Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalismo para a mulher: avanço ou retrocesso?

Estimuladas pela pouca representatividade, as mulheres jornalistas estiveram reunidas no III Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, somando e dividindo opiniões, mas sobretudo provocando uma nova reflexão: existe uma escrita feminina?

O jornalismo feminista, inspirado pelos gritos de libertação e pelas lutas de igualdade, marcou um grande momento dessa história. Um outro momento se abriu com a até recente explosão de revistas de beleza. De feminista a feminina, a imprensa voltada para a mulher, no entanto, nunca deixou de se preocupar com a auto-estima das leitoras, mudando apenas a sua perspectiva.

Ana Arruda Callado, a mais legítima representante do jornalismo feminista, esteve presente no encontro, dando um testemunho dessa travessia. Ana Arruda fez brilhante carreira no jornalismo, “através da confluência entre feminismo e jornalismo”, como relata José Marques de Melo em seu ensaio “Valquírias – mulheres/jornalistas”. Foi justamente essa confluência que a fez descobrir a revista Walkyrias, resgatando das estantes da Biblioteca Nacional um documento sem precedentes na história da imprensa brasileira.

Com a explosão da sociedade de consumo nos anos 80, abriram-se as possibilidades de quem vende e de quem compra. Novas propostas editoriais seduzem a mulher, agora mais vaidosa, mais individualista, mais consumista. Ana Arruda critica eloqüentemente essa nova imprensa feminina, que na sua opinião é excessivamente mercadológica.

Afinada com estilos de vida, preferências sexuais, comportamentos, perfis socioeconômicos, hábitos de consumo, essa imprensa “mercadológica” tem na revista Claudia um exemplo histórico que acompanhou a evolução da mulher em suas necessidades, desejos, angustias e aspirações. Celia Pardi, diretora de redação, falou da linha divisória entre o ontem e o hoje na vida de sua leitoras, marcada por duas décadas de Carmen da Silva, feminista que deixou sua marca nas páginas de Claudia. Antes de Carmen, a revista ditava regras de bons costumes para esposas bem comportadas. “Havia uma porção de matérias dando dicas de como prender o marido”, lembra Celia.

Carmen edificou com maestria a tão proclamada auto-estima da mulher brasileira. Hoje o interesse em se cuidar e em consumir novos produtos são estímulos provocados pelo próprio poder da escrita feminina, que estabelece vínculos e abre espaços para a mulher em sua real intimidade. Fruto da sociedade de consumo, mas que, segundo Celia Pardi, “não tem a vitalidade daquela época”.

Hoje não temos Carmen da Silva nem seus ideais de libertação. Mas temos editoras de beleza e de comportamento propondo uma estética perfeita estampada nas top models, um bom cosmético, entre dezenas de outros, técnicas de relaxamento depois de 24 horas de trabalho. Mas nunca esquecendo o cotidiano, através do qual a linguagem intimista das jornalistas mulheres exerce toda a sua força. Aí é que se estabelece essa relação de amizade e identificação entre revista e leitora.

Helena Matos, editora da Revista Máxima de Portugal, ilustrou o encontro com uma observação muito interessante: “a escrita feminina estimula o diálogo; já a do homem sempre foi marcada pelo monólogo”. Vale uma reflexão mais profunda. Mas não deixa de corresponder a uma aparente realidade. Existindo ou não a diferença e o gênero na escrita feminina, é importante observar o crescimento assombroso das revistas de beleza, que, especialmente em Portugal, apresentam altíssimo padrão de qualidade, numa sociedade em que há bem pouco tempo não havia tantos espaços de comunicação com a mulher.

Abriram-se os espaços ou abriram-se as diferenças? Por que o jornalismo para a mulher? Não seria uma recompensa pelos tempos de reclusão? Ou não seria um canal das minorias? Do encontro que reuniu representantes expoentes da expressão feminina, ficaram muitas interrogações. Ana Arruda evocou o fim das diferentes escritas como símbolos das minorias num mundo ainda predominantemente masculino. “Eu sonho com um mundo em que as revistas femininas não sejam necessárias”.

Mas uma certeza permanece: a incursão das mulheres no mundo dos homens – sua entrada gradativa nos meios de comunicação e o aprendizado dos novos códigos – permitiu uma nova leitura do universo feminino, revelado ao mundo, não pelos direitos à igualdade mas pelos direitos à diferença – como instrumento de sua própria identidade.

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