Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Laura Mattos

RÁDIOS RURAIS

"Rádios rurais levam mulheres do campo a Lula", copyright Folha de S. Paulo, 6/08/03

"No próximo dia 26, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá enfrentar uma manifestação de trabalhadoras rurais reivindicando urgência na reforma agrária. A 2? Marcha das Margaridas reunirá em Brasília cerca de 50 mil mulheres, de acordo com a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), que organiza o ato.

Por trás dessa mobilização, está o poder das rádios rurais, muitas vezes o único meio de comunicação disponível no campo. Estações de FM, AM e ondas curtas têm programação especialmente elaborada para integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), assalariados de fazendas, agricultores familiares e pescadores artesanais. Entre uma música caipira e uma campanha de saúde, cultiva-se nesse dial a politização agrária.

Dentre os líderes, cresce a idéia da importância da formação de uma rede nacional rural. Atualmente, já são 275 emissoras transmitindo ?A Voz da Contag?, produzido pela empresa de comunicação Oboré, de São Paulo.

Por R$ 24 mensais, o CD com o programa é enviado às sextas-feiras às rádios, a maioria ligada a sindicatos. Também há transmissão em emissoras de igrejas, comunitárias e em horários arrendados de AMs e FMs comercias.

Com 40 minutos de duração, ?A Voz da Contag? é formada por noticiário sobre questões agrárias, músicas regionais, a ?Cesta Básica de Entrevistas? e a ?Carta Falada?, com mensagens de dirigentes dos movimentos rurais.

Por essas ondas, sindicatos conseguem convocar até trabalhadores das mais longínquas áreas, de locais em que não há nem TV.

Em agosto de 2000, a primeira edição da Marcha das Margaridas levou 25 mil mulheres de várias regiões do país à porta do Palácio do Planalto. O então presidente Fernando Henrique Cardoso acabou recebendo a liderança do ato, que lhe entregou uma lista de reivindicações com um milhão de assinaturas, segundo a Contag.

Agora é a vez de Lula encarar o poder das rádios rurais, que, lá no passado, o PT ajudou a construir

A importância das emissoras no campo será tema de debate na Escola de Comunicações e Artes da USP. O seminário ?Comunicação a Serviço do Brasil Rural: Experiências, Dilemas e Perspectivas? vai ser realizado na próxima segunda, dia 11, das 8h30 às 12h30, no Departamento de Jornalismo e Editoração (avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo). Estarão presentes pesquisadores, representantes do governo, de sindicatos, da Contag e do MST."

 

CENSURADO PELO TRÁFICO

"?Falcão? e MV Bill frustram expectativas", copyright Folha de S. Paulo, 6/08/03

"Eu e a torcida do Flamengo nos preparamos para ver ?Falcão – Os Meninos do Tráfico?, documentário produzido pela Globo com a Central Única das Favelas (Cufa), com a participação do rapper MV Bill e de seu empresário-produtor Celso Athayde, que seria mostrado no ?Fantástico? do último domingo.

MV Bill e Athayde frustraram as expectativas da emissora e dos telespectadores, cancelando a exibição na última hora. Fica a curiosidade sobre os misteriosos motivos que nos privaram de ver o filme. Mas principalmente fica a vontade de apreciar o produto de uma parceria inédita e ousada.

Ficamos sem saber como funcionou a dinâmica de produção. Não pudemos ver se o resultado da empreitada se diferencia de filmes recentes denunciados como apropriação ilegítima de repertório. Quais as novidades de forma e conteúdo sugeridas em um trabalho produzido em parceria com os próprios moradores das favelas? Qual o significado desse controle inédito -e bem-vindo- sobre a produção de cultura?

Podemos especular sobre as razões que suspenderam a veiculação do documentário. Estariam em ação terríveis forças ocultas? Estaria em jogo o temor da repetição do destino de Marcinho VP? Teriam fantásticas esperanças de exibição cinematográfica, com direito a tapete vermelho na calçada da fama, seduzido nossos realizadores estreantes?

Ou nem uma coisa, nem outra, estaríamos diante de uma inexplicável, mas simples mudança de conduta, uma variação de humor, uma prepotência assustada diante do grau elevado, quase máximo, de visibilidade que o documentário traria?

Talvez não haja uma explicação persecutória. Provavelmente uma resposta convincente resulte de uma combinação de vontades, pressões, temores e idiossincrasias sintomática da instabilidade e da falta de confiança que nos ameaça.

O rap e outras manifestações escritas marcam uma apropriação da norma culta em universos anteriormente representados como um ?outro?, pobre, que poderia ser bom ou mau, mas sempre um outro. A safra recente de filmes que abordam esse universo de alguma forma incorpora expressões dessa cultura ?autêntica?.

O documentário tinha -ou quem sabe ainda tem- a chance de ir mais longe, trazendo um universo representado a partir ?de dentro?, para o meio de comunicação mais popular. Em uma situação saturada por enfrentamentos, redes heterodoxas como essa podem, quem sabe, estimular sinergias inspiradoras de novas sociabilidades.

Por essas e outras, não vi e não gostei (de não ter visto)."