Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista em perigo por denunciar corrupção

MARÍLIA, SP

Oswaldo Machado (*)

Impedido de escrever na imprensa de Marília (SP), controlada com mão-de-ferro pelo prefeito Abelardo Camarinha, venho há quatro anos investigando a administração e apresentando o resultado das denúncias ao Ministério Público e à Câmara de Vereadores. No ano passado, oito denúncias recheadas de provas foram arquivadas pela maioria do prefeito. Dias antes, o chefe de gabinete de Camarinha, Carlos Garrossino, tentou me subornar com R$ 100 mil, e acabou preso em flagrante pela Polícia Federal num restaurante da cidade.

Durante as apurações, cheguei a ter um revólver encostado na cabeça por homem encapuzado, que me disse para "parar com isso". No dia seguinte, fui espancado por dois homens que machucaram principalmente minhas mãos. Semanas depois, minha casa foi arrombada por um cabo da PM e pessoas ligadas a Camarinha: levaram a CPU de meu computador, pastas com documentos, fotografias e disquetes. Processo do caso está em andamento no fórum. A Polícia Federal investiga os fatos.

Em 2002, apresentei dois pedidos de Comissão Processante no Legislativo. No primeiro, com provas, denunciei duplicidade de pagamento nos serviços de terraplenagem da nova rodoviária, ainda em construção. O desvio passa de R$ 500 mil, numa obra que já consumiu mais de R$ 10 milhões e está sob suspeita de superfaturamento de mais de R$ 7 milhões. Nos próximos dias, juntarei novas provas e fatos para entregar tudo ao procurador-geral de Justiça do estado, Luiz Guimarães Marrey.

A segunda denúncia é de que o prefeito é dono de um loteamento clandestino com 152 lotes num distrito de Marília, e realizou obras de infra-estrutura e asfaltamento com dinheiro desviado do município. Os vereadores ligados ao prefeito rejeitaram investigar os fatos, enquanto os bastidores apontavam em até R$ 50 mil o voto de quem ficasse a favor de Camarinha. A imprensa da cidade ignorou tudo olimpicamente. A prefeitura gasta cerca de R$ 3 milhões por ano em publicidade, nos veículos do próprio prefeito.

A CPI da Cascata, em andamento, foi aprovada por unanimidade porque Camarinha joga nos bastidores para desqualificá-la e desmoralizá-la. A Lei Orgânica de Marília só dá poderes de cassação de mandado a uma Comissão Processante. A denúncia é de desvio de R$ 5 milhões na obra de desassoreamento e urbanização de uma represa da cidade. Laudo preliminar do Ministério Público aponta falhas na execução e serviços que não foram implantados.

Como dá para perceber, ainda que superficialmente, a coisa aqui em Marília anda feia… Tenho 18 anos de militância na cobertura política, já encarei processos, mas nunca a situação foi assim. Vivemos numa verdadeira ditadura.

A imprensa local simplesmente abafa as denúncias: todo mundo está no bolso do prefeito ou tem medo de perder o emprego. A maioria dos veículos é de propriedade dele. Investigações já desmascararam os "laranjas", mas a população não é informada oficialmente.

O clima eleitoral por aqui está no nível mais baixo. Já tivemos pancadarias, gente com braço quebrado por tacos de beisebol… Twin Peaks é aqui!

Além de uma fita que entregarei ao MP [ver informe abaixo], que está à disposição de todos, tenho originais de depósitos bancários, notas fiscais de gastos na reforma e decoração de apartamentos, certidões e escrituras de imóveis, fotografias, contratos, licitações fraudadas com processo-crime am andamento no Tribunal de Justiça e pelo menos umas 10 novas denúncias a apresentar.

Por tudo isso, corro risco de morte. A Polícia Federal até que me dá uma cobertura, mas tenho filha pequena e, como sabemos, nenhum órgão de governo tem estrutura para deixar agentes ao meu lado 24 horas por dia. Nem eu quero isso. Sei dos riscos, mas não paro com a apuração.

Estou escrevendo um livro (tipo Memória das Trevas, do Joca Teixeira Gomes) com a biografia de Camarinha e sobre o enriquecimento ilícito dele (só um dos processos tem 32 volumes e mais de 12 mil páginas, andando que nem tartaruga velha…), cujo patrimônio passa dos R$ 30 milhões. Que Jader Barbalho na capa da Veja, que nada!!!

Sobrevivo graças a "bicos", ajuda de parentes e amigos, e da indenização trabalhista que ganhei da CMN, grupo de comunicação do prefeito. Conto com a cobertura do meu depoimento ao MP, pois sou uma das testemunhas mais importantes do processo e a exposição das denúncias é que garante o meu lado. Se vocês puderem vir até Marília, agradeço, em nome de 220 mil habitantes, contribuintes e cidadãos que vem sendo esfolados por uma verdadeira quadrilha especializada em roubar dinheiro público. Crime organizado não é só Fernandinho Beira-Mar, não. Os "white collars" são da mesma espécie.

Informe de Oswaldo Machado

"O jornalista Oswaldo Machado entregou na quinta-feira (19/9) às 10h, ao promotor Washington Luiz Lincoln de Assis, da 4? Curadoria dos Direitos do Cidadão de Marília, uma fita-cassete, depósitos bancários, notas fiscais e certidões de imóveis que serão usados como prova em ação civil e inquérito policial contra o prefeito da cidade, Abelardo Camarinha. O depoimento será na Delegacia Seccional, perante o delegado Fábio Pinha Alonso, que preside mais de 15 inquéritos contra Camarinha e a administração.

Os documentos serão juntados a um inquérito de quatro volumes e mais de 600 páginas que investiga a compra de pelo menos quatro apartamentos e uma sala comercial por ?laranjas? de Camarinha, entre eles uma funcionária ?fantasma? da prefeitura e os dois filhos, Rafael e Vinícius, que é candidato a deputado estadual pelo PSB. Fazem parte da investigação um flat nos Jardins, em São Paulo, que o prefeito alugou de volta ao município, e um apartamento de 300 m2 na Riviera de São Lourenço, em Bertioga, avaliado em US$ 500 mil.

Camarinha vem sendo investigado em mais de 50 procedimentos, entre inquéritos policiais, ações civis e populares e processos criminais. Desde o ano passado, já enfrentou três pedidos de abertura de Comissão Processante, arquivados porque o prefeito tem maioria na Câmara e ?é dono dos meios de comunicação da cidade, numa verdadeira ditadura?, afirma Oswaldo Machado, autor das denúncias. Atualmente Camarinha enfrenta uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga desvios de R$ 5 milhões numa obra.

No depoimento, Oswaldo Machado vai entregar ao promotor e ao delegado uma fita-cassete que gravou no ano passado, conversando com a aposentada Marildes Lavigne da Silva Miosi, assessora parlamentar de Camarinha quando este foi deputado estadual e depois funcionária ?fantasma? da prefeitura de Marília. Na gravação ela se mostra irritada e contraditória com as perguntas do jornalista. ?Dona Lídia?, codinome dela nos bastidores de Marília, é uma espécie de ?governanta? do prefeito.

Marildes Miosi e o marido Valter são acusados de terem comprado em nome deles um flat no The Landmark Residence Hotel, que fica na Alameda Jaú, bairro dos Jardins, em São Paulo, avaliado pela prefeitura de Marília em R$ 274.651,90. Na escritura passada no 16? Tabelião da capital em 6 de agosto de 1999, o valor declarado é de apenas R$ 42 mil. No mesmo dia, a conta de Miosi recebeu de Marília um depósito de R$ 67 mil, identificado em 140 páginas de extratos bancários a partir de quebra de sigilo determinada pela Justiça.

Com o flat em nome de ?laranjas? (e Marildes nem poderia contratar com o município, por ser funcionária contratada em cargo de confiança), Camarinha o alugou de volta para a prefeitura de Marília, sob a justificativa de que com um apartamento fixo em São Paulo economizaria em hotéis quando de suas visitas a secretarias e órgãos de governo na capital. O contrato foi assinado por R$ 2.700 mensais. Além do inquérito policial, uma Ação Civil Pública da 9? Promotora de Marília, Rita de Cássia Bérgamo, investiga o caso.

A quebra do sigilo bancário de Marildes Miosi revelou depósitos em dinheiro de R$ 539 mil ao longo de cinco anos, sempre vindos de Marília, onde ela deveria trabalhar como assessora de gabinete do prefeito. O jornalista vai apresentar originais de depósitos e gravação com uma escriturária que confirma ter feito o serviço no banco. A ?laranja? servia para disfarçar compras de artigos de luxo, imóveis e gerenciar reformas em apartamentos de Camarinha. Oswaldo Machado entregará notas fiscais de aquisições às autoridades.

O apartamento da Riviera de São Lourença, em Bertioga, fica no Edifício Nice e foi avaliado em US$ 500 mil pelo zelador do prédio, em conversa gravada pelo jornalista. O zelador confirma que o apartamento é de Camarinha e dá outros detalhes. A antiga proprietária, Alda Brandina de Paula Pardo Gallo, que mora em Mogi das Cruzes, caiu em contradição três vezes na fita gravada por Machado. Vendido em 1999, o bem ainda está no nome dela, de acordo com certidão do 1? Registro de Imóveis de Santos."

(*) E-mail para mais informações: <oswaldo.machado@uol.com.br>