Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

José Paulo Lanyi

MÍDIA EM CRISE
"CNT demite 25 em São Paulo", copyright
Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/11/02
"A rede de televisão CNT demitiu pelo menos
25 profissionais de sua sucursal em São Paulo. O corte atingiu
quase todos os setores: área técnica, produção,
administração e até mesmo o departamento comercial
da emissora – da gerência à portaria do edifício
na Alameda Santos, no Paraíso.
O único programa produzido em São Paulo- com exceção
do CNT Jornal, fechado em Curitiba- foi extinto: o CNT Esporte,
apresentado por Edu Lima (Olivério Jr. já havia deixado
a casa, antes das demissões).
Alguns colegas estavam trabalhando atrelados a uma cooperativa (Artcoop);
outros eram funcionários da própria emissora, registrados
nos moldes da CLT.
O corte vem na esteira de negociações fracassadas
para a criação de um programa jornalístico
popular, entre outras propostas de renovação. Alguns
nomes foram cogitados: João Leite Neto, Saulo Gomes e Celso
Russomano.
Florestan Fernandes Jr. discutia com a emissora a criação
de um programa de entrevistas que ocuparia o espaço deixado
por Ferreira Netto, que morreu em agosto.
Falava-se ainda no lançamento de um telejornal local para
coroar as transmissões em sinal aberto pelo canal 26 UHF
(até meados deste ano, a programação da emissora
só estava sendo exibida em São Paulo pelos canais
4 da Net e 219 da Directv).
Aos funcionários, a direção da empresa justificou
as demissões como uma ?decisão empresarial? (traduzindo:
corte de gastos). A sucursal estaria com dificuldade de preencher
a grade com novos programas.
Problema que, pelo visto, não será solucionado a curto
prazo. As demissões no comercial provocaram espanto. Mostrariam
que a emissora não pretende voltar a produzir em São
Paulo. O ?rádio-corredor? chegou a comentar um possível
arrendamento maciço de horários na programação
da rede do deputado paranaense José Carlos Martinez, presidente
nacional do PTB. Por ora, é só hipótese.
Não há notícia de demissões na equipe
de jornalismo.
Procurada por esta coluna, a direção da sucursal não
se manifestou até o fechamento desta edição."

 

CORREIO BRAZILIENSE
"A transição no Correio Braziliense",
copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/11/02
"O principal jornal da Capital Federal, aquele que
mais de perto perscrusta o poder, o que possivelmente mais conhece
as minudências e maledicências da corte, está
na muda. E inteiramente alvoroçado. No epicentro das disputas
do Condomínio dos Diários Associados.
Nesse turbilhão em que entrou o Correio Braziliense desde
a decisão de trocar o comando da empresa, saindo Paulo Cabral,
após 22 anos no cargo, para entrar Álvaro Teixeira
da Costa, chega à Capital, mineiramente, Josemar Gimenez,
convocado pelo novo presidente (seu chefe no Estado de Minas – outro
jornal dos Diários Associados), para cuidar da transição
na redação. Tarefa das mais espinhosas mesmo para
um mineiro dos sete costados, calejado em desafios editoriais.
Josemar tem o reconhecimento dos condôminos pelo trabalho
realizado à frente do Estado de Minas, jornal líder
em Minas Gerais, que vem passando, sob seu comando, por um processo
gradual e permanente de modernização, de olho num
melhor desempenho comercial e num possível aumento de visibilidade
no cenário nacional. Mas Minas e sua capital, Belo Horizonte,
são muito diferentes de Brasília e o Correio Braziliense
é um outro país, se comparado ao Estado de Minas.
E Josemar, experiente como é, sabe que terá de exercitar
mais do que nunca a paciência, a persuasão, o diálogo,
para desarmar os espíritos e apaziguar uma equipe que está,
com toda a razão, com os dois pés atrás e preparada
para um confronto, caso o caminho escolhido para o jornal sugira
algum tipo de ?retrocesso? na linha editorial, provocada por interesses
políticos.
Nunca é demais lembrar que a redação do Correio
Braziliense é uma das mais preparadas e competentes do País,
e estão aí os vários prêmios conquistados
nos últimos anos (Esso, Embratel etc.) comprovando esta afirmação.
Ricardo Noblat, que deixou no final do mês o comando do jornal,
deixa essa herança e também um jornal de qualidade
e com uma linha de independência editorial. Há quem
questione seus métodos, seus interesses pessoais, sua inclinação
política etc. (como possivelmente veremos nos comentários
a este artigo), mas é inegável que o Correio, sob
o seu comando, passou a ser um jornal respeitado em todo o País,
extrapolando as fronteiras da corte. E isso só foi possível
pelo trabalho conjunto de profissionais por ele comandados.
Josemar não é o sucessor oficial. Ele está
interino no cargo e sua missão é a de conduzir a transição.
Nesse período acumulará a direção dos
dois mais importantes jornais dos Diários.
Não terá vida fácil. Uma das primeiras crises
já se apresentou na segunda-feira (04/11) à noite,
durante reunião do novo presidente com os editores. Por informações
obtidas por este Jornalistas&Cia, não foi o que se poderia
dizer de uma reunião amistosa. Foi uma conversa tensa, conflagrada,
e que teve como principal desdobramento a decisão do editor-executivo
José Negreiros de deixar o jornal, indignado com as colocações
feitas por Álvaro Costa. Era tudo o que o jornal não
precisava nesta altura dos acontecimentos. Sua saída, que
seria até natural no decorrer do processo, ao ser decidida
nesse início de transição, muda por completo
as estratégias e obrigam a um redesenho da redação,
ao menos até que um novo nome seja definido. Com isso, Ana
Debeux, a outra editora-executiva, passa a dividir diretamente as
responsabilidades do fechamento com Josemar.
Outra pedra no sapato da redação foi a decisão,
bancada por Álvaro Costa, de reintegrar ao jornal a coluna
de Ari Cunha, o que muitos consideram um retrocesso editorial e
político. Cunha é amigo e aliado do governador Joaquim
Roriz, de quem foi cabo eleitoral na última eleição.
Mesmo sendo vice-presidente do Condomínio, nas diferenças
políticas e editoriais que teve com a gestão anterior,
acabou perdendo a parada para Paulo Cabral e Ricardo Noblat e ficou
um bom tempo sem escrever no Correio. Quem conhece os bastidores
do processo, atesta que esse foi um acordo pontual, que em nada
afeta o todo, ou seja, a manutenção de uma linha editorial
independente e crítica.
Josemar é calejado nas lidas editoriais e políticas.
Além do Estado de Minas, tem a experiência de dirigir
um jornal de um político – o Diário Popular, que era
de Orestes Quércia – e uma sucursal – a de São Paulo,
de O Globo – que sempre sofre demais nas mãos da matriz.
Esse jogo de cintura será fundamental neste processo e poderá
fazer a diferença para, digamos assim, um final feliz. Fácil
não será. Mas a missão é certamente
sedutora, pelo desafio que traz em si para a carreira de qualquer
profissional. Se tiver sucesso, e na hipótese de um eventual
convite para assumir em definitivo a redação do Correio,
terá de decidir entre a relativa tranqüilidade de Belo
Horizonte, onde as coisas estão razoavelmente bem encaminhadas,
e a adrenalina pura de Brasília, onde muita água ainda
poderá rolar.
Josemar terá de desdobrar-se e certamente já sabe
que, pelo tamanho da missão, o assunto requer empenho, serenidade
e tempo. Ou seja, já deve ter preparado o espírito
para passar alguns meses na ponte-aérea Belo Horizonte-Brasília."

 

CARTAS NA MESA
"Notícias de um íntimo apocalipse",
copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 6/11/02
"?Cartas na mesa? é para ser lido como quem
revira um baú alheio, com curiosidade e voracidade de voyeur,
procurando nas entrelinhas das 131cartas que Fernando Sabino tirou
da gaveta pedaços de sua vida e das de Hélio Pellegrino,
Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, destinatários de
angústias, galhofa, amor e dúvidas que podem ser resumidas
numa palavra: amizade. Se este sentimento que os uniu por mais de
40 anos tem hoje uma estatura de mito literário, a publicação
da correspondência expõe seu lado apaixonadamente humano.
Em 1944, Sabino via uma carta de Hélio como ?quase ele em
carne e osso de tanto que ajuda e comove a gente?. O mesmo vale
hoje, 58 anos depois, para estes pedaços de conversa publicados
pela Record: trata-se de uma versão ?em carne e osso? de
histórias, idéias e causos que gerações
de leitores aprenderam a amar na intensa vida literária e
intelectual dos ?quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse?.

Entre a carta escrita a Hélio da solidão do serviço
militar em Juiz de Fora, onde Fernando purgava uma temporada no
Esquadrão de Cavalaria em 1943, e o bilhete enviado a Otto
em 1992, lamentando as raras oportunidades de estarem juntos pouco
mais de um mês antes de sua morte, são momentos privilegiados
de uma geração privilegiada. Nascidos mineiros e católicos,
passaram a vida a botar a prova as ortodoxias da origem e da religião,
abriram-se para o mundo, negociaram suas culpas. Crescidos à
sombra dos modernistas, entraram nos anos 40 com fúria política
e estética. Fernando virou o escritor profissional plenamente
realizado, Hélio foi o furacão afetivo na poesia e
na psicanálise, Otto o brilhante jornalista e escritor bissexto,
Paulo, o poeta excepcional e cronista de mão cheia. Jamais
se separaram porque acreditavam piamente em Mário de Andrade,
para quem sempre um salvaria o outro.
?Puxar angústia?
Mais da metade das cartas são anteriores a 1956, ano em que
Fernando Sabino publicou ?O encontro marcado?, o que confere a elas
um interesse especial, pois o romance que é a obra-prima
de Sabino decalca a experiência de três jovens mineiros,
impregnados de dúvidas e vitalidade. Estão nas cartas
as molecagens pelas madrugadas de Belo Horizonte, as terríveis
reuniões para ?puxar angústia? e a força da
cumplicidade lentamente adquirida: se Hélio era o mais antigo
dos amigos, do tempo do jardim de infância, Otto e Paulo foram
adquiridos naquele momento decisivo em que começa a luta
para dar sentido à vida, um sentido que para ele viria sobretudo
da literatura. Para quem leu e releu ?O encontro marcado?, nada
disso é novidade mas, ao mesmo tempo, pura novidade, pois
chega sem o filtro da narrativa literária.
Cada carta é, de uma forma ou de outra, variação
sobre um mesmo tema: a ruptura da íntima ligação
original entre os quatro com a mudança definitiva de Fernando
Sabino para o Rio de Janeiro, em 1944. Da então Capital Federal,
ele purgava uma solidão que não conhecia, como mostra
na carta que rabiscou na mesa de seu aniversário daquele
ano, comemorado ?secretamente? no Alcazar em meio a uma reunião
de mitos como Manuel Bandeira, Heitor dos Prazeres, Vinícius
de Morais, Aníbal Machado e uma certa Mariinha, depois conhecida
como Tônia Carrero: ?Muitas horas já se passaram e
continuo triste e abatido por dentro (…) Acho que você deve
perceber isto: a minha tristeza em ir embora, a minha tristeza em
ficar, a minha tristeza em viver, a minha tristeza em morrer. Já
tive uns três movimentos de agressiva necessidade de puxar
angústia, desde que estou aqui sentado: uma angústia
daquelas, com foguetes colossais e enormes gestos de braço
afrontando o mundo?. Num desabafo colossal para Otto, o Pajé,
a declaração reiterada de amizade que soa como uma
SOS: ?E o principal, o que nos sustenta de pé quando a noite
avança e o sono baixa, é que nós nos sabemos
juntos?.
Em 1945 Otto e Paulo se juntariam a Fernando. Hélio, só
em 1952, já formado em medicina e buscando curar no Rio de
Janeiro uma severa crise pessoal que o acabaria fazendo trocar a
psiquiatria pela psicanálise. Ainda nos primeiros tempos
no Rio, em dúvida quanto a tudo e a todos, Fernando argumentava
sobre as vantagens de trocar Minas pela Cidade Maravilhosa: ?Não
vejo aqui nenhuma virtude, pelo contrário. Mas a virtude
está na libertação, é um banho que você
toma, tira o mofo, faz doer, mas dá saúde. O Hélio
está falando, falando feito uma besta, se desperdiçando,
pois ninguém está ouvindo, todo mundo aí é
surdo-mudo?. Como se falasse para si mesmo, Fernando iria além:
Nova York, Paris, Roma, Londres, sempre mantendo o diálogo
epistolar, que compreensivelmente vai rareando com o passar do tempo,
já que os três viveram boa parte de suas vidas no Rio
de Janeiro.
Dúvida, conflito e erro
Lambuzadas de vida, as ?Cartas na mesa? têm como principal
atrativo a igualdade de remetente e destinatários. Não
exala delas as ?lições de vida? de um clássico
como as ?Cartas a um jovem poeta?, de Rainer Maria Rilke, ou, de
forma mais próxima, a correspondência que meio mundo
manteve no Brasil com o prolífico Mario de Andrade. Se alguma
lição se pode tirar delas em tempos de e-mails e literatura
engomadinha é a de não se temer a dúvida, o
conflito e o erro. De poder escrever, com uma ajudinha da juventude,
é claro, uma reflexão como a de Fernando em 45: ?Sei
que estou vivo! Me sinto e me apalpo, percebo latejando em mim o
sangue que talvez exista para ser derramado e não para correr
lentamente nas veias em passiva e satisfeita aceitação?.

A transformação estilística de Fernando também
é clara na correspondência: das reflexões introspectivas
dos primeiros tempos, as cartas vão ganhando sua verve excepcional
para contar causos e histórias. Sem deixar de ser pessoal,
mais do que próximo dos amigos, ele não abre mão
de narrativas, na maioria das vezes hilárias, sobre a vida
que segue: colaborações em jornais e revistas, a aventura
da editora Sabiá, problemas e tropeços. Tudo isso
sem abrir mão dos protocolos solidificados entre eles: desavenças
afetuosas com Hélio, ?a besta?, broncas em Otto por não
cuidar de sua carreira literária, carinho quase paternal
com Paulo.
Depois de ?Livro aberto?, reunião de histórias e casos
soltos, e de ?Cartas perto do coração?, a tocante
correspondência com Clarice Lispector, Fernando Sabino lança
o terceiro livro consecutivo de tônica autobiográfica.
Intervém o mínimo, em curto prefácio e notas
breves e divertidíssimas, como se preferisse que a cartas
narrassem, por si próprias, suas memórias. É,
portanto, uma vida que se conta com sabor de literatura. Ou seria
justamente o contrário?"