Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Laura Mattos

TERROR & HORROR

"Drama americano adia encontro de TV no Rio", copyright Folha de S. Paulo, 13/09/01

"O 1? Encontro Internacional de Televisão, que seria realizado de hoje a sábado no Rio de Janeiro, foi adiado em razão dos ataques sofridos pelos Estados Unidos.

O evento iria contar com a presença de Chris Cramer, presidente da CNN Internacional, e de Ron Simon, diretor do Museu de Televisão de Nova York, que cancelaram a participação terça à tarde.

O encontro estava sendo organizado pelo recém-criado Instituto de Estudos de Televisão, dirigido pelo jornalista e documentarista Nelson Hoineff.

?Mesmo no meio da confusão de ontem [terça], Cramer conseguiu um tempo e ligou para mim, dizendo que não poderia vir. A falta dele e de Simon já enfraqueceria a discussão. Além disso, a maior cobertura da história da TV pode estar ocorrendo agora e precisamos debater essa questão nesse encontro. Por tudo isso, decidimos adiá-lo?, diz Hoineff.

Para ele, os acontecimentos nos EUA devem dar mais importância à mesa que debaterá telejornalismo, formada por Chris Cramer, Amaury Soares, diretor de jornalismo da Globo, Boris Casoy, editor-chefe do ?Jornal da Record?, e Eugênio Bucci, secretário editorial da Abril e crítico de TV.

Além desse debate, estava programada a participação dos apresentadores Ratinho, Serginho Groisman, do diretor da Globo Daniel Filho, do roteirista Euclydes Marinho, entre outros.

Segundo Hoineff, cerca de 300 pessoas já estavam inscritas para os debates, que aconteceriam no hotel Glória. Até o fechamento desta edição, os organizadores ainda não haviam definido a nova data, mas esperavam marcar para daqui a três semanas, no máximo.

O site www.encontro.tv deverá trazer as informações sobre mudanças na programação e datas."

 

"A guerra era de verdade", copyright Carta Capital, 17/09/01

"Desde a manhã de terça-feira, alguém de quem andava-se dizendo coisas horríveis vem mantendo mais de um bilhão de reféns sob a mira de sua agilidade jornalística e de sua competência no que diz respeito a guerras, rebeliões e tragédias em geral. Se não fosse macabro, daria até para pensar que a CNN e Ted Turner, a perene fonte de sua mística, têm parte com o terror.

Os atentados em Nova York e em Washington – que a pequena tela da mais internacional das emissoras de tevê titulou, com estro patriótico, ?Ataque à América? – trazem, de novo, para debaixo do holofote da audiência de massa uma opção de jornalismo on-line e full-time que parecia, nos últimos tempos, condenada a viver só de prestígio. A CNN não é mais a mesma, sussurrava-se, aqui e ali, e os executivos da emissora de Atlanta, Geórgia, eram os primeiros a acreditar nisso.

Uma discreta revolução estava a caminho – a terça-feira de pesadelos apenas apressou o processo. Até a MTV, sensível à evidência de que não era hora para a alegria dos quadris sacolejantes de Britney Spears, se ligou na cobertura live da CNN, o que fez com que por longas horas estivessem compartilhando das mesmas imagens e da mesma perplexidade chefes de Estado, como Vladimir Putin e Fidel Castro, e aquele teenager de espinhas no rosto para quem Bin Laden deve ser de alguma banda nova de Berlim. A rigor, tudo o que as outras emissoras fizeram, inclusive as nossas, foi dublar a CNN.

Na encruzilhada problemática entre jornalismo e entretenimento, a CNN há tempo fixou um padrão e decretou a temperatura, ainda que, obediente à própria natureza do veículo, sofra de recaídas de show business. Com repórteres envoltos em poeira e fuligem, sob o estrondo dos petardos, sempre pioneiros no teatro (palavra adequada) de combate, a CNN inaugurou o star system do telejornalismo – a ousadia pessoal, glamourizada e amplificada por astros como Pete Arnett, Bernard Shaw e Christiana Amanpur, sobrepondo-se à anônima massa de produtores e editores da linha de montagem.

Em 1991, na Guerra do Golfo, a CNN extrapolou no estilo fantástico, aproveitando-se de um evento que não tinha nada de campanha convencional e tinha tudo de videogame que crianças belicosas adoram. Os céus de Bagdá, pontuados de riscos incandescentes, não pareciam cortados por mísseis e, sim, por fogos de artifício. Na nova batalha virtual, a tevê, quer dizer, a CNN, é quem dirigia o espetáculo.

As estrelas se aposentaram e a Broadway do jornalismo de expediente pleno empalideceu num elenco correto, porém medíocre. Executivos da emissora buscavam a fórmula da magia dos velhos tempos quando a primeira explosão abriu um rombo no peito do mundo financeiro de Nova York. O alerta soou em Atlanta e a CNN acionou o SOS que vinha formatando, com desvelo, para as próximas semanas. O foco era no noticiário matutino – novo filão para uma América que acorda cada vez mais cedo para fazer fortuna.

Uma das facetas desse SOS adquiriu a silhueta loura de Paula Zahn, ex-Fox. Num modelo Prada, a estrela que a emissora vinha guardando a sete chaves se encarapitou numa platibanda de onde se descortinava o enfumaçado cenário das torres condenadas e, ao lado de Jeff Greenfield, outra novidade, ancorou a tragédia. Paula e Jeff proporcionaram um contraponto de natural elegância a uma cobertura com detritos de oba-oba oficialesco e de vingativa retórica patrioteira. Agora havia Paula e Jeff, com sua inovadora serenidade – ela se permitindo até um toque sobre as parcas horas de sono e o café corrido na deli da redondeza, ?para ingerir alguma cafeína?.

Já que os clipes de guerra se passavam, dessa vez, em cenário familiar a todos os americanos, a realidade se instaurou, cruel, impondo-se sobre a ficção e a fantasia. Mesmo que os terroristas tenham visto um pouco demais os filmes de Hollywood sobre terroristas, sobrecarregados de símbolos nos quais só acreditam turistas desavisados, produtores de Hollywood e terroristas sanguinários, a tevê entendeu que era coisa séria e a revelou, com compungida seriedade.

Se piada houve, foi o desembarque do presidente Bush do helicóptero número 1, a continência vigorosa para o mariner, os passos coreografados em direção ao Gabinete Oval – ele que se escondeu de pânico. E, depois, aquele discurso lido no teleprompter, texto de profissional, seco, curto como exige a tevê, tão alheio ao próprio Bush que o presidente dos Estados Unidos deu a impressão de ser o esbugalhado protagonista de um circo de marionetes. Com Bush no poder, a mentira vai continuar mandando no espetáculo."

 

"Patriotismo nas telas", copyright Jornal do Brasil / New York Times, 17/09/01

"Em resposta aos atentados a Nova Iorque e a Washington, executivos da indústria cinematográfica e televisiva afirmaram que filmes que retratam ações terroristas, seqüestros, explosões e toda forma de violência, popular nos anos 90, serão substituídos por histórias de patriotismo e dramas familiares. ?Você não vai querer ver nada obscuro e dramático agora. As pessoas estão procurando céus azuis?, disse Dana Walden, presidente da Fox.

Ed Gernon, vice-presidente-executivo da Alliance Atlantis, uma promissora produtora, concorda. ?Nós vemos a indústria do entretenimento agora como algo mais completo, em que os filmes servem para reforçar valores americanos. Certamente, estamos entrando em uma época mais suave?, disse Gernon.

Impacto – Para muitos escritores e produtores, os atentados terão igual impacto sobre a cultura nacional como o provocado pela Segunda Guerra Mundial e pelo assassinato do presidente John F. Kennedy. Em ambas as ocasiões, o país deu preferência à diversão em família, e filmes como Marry Poppins e A noviça rebelde fizeram sucesso.

Doug Wick, produtor de Gladiador, disse que, quando o mundo está em perigo, as pessoas voltam-se para Hollywood em busca de duas horas de refúgio. ?Filmes sobre militares receberão pouca atenção?, afirmou Wick.

As redes de TV americanas ABC e NBC afirmaram ser muito cedo para fazer qualquer previsão. Na opinião de Scott Sassa, presidente da NBC, será buscado o equilíbrio entre notícia e divertimento."

 

"No limite da alienação", copyright Globonews (www.globonews.com), 16/09/01

"Você conhece alguém que não saiba ainda dos atentados de terça-feira? Pois há. Alguns dos participantes do reality show Big Brother, que é produzido, atualmente, em cinco países diferentes, não sabem de nada. O programa reúne um grupo de pessoas numa casa sem contato algum com o mundo exterior. Câmeras de TV e microfones instalados em sua volta registram o contato entre os membros do grupo. A cada semana, um deles é eliminado, como no nosso No limite. Mas a premissa do programa é acompanhar o comportamento de pessoas que não lêem jornais, não ouvem rádio, não vêem televisão, não se conectam à internet e não falam ao telefone. Pois nas versões que estão sendo exibidas na Bélgica, na Dinamarca e na África do Sul, os produtores resolveram deixar os concorrentes sem saber de nada. Foi aberta uma exceção na Holanda. Lá, os concorrentes foram informados e as câmeras registraram suas reações. Nos Estados Unidos, onde o show já está em seus episódios finais, só três pessoas ainda moram na casa – de um total de 12 do início da série. Por coincidêcia, a irmã de um destes três participantes estava no 90? andar da Torre Sul do World Trade Center na hora do atentado e continua desaparecida. Os produtores do programa acharam de bom tom informar ao concorrente o que estava acontecendo. Mas garantem que não vão transmitir as imagens de sua reação."

 

"Fita autêntica", copyright Globonews (www.globonews.com), 15/09/01

"Desde hoje cedo estou recebendo e-mails alarmados dizendo que a cena dos palestinos celebrando o atentado, mostrada à exaustão em todos os canais, é uma fita da época da Guerra do Golfo, reaproveitada agora pela CNN. Como todo hoax, este também já deu a volta ao mundo. Eason Jordan, editor-chefe de noticiário da CNN (minha tradução para o cargo de Chief News Executive), diz que a simples sugestão de que a emissora pudesse fazer isso é ridícula, e destituída de qualquer fundamento. O vídeo, diz ele, foi feito na terça-feira, em Jerusalem, por uma equipe da Reuters, e inclui comentários de um dos palestinos elogiando Osama Bin Laden — que, na época da Guerra do Golfo, é bom lembrar, ainda não estava no mapa. Os jornalistas que filmaram as celebrações, acrescenta Jordan, foram ameaçados pelas autoridades palestinas."

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"Cobertura dos ingleses e da RAI", copyright Globonews (www.globonews.com), 14/09/01

"A imprensa inglesa está, como sempre, dando um show. Da cobertura nota dez da BBC aos artigos de opinião do Guardia n e do Daily Telegraph, a gente vê que o pessoal está fazendo uma coisa rara nesses dias confusos: pensando.

Outra européia que está se saindo muito bem é a RAI, italiana. Os comentaristas e especialistas convidados têm sido invariavelmente bem escolhidos, falam direito e com bom conhecimento de causa — não se esqueçam que os italianos conviveram anos a fio com as Brigadas Vermelhas, e têm, conseqüentemente, um bom know-how de combate ao terrorismo."

 

"A cobertura diferente da TV americana", copyright Globonews (www.globonews.com), 13/09/01

"O tom de voz dos apresentadores. As vinhetas retumbantes, o calor das transmissões ao vivo. Está tudo lá. É a CNN em mais uma insuperável cobertura imediata das tragédias mundo afora. Mas desta vez tem uma diferença: é em casa. E as regras são outras.

Garrick Utley, o veterano âncora da emissora em Nova York, volta ao ar para a enésima atualização da cobertura do atentado contra as torres do World Trade Center e pede desculpas. ?Vocês devem estar se perguntando por que não temos imagens de perto do local?, diz ele aos telespectadores. ?É que toda a mídia tem sido mantida à distância?, informa. As autoridades novaiorquinas acham que a presença de dezenas de equipes de TV e fotógrafos atrapalha o esforço de resgate. ?E , nas próximas horas e dias, centenas de corpos começarão a ser retirados dos escombros. É preciso saber se as pessoas querem ver essas cenas?, esclarece o apresentador.

Pelo jeito, o comportamento e a ética da imprensa americana são afetados pela geografia. O canal de notícias, a exemplo dos seus concorrentes eletrônicos ou impressos, não demonstra toda essa preocupação quando as tragédias acontecem em países exóticos e desprovidos de tantos pudores. A disposição para exibir cadáveres ensanguentados – tão comum quando as reportagens vêm de lugares como Jerusalém, Ramallah, Sarajevo ou Bogotá – parece contida quando os corpos são de gente tão americana quanto os jornalistas e os telespectadores que lhes assistem.

O mesmo tipo de comedimento parece ter norteado a decisão dos produtores de filmes como ?Collateral Damage?, com Arnold Schwarzenegger, e ?Big Trouble?, com Rene Russo. As estréias, marcadas para as próximas semanas, foram prudentemente engavetadas. Os dois filmes falam de terrorismo.

Assunto que os americanos já não vêem apenas nas coberturas de lugares distantes e subdesenvolvidos. Quando a notícia brota no próprio quintal, a moderação impera."

    
    
                     
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