV Globo tem usado essa nova ferramenta para as transmissões do repórter Marcos Uchoa, direto do Kuwait, comprovando que a internet veio para somar-se à mídia tradicional, não para disputar com ela.

A diferença fundamental entre a mídia tradicional e o jornalismo na internet é que agora o poder de decisão é colocado nas mãos do receptor da informação, através do potencial de interatividade que a nova mídia estimula. O receptor não é mais um agente passivo da comunicação. É ele quem seleciona, filtra, "edita", participa, interage, reescreve, reenvia, sugere pautas, afinal, é ele quem constrói o processo de interpretação do texto. Já não recebe mais uma interpretação feita a priori, como se dá no impresso, mas vai em busca dos links e sites que dizem respeito diretamente à sua área de interesse. Seu percurso de leitura, agora não-linear, vai proporcionar não o conhecimento ou a interpretação "permitido" pela mídia tradicional, mas a informação livre e adequada ao seu perfil social, cultural, econômico, étnico etc. É uma "libertação" da informação, através dos recursos proporcionados pelo Hipertexto.

Ao desenvolver, na década de 1960, um processador que permitia deletar, corrigir, comparar e revisar vários textos digitados de maneira rápida e eficiente, o mestrando de Sociologia da Universidade de Harvard, Ted Nelson, nascido em 1937, estava criando, na verdade, o Hipertexto. Hoje não se concebe uma notícia de internet, um website que não esteja encadeado com outras informações relacionadas através de links, de maneira clara e de fácil acesso. "Em vez de esbarrar numa massa de conteúdo em uma única página, desordenada e desestruturada, o hipertexto trabalha com a intuição do internauta. Um texto curto e talentoso na web, que desperte o interesse do leitor, fará com que ele siga clicando em determinados tópicos ou retrancas, com links para determinados assuntos"(Leonardo Moura. "Como Escrever na Rede". Record: São Paulo:2002).

Pierre Lévy, analisando o status de liberdade e democracia que a internet proporciona à palavra (em obra lançada no recente Fórum Social Mundial de Porto Alegre: "Por uma outra Comunicação-Mídia, mundialização cultural e poder", organizado por Denis de Moraes. Record:São Paulo, 2003) afirma:


"Nem os editores, nem os redatores-chefe de revistas ou jornais, nem os produtores de rádio ou televisão, nem os responsáveis por museus, nem os professores, nem os Estados, nem os grandes grupos de comunicação podem mais controlar as informações e mensagens de todos os tipos que circulam na nova esfera pública (constituída pelo entrelaçamento das auto-mídias e das comunidades virtuais)."


Lévy analisa o potencial que tem cada internauta de gerar sua própria mídia "chamando para a tela, à sua vontade, os diferentes atores sociais, porta-vozes e diversos representantes de partidos ou de grupos de interesse para ouvir suas declarações ou examinar seus argumentos", nesta nova "Ágora Virtual" onde os contrários podem expor seus argumentos, sem constrangimentos, com total liberdade, constituindo um novo tipo de comunidade que não tem a ver com a conformação geográfica da praça ateniense, mas com o modo de ver determinado assunto, independente se os participantes do fórum estejam espalhados ao redor do mundo naquele exato momento em que discutem. É o que ocorre, agora mesmo, na convocação mundial pela Paz que fazem os jovens, em todo o planeta, através das correntes de e-mails, inclusive criticando duramente a mídia tradicional que se omite diante da guerra por estar interessada nas imagens fortes que aumentarão sua audiência, pouco importando o número de mortos e feridos, ou mesmo a veracidade do que divulga…

3. Linguagem

Diante das conhecidas facilidades tecnológicas que a internet proporciona, o que todos perguntam é qual a linguagem adequada à nova mídia. Mais uma vez deve-se partir da clássica análise do público-alvo. Pesquisas revelam que se trata de um público jovem, com bom nível de escolaridade, bom nível de renda, bem informado…portanto um público mais exigente, que não aceita perder tempo com informação furada ou mau escrita.

No que se refere à ergonomia (a relação homem-máquina) este é um público que tem pressa, que abandona o site quando a navegação está lenta. Por isto o site não pode ser "pesado", não deve abusar de recursos que possam retardar a navegação. Assim, a técnica mais usual é atrair o internauta através de titulares hierarquizados por ordem cronológica ? quando se trata de websites noticiosos ? ou por ordem de importância ? quando em sites de pesquisa. As páginas devem ser construídas para a resolução de 640×480 pixels, formato que atende à maioria dos computadores.

Em palestra na Faculdade Cásper Líbero, a jornalista Cláudia Visone, do site Obsidiana, relacionou para os alunos de jornalismo, em 2000, as seis principais qualidades do bom jornalismo na web:


"1) Fazer sentido (através de navegação lógica, simples, rápida, com informações verdadeiras);

2) Agilidade (apurar e escrever muito rápido para as últimas informações entrarem logo no ar. Mesmo que o site não seja de notícia, é melhor colocar conteúdo novo todo dia ou toda semana, conforme o caso);

3) Objetividade e clareza ao extremo (jogos de palavras, piadinhas e brincadeiras nos títulos e textos não funcionam. É preciso dizer logo a notícia);

4) Interatividade (trata-se do único veículo que permite ao usuário requisitar a informação que está procurando, portanto esse recurso deve ser bem explorado) Observação: O telefone é interativo, mas não é massivo; a televisão, o rádio, as mídias impressas são massivas, porém não interativas. O jornalismo na internet é, no entanto, massivo e interativo.

5) Criação de comunidade (a comunicação ocorre do site para o usuário, vice-versa e também entre os usuários. Chats e fóruns são a "editoria do leitor"); É a comunicação "de todos para todos", segundo Lévy, ao invés do formato "um para muitos" apresentado pela mídia tradicional.

6) Impacto visual (o uso de foto, infográfico e animação para contar uma notícia é um grande diferencial de qualidade)".


No que se refere ao último item, é necessário separar em blocos o texto e a imagem, para não tornar muito lenta a navegação, conforme já vimos anteriormente.

A maioria dos pesquisadores sobre linguagem do jornalismo online recomenda o máximo de objetividade e de simplicidade no texto virtual. Por isto deve-se resgatar, na rede, a velha idéia do lide, passando logo a informação que acaba de acontecer e atraindo o usuário para a reportagem completa no interior do site.

Moura apresenta algumas dicas:

** Evitar rimas porque, por ser parecido com o texto de rádio ou TV, o texto na internet conversa com o leitor. Por exemplo: "O disco provocou discussão, principalmente a faixa "Eu no Japão". Fica melhor: "A faixa ?Eu no Japão? foi uma das que mais provocaram discussões sobre o disco".

** Frases curtas e pontuação correta são essenciais na rede. É aconselhável ler o texto em voz baixa após a finalização, para verificar se não há frases confusas ou engraçadas, ou longas demais a ponto de faltar ar na leitura.

** A linguagem coloquial deve prevalecer porque o internauta não tem tempo para formalidades. Naturalmente, se o site ou a notícia dirige-se a um público especificado, deve adequar-se a esse público, tal qual no jornalismo especializado.

** O texto não pode e não deve abrir mão das normas gramaticais: Se ainda se dá pouco crédito à internet devido à pressa do "furo" que leva a notícias não totalmente verídicas, os erros de português só viriam agravar a situação.

** É melhor usar frases na ordem direta que favorece a boa leitura. Como o internauta raramente lê um texto mais de uma vez, é importante facilitar a compreensão. Exemplo: "Os músicos chegaram exaustos ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro", ao invés de "Ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro os músicos chegaram exaustos".

** Precisão: Como em qualquer veículo noticioso, a precisão na internet é essencial. Vários, inúmeros, muitos, poucos…são palavras que não transmitem dados relevantes, ou seja, deixam o leitor sem referência. Exemplo: "Foram várias as vitórias do piloto só em Mônaco". A frase revela falhas de apuração. É melhor checar com a fonte e dar o dado correto. Assim: "Segundo a Assessoria de Imprensa da Ferrari, foram 52 as vitórias do piloto só em Mônaco".

** Contextualização: Parta do princípio de que o leitor não está a par da notícia que está sendo dada. O bom jornalismo, em qualquer veículo, exige o aprofundamento e a explicação do fato. O Rádio e a TV não têm tempo/espaço para isto, mas a internet tem e o nome desse espaço é Hipertexto. Distribua o material apurado em links relacionados no final de cada texto para facilitar a navegação do internauta. Acrescente uma lista de infográficos, outra de fotos, outra de vídeos etc.

** Concisão: Ser conciso é fundamental em todo texto jornalístico. Na televisão e no rádio, poupa tempo. No jornalismo impresso, economiza espaço. Na internet evita que o leitor se canse ainda mais depois de tanto tempo com os olhos fixos na tela. Isto significa evitar palavras inúteis, o famoso lugar-comum ou clichê. É preciso enxugar o texto. Exemplos: Ao invés de "sucesso de público e de crítica", use apenas "sucesso". Ao invés de "fortemente armado", basta dizer "armado". O "consenso geral" pode resumir-se a "consenso".

** As gírias devem ser evitadas, pois a rede está aberta para o mundo e qualquer tipo de regionalismo acaba limitando e comprometendo a exposição de um site. A não ser que se trate exatamente de atingir um público específico. Exemplo: iGirl, site para adolescentes e jovens do sexo feminino do portal iG.

** Estrangeirismos: Se a tradução não vier em seguida (entre parênteses) e se a expressão não é essencial, deve-se evitar o uso de palavras estrangeiras na internet.

** Números: Como no texto produzido para ser narrado no rádio, a internet trabalha bem com a seguinte fórmula: escrevem-se por extenso os números de zero a dez. De 11 a 999, é melhor usar numerais cardinais. De mil em diante, a fórmula é aplicada da mesma maneira: dois mil, 11 mil, 14 milhões, cinco trilhões… A mesma regra vale para os ordinais: do primeiro ao décimo, por extenso. Depois, 11?, 12?, 999?, milésimo. Em relação às datas, o padrão muda um pouco. Ninguém escreve "dia dois de dezembro de 92" e, sim, dia 2 de dezembro de 1992. Quanto às horas, na internet, o dia começa à 00h00 e termina às 23h59. Também pode-se usar o padrão 00:00h, 10:20h, como na televisão.

** Siglas: Se forem pouco conhecidas, elas devem ser "traduzidas" antes de continuarem a ser usadas no texto. Se estou falando da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, devo primeiramente referir-me à instituição por extenso com a sigla entre parênteses, para depois seguir utilizando só a sigla. Siglas como IBM, Petrobrás ou INPS dispensam apresentações, pois já são usadas como palavras.

(*) Professor de Jornalismo na Unesp-Bauru. O autor está pesquisando sobre a linguagem do jornalismo na internet e agradece indicações bibliográficas