Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Latim, neo-inglês, brasileiro

DESAFIO AOS LINGÚESTAS

Clovis Luz da Silva

Gostaria de responder ao primeiro item das perguntas feitas por Caia Fittipaldi na edição de 4/12/2002. Não há, do ponto de vista da lingüística e da história, como estabelecer meios para a coerção do uso indiscriminado de expressões estrangeiras, mormente do idioma inglês na questão presente, quando há seus termos correspondentes em nosso idioma, para, por meio dessa "proteção", salvaguardar a democracia e a soberania de qualquer povo no mundo por conta de um discurso "nacional". Entendendo-se nacional como sinônimo de "todos falam a mesma língua??.

Sob o aspecto lingüístico temos o verbo deletar como exemplo de como a semântica de uma palavra é superior à sua forma escrita, vindo a gerar outras formas devido à influência do idioma em que tal termo ocorre. O ilustre deputado Aldo Rebelo que quer, por força de lei, preservar o idioma português, foi motivado talvez pela ignorância pela falta de uma assessoria especializada em lingüística, que lhe pudesse explicar que muitos termos na língua inglesa e portuguesa têm origem comum, como é o caso de deletar, originada do latim delere, que significa apagar, destruir; daí em nossa língua o termo deletério, destrutivo, dentre outros.

História e razão

A história prova que é impossível coibir o caráter invasivo de uma língua, cuja imposição, que não ocorre da noite para o dia, pode muito bem determinar o surgimento de uma outra, visto não haver mecanismos que preservem as línguas existentes ? creio duvidoso tal possibilidade, a "proteção" compulsória de uma língua.

Não é de todo absurdo afirmar que o inglês, dentro de alguns séculos, pode determinar o surgimento de novos idiomas nos muitos países que hoje sofrem sua influência e onde hoje o inglês não é idioma oficial, mesmo que as línguas suprimidas contribuam com elementos para esse novo idioma tanto quanto o latim se mantém identificável nas línguas que originou.

Se culturalmente o latim está para o inglês assim como a dominação romana sobre os povos está, pela globalização, para a dominação dos EUA sobre muitos povos, é obvio concluir que o idioma do país dominante pode gerar transformações tão radicais a ponto de surgirem novas línguas nacionais, todas originadas naquele idioma.

Tal supremacia do inglês no mundo será realidade desde que os falantes das línguas que hoje sofrem sua influência passem a utilizar as variantes possíveis a partir de construções comunicativas apoiadas em termos e expressões da língua inglesa, configurando um processo de assimilação gradativa, culminado na "vitória" total do novo idioma.

E, no caso de isso ocorrer, a única maneira de se manter viva nossa língua da forma como hoje a conhecemos será através dos meios materiais de gravação que a tecnologia possibilitará; e os que falarão esse idioma novo certamente não sofrerão qualquer impacto, visto serem sujeitos no processo histórico de construção de sua língua, que será sua língua na medida em que ela for competente para produzir a comunicação necessária à convivência numa sociedade; tanto quanto somos nós os que hoje nos defrontamos dia-a-dia com a força cada vez mais avassaladora da língua inglesa, invasivamente para uns, naturalmente para outros. Peço desculpas aos antropólogos por tão chocante conclusão sobre a língua nacional.

Aliás, ela não é nacional porque todos os brasileiros falam a mesma língua? Então, nesse caso, seria melhor denominarmos nosso idioma de língua brasileira. O que quero dizer é que o fato de o inglês vir a influenciar os demais idiomas, originando outros, não extinguirá nenhuma nação do mundo. Não destruirá os povos nem sua soberania. Os povos continuarão sendo povos distintos, assim como distinto é o povo brasileiro do povo espanhol, do povo francês e do povo italiano, todos falantes de línguas neo-latinas, originadas no latim. Se viermos a falar um idioma neo-inglês deixaremos de ser brasileiros, deixaremos de ser uma nação democrática?

A história mostrará quem tinha razão nisso tudo.

(*) Estudante de Letras, Universidade Federal do Pará, Ananindeua, PA

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