Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornalistas no lugar de jornalistas

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Luciano Martins Costa (*)

Uma inovação sutil no conceito de gestão de mudança ? prática que se tornou uma quase-ciência em função da grande movimentação no ambiente de negócios, provocada pelas novas tecnologias e pela aceleração do processo de globalização ? está trazendo algum alento a pelo menos dois grupos de comunicação do país. Trata-se da criação de grupos de trabalho coordenados por jornalistas, para tratar de projetos pontuais nos programas de reestruturação por que passa quase toda a mídia nacional.

A sutileza está no fato de que os ciclos anteriores de mudança nas empresas de comunicação se caracterizaram pela presença definidora, nas redações, de consultorias externas com pouca ou nenhuma experiência do negócio, enquanto os jornalistas apenas cumpriam papéis subsidiários como fornecedores de dados para os projetos.

Como resultado, tivemos uma sucessão de distorções que produziram, no longo prazo, monstruosidades como o sistema de avaliação baseado no número de linhas produzidas pelo repórter, ou o processo de análise de conteúdo que tinha como núcleo um incerto e não sabido conceito de "unidades de informação".

Toneladas de papel e muitas horas de apresentações em powerpoint procuravam justificar a reinvenção da roda ou, nos casos mais graves, demonstrações da mais redonda ignorância sobre a natureza do negócio que se estava a administrar. No final de cada projeto, o que vinha era quase sempre novo corte de empregos, invariavelmente fazendo sangrar as redações naquilo que tinham de mais precioso, porque o melhor patrimônio do trabalho jornalístico se caracteriza geralmente por conter os valores menos tangíveis e, portanto, menos mensuráveis por parte dos consultores.

Negócio e paixão

Muito sofrimento e muitas anedotas ? que o jornalista é, antes de tudo, um forte de espírito ? depois, saíram as consultorias enriquecidas em seu conhecimento sobre o negócio de mídia, enquanto as empresas de comunicação mergulhavam cada vez mais na crise.

Hoje, os sobreviventes se referem àqueles simpáticos jovens administradores, que os aborreciam com perguntas cretinas, como os "pés orgulhosos" (para os profissionais da Proudfoot), os "Bozo-alliens" (trocadilho infame para a consultoria evidente) e outros qualificativos menos edificantes. Ficou uma enorme mágoa e um estado crônico de resistência a qualquer idéia de reformulação ou mudança. As redações se tornaram, portanto, mais conservadoras e menos colaborativas, o que resulta mais difícil a tarefa de inovar.

A mudança sutil que se observa ? colocando no centro dos grupos de trabalho jornalistas que souberam preservar o respeito dos colegas em vez de consultores externos, alheios ao ambiente das redações ? começa a produzir um clima menos defensivo. As reuniões, conduzidas por profissionais que sabem oferecer perguntas que fazem algum sentido, têm produzido equações interessantes quanto a alguns dos problemas centrais da crise. Além disso, a presença de jornalistas respeitados nesses grupos de trabalho anima outros profissionais, instalados fora do circuito das redações mas ainda interessados em contribuir para a recuperação da mídia, a oferecer parcerias e a necessária visão dos que se encontram do outro lado do balcão.

Interessa aos anunciantes contar com alternativas expressivas de mídia; interessa às agências de publicidade poder contar com respostas ágeis às suas demandas de exibição, de poder oferecer aos seus clientes o acesso a um público selecionado, com a intermediação de edições inteligentes que valorizem o anúncio; interessa às agências de comunicação que seus representados participem de momentos relevantes da imprensa.

A desvalorização da mídia impressa não interessa mais aos anunciantes. A julgar pelas conversas de profissionais presentes ao último MaxiMídia, ocorrido em São Paulo, no final do ano passado, por exemplo, pode-se observar uma mudança de ponto de vista e a constatação de que uma mídia forte é fundamento essencial para a retomada da economia.

Poucos profissionais, no lado mais confortável do balcão, ainda se sentem à vontade para barganhar descontos exagerados nos anúncios, em troca da promessa de relacionamentos mais longos. E-mails trocados com meia dúzia desses decisores que manipulam respeitáveis verbas de publicidade revelavam, nestes dias, a consciência de que, no longo prazo, todos perdem com a persistência dessa crise. A capacidade de os responsáveis pelos processos de reestruturação buscarem fora das empresas essa diversidade de visões poderá ser determinante para suas chances de sucesso.

O negócio de comunicação contém dessas sutilezas, cujos componentes estão muito além do alcance de um consultor financeiro ou de um especialista em marketing: aqui mesmo, neste Observatório, temos lido nas próprias críticas à atuação da imprensa uma contínua oferta de idéias, vindas do ambiente acadêmico ou do leitor atento, cuja principal motivação é o desejo de ter em mãos um jornal ou uma revista que o cative.

Por que não aproveitar essa fonte de contribuições de boa-vontade? No fundo, trata-se de um negócio que guarda uma relação íntima com o intelecto, mas cujas decisões ainda exigem um bocado de paixão.

(*) Jornalista

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