Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

José Dirceu

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PRESIDENTE PERSEGUIDO

"O que leva à instabilidade", copyright O Globo, 24/05/01

"Na democracia, situação e oposição promovem o debate político, de idéias e constroem a nação. Mas FHC e integrantes de seu governo têm demonstrado dificuldades em conviver com a pluralidade, tentando desqualificar o debate político, fazendo ao PT ataques gratuitos e descabidos, que beiram o ridículo.

FHC telefona para a jornalista Tereza Cruvinel, do GLOBO, e desabafa: está magoado. Talvez seja mesmo difícil para o presidente ver a imprensa divulgar tantas denúncias de corrupção em seu governo, como os desvios de dinheiro da Sudam, da Sudene e do DNER; os casos Marka-FonteCindam e Eduardo Jorge, além das sucessivas operações-abafa, com as escandalosas liberações de verbas documentadas nos jornais, que ele chama de ?luta política legítima?.

FHC vai mais longe, xinga a oposição de golpista, fala em descrédito das instituições e insinua que a democracia está em perigo, como o ministro Malan, da Fazenda, que vive falando em instabilidade.

Eu poderia priorizar este espaço para afirmar, mais uma vez, que o PT quer sim renegociar de forma soberana a dívida externa, que consideramos insana a política econômica do governo de ajuste fiscal permanente imposta pelo FMI e que, ?moratória? da dívida tem estado mesmo é no discurso do Malan. Mais importante, no entanto, é que Malan precisa perder o péssimo hábito de falar mal da oposição no exterior, porque isso é antipatriótico, antidemocrático e até ?pega mal? para um governo que, diga-se de passagem, é alvo de tantas denúncias graves e que colocou o Brasil a bordo de uma crise institucional.

FHC e Malan tentam isentar o governo da responsabilidade que lhe cabe, porque o que levou o país à instabilidade foram os erros de política econômica que eles dirigem. Aliás, vale o registro de que a situação estaria melhor se o ministro tivesse acatado algumas sugestões do PT, como o controle cambial no momento adequado.

O que levou o País à instabilidade foi a irresponsável sobrevalorização da moeda brasileira até o amargo fim, a máxi-desvalorização de janeiro de 1999; foi o brutal aumento das importações e a ausência de política industrial e tecnológica, inviabilizando vários setores da indústria brasileira; foi a privatização e venda de estatais brasileiras, como as de energia e telecomunicações, às empresas estrangeiras que operam em dólares, mas sem gerar dólares. O que levou o país à instabilidade foi a política econômica de FHC, que promoveu o abandono da agricultura e a quebra da capacidade exportadora brasileira, que dolarizou um terço da dívida pública interna, que dobrou a dívida externa brasileira e ampliou dramaticamente o passivo externo líquido brasileiro, hoje de 400 bilhões de dólares.

O governo FHC sustentou uma política no país sob o pretexto de que, nesses oito anos, teríamos um desenvolvimento econômico. E estão aí as altas dos juros e do dólar.

Sustentou que, depois de quatro anos, iria entregar aos brasileiros e brasileiras um país menos desigual, mas a realidade é outra. No Brasil, hoje, 40% dos mais pobres se apropriam de 8% da renda nacional e os 10%, 47,5%.E em 1990, a participação do trabalho na renda nacional era de 45%, hoje, é de 37%. Já a participação do capital que era de 33%, hoje, é de 41%. Os níveis de desemprego e pobreza cresceram acompanhados pela escalada da violência.

Falaram em um país com costumes políticos, éticos e uma legislação política eleitoral modernos. E o que vemos? A decomposição ética e moral de um governo que afunda no mar de lama da corrupção.

Afirmaram que colocariam o Brasil no conceito das nações como País respeitado, com voz e soberana no cenário internacional, quando os indicadores demonstram o esgotamento de um modelo neoliberal, de uma fragilidade cambial que continua expondo o país à instabilidade econômica e financeira internacional, associada a uma profunda vulnerabilidade fiscal, que restringe a margem de manobra de uma política econômica que vêm impondo taxas medíocres de crescimento econômico ao país.

E agora, esta vergonhosa crise energética, que é pura incompetência, fruto do desmonte do Estado e de uma política privatista irrestrita, acompanhada pela precariedade das políticas de regulação e falta dos investimentos necessários. Resultado: um quadro de racionamento de energia com conseqüências terríveis imediatas na economia e no emprego.

Ora, são esses os elementos que os banqueiros internacionais utilizam para avaliar a vulnerabilidade externa de uma economia, sua capacidade de manter os pagamentos em dólares da sua dívida externa. O Brasil está vulnerável do ponto de vista externo e, por isso, sofreu dramaticamente com as crises do México, Hong Kong, Coréia, Rússia e hoje, treme com as crises Argentina, Turca e com a desaceleração da economia norte-americana – constatação das próprias atas do Copom. Estando vulnerável, acabou de elevar as taxas de juros: é a ?lógica? da política do governo FHC.

O Brasil hoje é vulnerável, sim. Atestam isso os bancos internacionais em seus relatórios e as empresas de ?rating? do risco Brasil. E quem construiu diligentemente essa vulnerabilidade não foi a oposição, que ainda não é governo.

E o que aprofunda a fragilização da imagem externa brasileira e leva à crise institucional é a corrupção. Aliás sobre isso, Malan, faz afirmação que soa pitoresca. Ele recomenda ?administração responsável do dinheiro público? para os postulantes ao governo. Aí o PT tem uma comprovada experiência nas cidades e Estados que governa, aprovada por vasta parcela da população brasileira, com projetos sociais reconhecidos e administrações democráticas e éticas. Já, levando-se em conta casos como os já citados, não se pode citar o governo do PSDB como um exemplo de gestão responsável com o dinheiro público.

A verdade nua e crua é que a sociedade quer mudar de rumo e de governo, não aceita mais este modo de governar. O Brasil precisa, portanto, de uma revolução ética, de outro modelo econômico e de reformas sociais e políticas que distribuam a renda, a terra e a riqueza, que dêem aos cidadãos justiça e democracia, além do bem-estar social. (JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA é presidente nacional do PT)"

"Panela na cabeça", copyright O Estado de S. Paulo, 27/05/01

"O jornalismo brasileiro está-se tornando uma legítima casa do pai Tomás, onde quem grita é que brilha mais. As exceções são raras, ainda que dignas de nota. Nossos jornalistas, a começar dos mais famosos (et pour cause), não fazem jornalismo, fazem barulho. Saem pela rua batendo panelas para chamar a atenção sobre si próprios. E, como a concorrência é grande, precisam bater cada vez com mais força.

Diante de suas manchetes, artigos e colunas, melhor seria estampar a imagem daquele simpático boneco criado pelo Ziraldo, o Menino Maluquinho, que usa uma panela na cabeça. Há exceções, é claro, e há às vezes até algum jornalismo por trás da barulheira. Mas se você quer estar razoavelmente ?por dentro?, e usar a leitura não só como diversão (no sentido amplo da palavra), mas como orientação, então o melhor é procurar os que escrevem menos ruidosamente e produzem mais por quilômetro rodado, como esses silenciosos e eficientes motores dos carros modernos.

Leiam o Carlos Alberto Sardenberg (É o preço, pessoal), o Rolf Kuntz, a Miriam Leitão (sempre excelente, embora às vezes um tanto ranzinza); em resumo, procurem os que não têm a panela na cabeça.

De onde vem essa epidemia barulhenta? Talvez da concorrência da televisão: a TV atinge dezenas de milhões de pessoas, os jornais (os melhores) não alcançam sequer uma centésima parte desse universo. Nem por isso têm menos força, menos autoridade, mas a diferença de público, ao menos entre nós, leva à loucura supostos formadores de opinião, na verdade compulsivos adoradores da ribalta.

Em termos de exposição e exibição do ego, os jornais, em outros tempos, competiam com o teatro, a literatura, os folhetins, a academia. Era uma competição, digamos, humana, igual, ainda que às vezes disputada no tapa.

Veio depois o cinema e, em seguida, a TV, e a gritaria alastrou-se. Como aparecer, como ser visto e ouvido, neste universo de milhões, sem usar a arma do estardalhaço?

Ainda há uns anos, eram muito raras, nos jornais, as matérias assinadas. A responsabilidade pelos textos era do diretor e do redator-chefe, ou, para usar a moderna nomenclatura ianque, do publisher (o dono) e do editor. Hoje, um mesmo jornal tem, freqüentemente, mil caras diversas. Talvez seja (provavelmente é) melhor assim, mas o fato é que, em momentos de crise e correria, como o atual, a taxa de confusão e de desorientação corre o risco de tornar-se proporcional à multiplicidade de vozes e de egos disputando a luz das gambiarras.

Veja-se o caso da crise real, a crise energética. O que mais me assustou na primeira fala do trono, quando o presidente reconheceu a enorme gravidade da situação, foi a espécie de confissão implícita no remédio proposto: 93% das residências gastam tão pouco que podem ficar isentas, intocadas; o corte necessário precisa atingir apenas 7% das casas, que são as que contam.

Sabíamos todos que somos uns privilegiados (ou ?bem acomodados?, como prefere dizer FHC), mas não imaginei que, até mesmo em termos de eletricidade doméstica, a desigualdade fosse tão vasta, tão acachapante. É bem verdade que, entre os 93% e os 7%, há uma ampla faixa de consumidores não referida pelo presidente: um vasto colchão, cuja espessura verdadeira é mal conhecida, que amortece as diferenças e facilita a sobrevivência do sistema: o submundo dos que não pagam, dos que vivem da economia informal e usam a energia dos ?gatos?.

Se o governo pudesse computar em seus cálculos essa energia clandestina, talvez o sacrifício de todos fosse menor. Mas o fato é que a economia informal e os ?gatos? são, na verdade, uma espécie de primitivo Proer dos pobres, um subsídio que alimenta a economia real das favelas e lhes permite sobreviver.

Há hoje sinais claros de que um primeiro objetivo da fala presidencial foi alcançado: cada vez mais se generaliza, entre todas as faixas da população, o esforço para economizar eletricidade. Mas é evidente que apenas esse esforço não basta. Ele talvez nos permita segurar as pontas até o fim do ano; mas, e depois? E se tivermos, em 2002, outro verão seco?

O governo preferiu não demitir ninguém, passar a mão pela cabeça dos responsáveis pela incrível imprevidência diante da crise anunciada. Seja; esse é o estilo FHC de governar. Também o governo tem sua panela na cabeça.

Mas o que o País ainda espera é o anúncio das providências e prioridades novas que nos permitirão encarar sem susto o futuro, com ou sem chuva.

Não se quer hoje do presidente nada mais do que isso: que ele mobilize seus ministros e a Nação inteira para acabar de vez com a sombra desse apagão, que nos escurece a alma e a vista… (Fernando Pedreira é jornalista)"

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