Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Laura Mattos

LINHA DIRETA

“No aniversário, ?Linha Direta? sai do ar”, copyright Folha de S.Paulo, 23/5/02

“O ?Linha Direta? comemora três anos na próxima segunda-feira. De presente, o programa ganha a geladeira da Globo por, pelo menos, cinco semanas.

O policial -que faz reconstituição de crimes e instiga os telespectadores a denunciar foragidos- foi ao ar pela primeira vez no dia 27 de maio de 1999. Hoje, exibirá sua última edição antes da ?quarentena?, forçada -oficialmente- pela Copa. Mas, depois dos jogos, vem o horário eleitoral, que pode manter o ?Linha Direta? no freezer global. Ninguém sabe, na verdade, até quando fica lá.

O programa -criado para a ?guerra? contra o Ratinho- já teve épocas áureas no Ibope, com 35 pontos de média. Mas caiu e hoje não consegue passar da marca dos 27, 28, nada tão significativo para a Globo no horário.

Três anos depois de dizer ?a partir de hoje você está em linha direta com o seu direito, em linha direta com a cidadania?, o apresentador Marcelo Rezende, um dos criadores da polêmica atração, nem está mais na Globo (há um mês foi contratado pela Rede TV!) e faz críticas ao programa. Diz que casos com ricos e poderosos eram evitados. ?Não aguentava mais marido que matou mulher, mulher que matou marido.?

Afirma que a gota d’água para que deixasse o policial, pouco mais de um ano após a estréia, foi um episódio ?que mudaria a história do caso Daniella Perez?. Produzido e editado por Rezende, com entrevista com a autora Glória Perez (mãe da atriz assassinada em 92), foi, segundo ele, barrado pela Globo.

Abaixo, Rezende fala sobre essa e outras histórias do ?Linha Direta?, programa que teve como teste a ?histórica? entrevista com o maníaco do parque, exibida no ?Fantástico?, em novembro de 98 (?uma lambança que não teve tamanho?).

Folha ? O ?Linha Direta? foi a primeira experiência na Globo de misturar jornalismo com entretenimento. Quem teve essa idéia?

Marcelo Rezende ? O [Carlos] Schroder [hoje diretor da Central Globo de Jornalismo, na época, o segundo homem, abaixo de Evandro Carlos de Andrade] me disse: ?O Evandro mandou te perguntar se você quer fazer um programa na CGP [Central Globo de Produção, de shows e teledramaturgia]?. Encontrei-me com o [Roberto? Talma [um dos diretores da CGP?. Ele não tinha idéia do programa e começamos a construí-lo juntos. Daniel Filho sugeriu algo com procura e fotos. Mas o primeiro caso foi uma lambança que não teve tamanho. Fomos entrevistar o maníaco do parque. Editamos e levamos à direção da Globo. Dissemos que aquele poderia ser o formato. A Marluce [Dias da Silva, diretora-geral] quase enfarta, achou punk demais. Mas o Evandro mandou que tirássemos da edição umas maluquices para pôr no ar.

Folha ? Então tinha mais ?maluquices? do que as que foram ao ar?

Rezende ? Não. Na hora de editar, acabamos deixando do jeito que estava. Decidimos bancar. Botamos no ar e deu 53 de pico, às 23h. Foi um estrondo. Pensei: ?Estou com a vida feita aqui dentro, ganhei o jogo?. Nunca tomei tanto esporro na vida. A imprensa quase me mata. Pedi demissão de tanta vergonha. Uma coisa é o entusiasmo e outra é depois que você reflete. É óbvio que a gente errou a edição. A Globo me deu férias e o projeto [do ?Linha Direta?? micou. Mas aí o Ratinho disparou, começou a dar 33, 34 de média, e a Globo, 20. A Marluce, então, pediu que voltássemos com o projeto. Fechamos a primeira idéia na casa do Talma, comendo dobradinha às 9h.

Folha ? E por que você saiu?

Rezende ? Eu queria mexer no programa e começaram a barrar. Houve briga de egos. O ego mais forte era o meu. Imagine um jornalista fazendo um programa que dava quase 40 pontos! Além disso, eu queria participar da reconstituição e não deixaram.

Folha ? Mas você na reconstituição do crime não poderia virar uma confusão para o telespectador?

Rezende ? Não. As pessoas gostam. Porque aquilo ali era muito mais a dramaturgia.

Folha ? Mas não é problemático, como quando um telespectador denunciou um ator de uma reconstituição -achando que fosse o criminoso-, que quase foi preso?

Rezende ? Mas acontece. Já viu quando um jogador de futebol sai do estádio e dão pedrada nele?

Folha ? Mas nesse caso as pessoas querem dar pedrada nele mesmo.

Rezende ? Mas acontecia (risos). Era natural, porque o grande barato era que os atores eram parecidos com os procurados. Era um truque para fazer com que as pessoas participassem daquilo. Você acha que é mole derrubar o Ratinho com 30 e tantos pontos de audiência? É barra-pesada.

Folha ? Do que você não gostava?

Rezende ? Os casos eram sempre com pessoas pobres ou de classe média. Eu queria pegar os ricos.

Folha ? Quem fazia essa seleção?

Rezende ? A CGJ [Central Globo de Jornalismo?.

Folha ? Que casos tentou produzir e não foram aprovados?

Rezende ? Tinha um senador que eu sabia que estava envolvido num crime… Isso não foi bem recebido. Não sei se é receio ou discriminação. Um que me aborreceu muito foi quando começamos a levantar novamente o caso da Daniella Perez. Eu conversei com a Glória várias vezes. Mesmo o caso já tendo sido julgado, tínhamos uma testemunha que até hoje ninguém ouviu. Não vou contar porque uma hora eu uso. O cara estava aposentado da polícia, pescando em paz. Fizemos ele contar a história, editamos o programa. A Glória participou. Por decisão da CGJ, o programa não foi ao ar. Foi a gota d’água.

Folha ? Isso poderia mudar a história da morte de Daniella Perez?

Rezende ? Havia uma dúvida e a testemunha modificava a história. Eu sabia que o negócio estava errado. Aí perdi a paciência. Não ia passar o resto da minha vida mostrando crime de mulher que matou o marido ou marido que matou a mulher. Queria mais.”

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“Globo nega discriminação de classe social”, copyright Folha de S.Paulo, 23/5/02

“Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação (CGCom), respondeu às criticas feitas pelo jornalista Marcelo Rezende.

Por e-mail, afirmou que o ?o material sobre o assassinato de Daniella [Perez? não foi para o ?Linha Direta? porque o objetivo [do programa? é a localização de culpados. Os responsáveis por esse crime já estavam presos e cumprindo pena, não se enquadrando na proposta?.

?Com relação à reportagem ?sobre um senador’?, disse Erlanger, ?a direção do programa ignora do que se trata?. Ele nega que o ?Linha Direta? privilegie casos com ?pessoas pobres? e afirma que ?já foram ao ar diversas reportagens envolvendo políticos, empresários, membros do Judiciário e profissionais liberais, sem discriminação de classe social?.

O diretor da CGCom disse também que ?Marcelo Rezende trabalhou anos na Globo [o jornalista foi contratado da emissora por 16 anos e foi para a Rede TV! há um mês? e sabe que as únicas restrições impostas à veiculação de reportagens acontecem quando há problemas na apuração ou de natureza ética. Na verdade, ele foi substituído no programa antes da decisão da não-renovação do contrato dele [quando saiu do ?Linha Direta?, Rezende passou a fazer reportagens para o ?Fantástico? e o ?Jornal Nacional’]?. ?Também não pode se queixar do tratamento leal que sempre recebeu por aqui, inclusive quando viu seu trabalho questionado.?”

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“Livro analisa estratégia do programa”, copyright Folha de S.Paulo, 23/5/02

“Além de ganhar de presente a geladeira da Globo, o ?Linha Direta? também recebe no aniversário de três anos um livro que não economiza críticas à atração.

Lançado este mês, ?A Punição pela Audiência? é o resultado da tese de mestrado que o jornalista Kleber Mendonça, 30, apresentou na Universidade Federal Fluminense há um ano. Em tom acadêmico, Mendonça levanta truques de edição que, para ele, podem deturpar o que de fato aconteceu.

Sua principal conclusão é que o programa é uma estratégia da Globo para se transformar em autoridade, porque promete aquilo que a Justiça não consegue fazer. Segundo o autor, a emissora usa esse artifício para se colocar como ?prestadora de serviço, defensora da cidadania?.

O livro levanta também episódios trágicos ligados ao programa, como o linchamento de um homem, em fevereiro deste ano, que foi preso após ser denunciado pelo ?Linha Direta?. Sobre esse episódio, a Globo diz que seu papel ?não é diferente de qualquer outro veículo de comunicação que divulga a ação de criminosos. Vale lembrar que, embora segurança pública seja um dever de todos, cabe ao Estado dar garantias de vida aos seus presos?. A emissora não quis comentar o livro. ?Não podemos considerar esse estudo, que não teve nem o cuidado de ouvir a Globo.?”

“?Linha Direta? já ajudou a prender 200 foragidos”, copyright O Globo, 25/5/02

“No ano do seu terceiro aniversário, o programa ?Linha direta?, da Rede Globo, chega à marca de 200 foragidos presos graças às histórias mostradas. Segundo o diretor-geral, Milton Abirached, o ?Linha direta? vem cumprindo importante papel social.

? Esse número, de 200 foragidos, é excepcional, muito bom. Se o programa não existisse, alguns casos nunca seriam resolvidos ? disse.

A partir de quinta-feira, por causa da Copa, o programa ficará fora do ar durante cinco semanas. Mas as denúncias não vão parar. No horário do programa será mostrado o ?Plantão linha direta?.

? Serão pílulas do programa, prestando contas ao público de quem foi preso, mostrando alguma entrevista com foragidos. E, o que é muito importante, a central de denúncias estará sempre funcionando ? disse Abirached.

Em outubro de 2000, a cantora Deborah Blando procurou o ?Linha direta? para denunciar o assassinato de sua prima Tatiana Harmatiuk Bortolusso. Ela foi morta pelo ex-marido em Cacoal, Rondônia.

? Ele foi preso um dia depois de a chamada do ?Linha Direta? ter ido ao ar. Sou muito grata ao pessoal do programa, porque a polícia já tinha desistido de capturá-lo. Realmente o ?Linha direta? tem uma função muito importante ? disse Deborah.

Para o procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, José Muiños Piñeiro Filho, o programa é fundamental para a identificação de foragidos. Além disso, segundo ele, mostra as dificuldades das investigações:

? É um importante veículo de comunicação e de serviço social, na medida que o programa fornece elementos para aprofundar investigações e esclarecer a população quanto às dificuldades que o poder público, notadamente o Ministério Público e o aparelho policial, tem para esclarecer fatos criminosos.

Para Eduardo Clark, pai do estudante Eduardo Calazans Clark, assassinado pelo garçom Vilson Brecher na saída de um forró na Barra da Tijuca, em 1994 (o assassino foi mostrado no ?Linha direta?, localizado e preso), o programa é de uma utilidade pública extraordinária.

? Ele chega a muitos lugares e sua importância é fundamental. Além de expor o caso para milhares de pessoas, os criminosos ficam expostos de uma tal maneira que eles temem pela própria segurança. Eles sabem que as pessoas viram o programa e podem denunciá-los ? disse.

Telefone de denúncias ficou congestionado

O presidente da Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), Lauro Monteiro, disse que ficou impressionado com a repercussão do programa:

? Quando estive no programa, dei nosso telefone de denúncias. Ele não parou de tocar durante três dias.”