Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Kate Jennings

JORNALISMO ECONÔMICO

"As mentiras de Wall Street, na opinião de um dos mentirosos", copyright O Estado de S. Paulo / Financial Times, 10/05/02

"No mês passado, durante a temporada de divulgação de balanços e assembléias de acionistas, as empresas norte-americanas reasseguraram o compromisso com os chamados ?valores centrais?, como integridade, liderança, disciplina, responsabilidade, respeito e excelência.

Os jornais estão repletos de relatos de lapsos nesses mesmos ?valores centrais?. Durante os anos do boom dos mercados financeiros, na década de 90, eu escrevia discursos para os grandes bancos de investimentos de Wall Street. Ao lembrar desses textos, é difícil encontrar algo que tenha escrito que não apresente exageros, mentiras, evasivas ou uma lógica invertida. Mas, enquanto meus elaborados discursos mantiveram um otimismo agressivo, ninguém se incomodou.

É certo que os cínicos faziam piadas sobre o jargão. ?Agregar valor?, dizíamos, era um código para ?demitir funcionários e aumentar o preço das opções de ações?. Na época, bancos estavam praticamente fabricando dinheiro, investidores nadavam em dólares e todos os bolsos estavam forrados de gratificações.

Agora, quando se revela a extensão da audácia então praticada, não só em empresas agressivas e iniciantes, mas também nas grandes companhias e nos maiores bancos do mercado, ninguém mais vê graça. Os executivos proclamavam integridade enquanto manipulavam resultados e embolsavam opções de ações.

Muralha demolida

Os executivos gostavam de ostentar frases como ?foco no cliente? e ?homem de confiança?, enquanto demoliam ?muralhas da China? e criavam conflitos de interesses (?muralha da China? é um jargão de Wall Street para a separação entre analistas de executivos em bancos de investimento, necessária para que os analistas não recomendem investimentos do interesse do banco).

Nem todos os executivos agiram assim, é claro. Mas estamos passando por um maremoto de hipocrisia. Tal sentimento solapa a fé não só naqueles para quem governança corporativa é coisa de maricas. Desacredita também executivos que levam a sério suas obrigações para com todos que dependem deles: clientes, acionistas, empregados, aposentados e sociedade em geral.

Apesar de tudo, os exageros retóricos das empresas continuam, sem controle, o que me sugere uma citação de George Orwell: ?Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento?. O jargão dos analistas de investimento, que no momento passam pelos seus 15 minutos de escrutínio público, serve como exemplo perfeito.

No passado, quanto o trabalho de pesquisa era uma ocupação monótona, os analistas ofereciam recomendações de compra, venda e retenção para as ações. Mas, quando se transformaram em figurões de TV, decidiram expandir suas classificações e adotaram categorias contraditórias como ?acumular?, ?desempenho de mercado? e ?visibilidade reduzida?. Filtre as percepções por meio desse tipo de palavreado, banque o processo com um salário interessante e todos os ?valores centrais? rapidamente perdem a consistência.

Depois de muita hesitação, o Merrill Lynch está propondo que seus analistas retornem ao antigo sistema de três recomendações básicas. Por que o banco teve de esperar que Eliot Spitzer, procurador do Estado de Nova York, decidisse agir a respeito antes de tomar essa medida? Os analistas agora podem voltar a dizer o que devem, sem meias palavras.

Integridade

Se pensarmos bem no assunto, deveríamos pedir o mesmo a todo executivo. Mas é uma probabilidade remota, se levarmos em conta o uso desavergonhado de palavras como ?integridade? e ?excelência? nos balanços de empresas que estão sob investigação ou foram multadas por delitos.

As empresas parecem ter se esquecido de que integridade e excelência eram os valores da Enron (energética que quebrou no ano passado), gravados em bugigangas e decorando escrivaninhas em toda a empresa. São palavras que precisam de um longo repouso no mundo corporativo. Elas perderam o valor, até mesmo para as empresas que as respeitam.

Os relatórios anuais do mês passado exibem espantosa desconsideração aos sentimentos do público. É mais uma prova daquilo que promotores e consultores já descobriram nesse mundo pós-colapso da Enron: muitas companhias simplesmente ainda não entenderam.

Trancados em seus arranha-céus suntuosos, por trás de uma blindagem de arrogância, protegidos por falanges de advogados e profissionais de lobby, os executivos não parecem compreender que nós -clientes, acionistas, empregados, aposentados- estamos cansados da distância entre suas intenções reais e suas intenções declaradas.

Estamos cansados de desinformação e intimidação, petulância e condescendência. Estamos cansados desse espírito que oferece respeito superficial aos ?valores? mas rotineiramente atravessa a fronteira entre o legal e o criminoso. Estamos cansados de empresas que nos dizem que não precisam de regulamentação, que são capazes de se fiscalizar, quando todas as indicações sugerem o contrário.

Estamos cansados da defesa automática baseada em alegações de ?acusação infundada? que as assessorias de imprensa corporativas costumam empregar, e das subsequentes disputas judiciais que duram uma eternidade. Estamos cansados de atos paliativos de civilidade corporativa. Não aceitamos a idéia de que o uso de palavras como ?integridade? e ?excelência? é válido na comunicação das grandes empresas porque as palavras representam uma aspiração para elas. Queremos que se tornem fatos. (Kate Jennings, que trabalhou para bancos de investimentos, escreveu ?Moral Hazard? (?Risco Moral?), um romance sobre Wall Street. Este artigo foi publicado pelo ?Financial Times?. Tradução de Paulo Migliacci)"

 

"Seminário faz reflexão sobre a rapidez e a densidade da notícia", copyright Folha de S. Paulo, 10/05/02

"A relação entre a densidade e a rapidez da notícia foi o tema que dominou o debate no seminário sobre ?Jornalismo Econômico?, realizado anteontem no Centro Universitário Alcântara Machado. O evento integra as atividades da Cátedra Octavio Frias de Oliveira, criada em homenagem ao publisher da Folha.

Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, deu o mote na fala inaugural. ?O ritmo afeta o conteúdo?, resumiu. Para ele, a velocidade da transmissão da notícia é capaz de mudar o valor dos ativos no mercado. Mas não uma notícia qualquer. ?Só valem notícias sobre o futuro, porque o passado está no preço?, afirmou.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES, falou como publisher do site Primeira Leitura. Fez a apologia do jornal eletrônico. ?É rápido, barato e você monta como quiser.?

Segundo Mendonça, a internet criou o ?jornalista-computador?, uma imagem para se referir à disponibilidade imediata das informações. A nova realidade coloca o jornalista sob pressão. ?Como concorrer com o que é mais barato, tem mais fontes, trabalha 24 horas por dia e não namora??

Ele responde: ?Buscando informações que complementem a notícia, dedicando-se à análise que agregue valor aos dados, distinguindo o que é relevante?.

Celso Pinto, diretor de Redação do jornal ?Valor Econômico?, ao discordar do diagnóstico sobre a nova mídia, enfatizou a importância da publicação impressa. ?O jornal serve para organizar esse mundo de informações on-line.?

Para ele, na internet há espaço para tudo. ?Ao lado da notícia boa, tem notícia inventada, mal apurada, errada e enviesada?, afirmou. O jornalista acha revelador que na internet não haja a cobrança do leitor, como nos grandes jornais. É como se não esperasse credibilidade dessa mídia.

Celso Pinto também disse que a internet não muda a essência do jornalismo, que deveria ter por trás a noção do serviço público."

 

TV DIGITAL

"Sete critérios definem TV digital", copyright O Estado de S. Paulo, 12/05/02

"O longo processo de escolha do padrão de TV digital a ser adotado no Brasil, iniciado há mais de dois anos, está chegando ao fim. Com a ajuda da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e de diversos ministérios – tais como Comunicações, Itamaraty, Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia – o presidente Fernando Henrique Cardoso optará por um dos três sistemas que disputam a preferência nacional: o ATSC americano, o ISDB japonês e o DVB europeu.

A decisão deverá contemplar mais razões econômicas e políticas do que técnicas. Na verdade, a grande moeda de troca de que dispõe o País é o tamanho de seu mercado interno, estimado em R$ 100 bilhões nos próximos dez anos. Nesse período, deverão ser produzidos e vendidos no Brasil cerca de 100 milhões de televisores. Mas, muito além desses números, a TV digital deverá deflagrar uma revolução no mundo do entretenimento, do comércio eletrônico, da comunicação de massa e da multimídia.

A questão não se reduz, portanto, à mera definição de características tecnológicas, mas, sim, à escolha de um modelo de negócios que mais convenha ao Brasil. Nessa linha, a licitação deverá levar em conta pelo menos sete critérios para a definição do sistema de TV digital a ser adotado pelo País:

1) Tecnologia; 2) Royalties; 3) Produção local; 4) Perspectivas de exportação de televisores pelo Brasil; 5) Fabricação local de componentes; 6) Pesquisa e desenvolvimento no País; 7) Eliminação de barreiras a produtos brasileiros.

Tecnologia – Embora a tecnologia tenha seu peso, a escolha do padrão digital não será feita exclusivamente com base numa suposta superioridade de um dos três sistemas. Até porque, com a evolução tecnológica, as eventuais diferenças e desníveis atuais entre os três padrões tendem a desaparecer.

Assim, o Brasil poderá estar bem servido com qualquer um deles.

Royalties – Ao Brasil não convém pagar elevadas somas em royalties pelo uso da tecnologia a ser adotada. Desse modo, a preferência deverá recair sobre o padrão cujos detentores concordarem em eliminar, total ou parcialmente, a cobrança de royalties.

Produção local – Uma condição essencial para a escolha é que os televisores digitais sejam fabricados no País. O mercado brasileiro é um dos cinco maiores do mundo, justificando, assim, a produção local. Além disso, a importação dominante poderá pressionar de modo insuportável a balança comercial.

Exportação – Não basta ao Brasil ser auto-suficiente na fabricação de televisores. O governo deseja transformar o País numa grande plataforma de exportação desses produtos. Desse modo, o sistema que oferecer melhores perspectivas, não apenas de produção local como também de exportação de televisores digitais, terá maior chance de ser escolhido.

Componentes feitos aqui – No momento em que escolhe o padrão de TV digital, o Brasil quer aproveitar ao máximo essa oportunidade para incorporar o maior número de benefícios ao desenvolvimento de sua indústria eletrônica. Nesse sentido, o governo deseja que, além da fabricação local de televisores, tanto para atendimento da demanda interna como para exportação, o País se transforme num pólo mundial de microeletrônica.

Pesquisa – É essencial que a tecnologia escolhida possa ser permanentemente atualizada no Brasil, a partir de pesquisa e desenvolvimento realizados aqui. Os detentores do padrão que garantirem essa continuidade de atualização tecnológica levam vantagem na disputa.

Barganha – Por fim, a oportunidade de negociar a eliminação de barreiras aos produtos brasileiros em troca da adoção do padrão de TV digital pelo Brasil é considerada uma boa arma política nessa concorrência.

É pouco provável que o governo brasileiro obtenha êxito total nas reivindicações de vantagens que pleiteia, mas – na opinião de especialistas do governo – ?vale a pena tentar?. A idéia de utilizar a escolha do padrão de TV digital como mais um argumento nas negociações para eliminar barreiras contra os produtos brasileiros no exterior provocou reações iradas dos defensores da tecnologia ISDB japonesa.

Um dos modelos mais bem-sucedidos até aqui na introdução de novas tecnologias foi o da telefonia celular. Em 1996, o ex-ministro Sérgio Motta estimulou as empresas fabricantes não apenas a produzirem para mercado doméstico, mas, principalmente, para exportação. Desse modo, o Brasil tem exportado quase US$ 1 bilhão anuais de telefones celulares a partir de 1999.

Só a Motorola exportou no ano passado US$ 690 milhões de aparelhos celulares e estações radiobase."