Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Laura Mattos

CASO SONINHA

"Soninha afirma que não está arrependida", copyright Folha de S. Paulo, 21/11/01

"A apresentadora Soninha, 34, passou ontem o dia entre bate-papos na internet e entrevistas para a TV, rádio, jornais, revistas.

No fim da tarde, pegou no celular um recado de sua mãe, que lera na revista ?Época? a entrevista na qual a filha declara que fuma maconha. ?Ainda nem consegui ligar para ela. Nunca tínhamos conversado sobre isso, mas na gravação ela disse que entendeu.?

Em reportagem de capa da última edição de ?Época?, Soninha, entre outros, assume que fuma maconha. A revista espalhou outdoors com a foto da apresentadora e o título: ?Eu fumo maconha.?

Na segunda, Soninha, colunista da Folha, foi demitida da TV Cultura, onde apresentava o ?RG?, programa para o público jovem.

Decidida a levar adiante o debate sobre o uso da maconha, ela diz não ter se arrependido do que fez. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que ela deu à Folha.

Folha – Depois de receber a notícia da demissão, você se arrependeu de ter declarado à revista ?Época? que fuma maconha?

Soninha – Não, de jeito nenhum. Só me arrependi de não ter perguntado o que seria feito com minha foto, se eu seria capa da revista. Antes mesmo da demissão, já havia me arrependido disso.

Folha – Você tem criticado o modo como a ?Época? editou a reportagem. A revista afirmou que foi avisada de que seria uma reportagem de capa. Quais são os motivos por que pretende processar a ?Época??

Soninha – É bem diferente você ser entrevistado para uma reportagem de capa, entre várias outras pessoas, e ser a capa da revista. É bem diferente eu estar na matéria e minha foto estar na capa da revista, que ainda por cima é um outdoor. Até agora eu não me conformo. Vejo a capa, fico constrangida. Não posaria para uma foto dizendo ?eu fumo? nem que isso fosse permitido por lei.

Folha – Por quem e como foi comunicada da demissão na Cultura?

Soninha – O Walter Silveira (diretor de programação) me chamou e disse: ?Você nos colocou numa sinuca de bico. A gente não tem outra saída. A sua imagem é incompatível com a TV Cultura?. O que mais eu achei absurdo foi a frase: ?Como a gente vai defender qualidade de programação com uma apresentadora que fala uma coisa dessas??. A programação não ter nada a ver com isso.

Folha – Especialistas acreditam que uma empresa deva oferecer tratamento médico a funcionários que têm problemas com drogas ou álcool e não demitir. Na Cultura, chegaram a fazer essa proposta?

Soninha – A Cultura iria sugerir isso se fosse me manter lá. Eles sabem que não tenho problemas de saúde, que não sou dependente. Imagina se preciso de tratamento! Mas nem falaram nisso. A preocupação é com a imagem da Cultura, com a do presidente da fundação (Fundação Padre Anchieta, que controla a emissora).

Folha – Pretende tentar reaver o cargo de alguma maneira?

Soninha – Não, de jeito nenhum.

Folha – Voltaria à emissora se a direção voltasse atrás da decisão?

Soninha – Acho que sim. Gostava de fazer o programa.

Folha – Foi a primeira vez que admitiu publicamente o uso da maconha? Por que tomou essa decisão?

Soninha – Tão abertamente, sim. Mas já havia dito isso nas entrelinhas. Tomei a decisão de tornar as coisas claras porque me perguntaram claramente, porque a intenção era discutir o estigma.

Folha – Você tem duas filhas adolescentes, de 15 e 17 anos. Como discute esse assunto com elas? Tem liberdade de fumar em casa?

Soninha – Durante muito tempo, se me viam fumando, eu não falava que era maconha. Não falaria sobre um assunto que não pertence ao universo infantil. A partir de uma certa idade, já sabiam o que era maconha e sempre fizeram a mesma cara de nojo para a maconha que faziam para o cigarro. Nunca tiveram vontade de fumar.

Folha – Conversou com elas sobre a decisão de abrir o jogo? Teme que sofram algum preconceito?

Soninha – Falei para elas antes de sair a matéria. E avisei: ?Vai dar o maior rebu?. Elas me perguntaram por que tinha falado. Disse que falei porque não me conformo com essa mentira em que a gente vive, com pessoas que acham que maconha transforma uma pessoa normal em um maluco transtornado. Elas entenderam e falaram: ?Vai dar rebu mesmo. Imagina quando sua mãe ler!?. Mas tenho certeza de que elas têm estrutura para lidar com isso."

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"?Caso Soninha? vira debate político", copyright Folha de S. Paulo, 22/11/01

"O caso da apresentadora Soninha, que foi demitida da TV Cultura por declarar publicamente que fuma maconha, foi debatido ontem no Senado Federal e na Câmara Municipal de São Paulo.

O vereador Carlos Giannazi (PT) leu no plenário uma moção de repúdio à atitude da Cultura. O objetivo era encaminhá-la a Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação Padre Anchieta (que administra a TV), a Geraldo Alckmin e a Fernando Henrique. Alguns vereadores se manifestaram contrários à moção e a votação do documento foi adiada para hoje.

Giannazi enviará uma convocação a Cunha Lima para que ele dê uma explicação da demissão na Comissão de Educação e Cultura, da qual o vereador é membro.

?A TV Cultura é pública e a sociedade tem o direito de ouvir uma explicação do presidente da fundação sobre essa decisão arbitrária?, diz o vereador.

Giannazi marcou para a próxima quarta-feira, às 11h30, um ato de desagravo na Câmara para demonstrar apoio à apresentadora. ?Vamos convidar artistas, jornalistas, intelectuais, pessoas que tiveram problemas com drogas, como (cantor) (cantor) e Dinei (ex-jogador do Corinthians).?

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) criticou a atitude da Cultura, ontem, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que discutia projeto de lei sobre prevenção e combate ao tráfico e uso de drogas.

Suplicy afirmou também que o fato de a apresentador dizer que ?é usuária em certos momentos não a coloca como viciada?.

O senador Romeu Tuma (PFL-SP), presente à reunião, também se pronunciou sobre o caso, mas não criticou a demissão. ?A Cultura tem um regimento interno. Não quis entrar no mérito da demissão. Mas a declaração dela pode influenciar negativamente os jovens?, disse Tuma à Folha.

Outro lado

Jorge da Cunha Lima, por meio de sua assessoria, afirmou que não irá comentar o assunto.

Desde a demissão da apresentadora, na segunda, a única manifestação da emissora foi um comunicado oficial, afirmando que ?não pode permitir a manifestação pública, por seus funcionários e colaboradores, de práticas atentatórias às leis vigentes no país?."

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"Me senti sob o Taleban?, diz reitor do Mackenzie", copyright Folha de S. Paulo, 22/11/01

"Cláudio Lembo, reitor da Universidade Mackenzie e presidente do PFL em São Paulo, afirma que a demissão da apresentadora Soninha ?foi um grande equívoco?.

?Sou conservador e não nego. Mas uma coisa é o conservadorismo e outra é não dialogar com o mundo contemporâneo. (Quando soube da demissão) eu me senti sob o Taleban?, diz Lembo.

?A entrevista que a Soninha deu (à revista ?Época?, declarando fumar maconha) não foi boa nem para ela nem para a sociedade. Mas não justifica uma demissão tão abrupta. Eu já passei por situações semelhantes na universidade e não se pode tratar essa questão com intolerância, é preciso manter o diálogo?, afirma Lembo.

ONU

O juiz Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Antidrogas, disse que a decisão da TV ?vai na contramão da tendência internacional e abre caminho para o preconceito e a marginalização?.

?Na assembléia especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para discutir drogas, realizada em 1998, o Brasil foi um dos países que assinaram um acordo que determinava, entre outros pontos, o compromisso de resgatar a dignidade do usuário. A TV Cultura, com essa posição, deve causar indignação internacional?, diz Maierovitch.

Ele afirmou ainda que esse acordo assinado pelo Brasil tem validade de dez anos.

Segundo Maierovitch, a emissora poderia, por exemplo, ter tirado a apresentadora Soninha do comando do programa ?RG?, voltado aos jovens, se achasse que isso poderia influenciar negativamente o público.

?Colocar o funcionário em outra função seria uma das medidas a ser tomada pela empresa nesse caso. Até poderia ter sugerido um tratamento médico, se fosse necessário. Mas agindo assim, com a demissão, tomou uma medida ultrapassada e violou direitos elementares da pessoa.?

Cansaço

Depois da demissão, na segunda-feira, Soninha passa praticamente o dia todo dando entrevistas e participando de debates sobre o uso da maconha.

Segundo sua assessoria de imprensa, a apresentadora, apesar de cansada, pretende continuar o diálogo sobre o assunto, já que essa era justamente a sua intenção ao abrir o jogo?."

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"Revista diz que teve cuidado com a edição", copyright Folha de S. Paulo, 21/11/01

"Angélica Santa Cruz, editora-executiva da ?Época?, afirmou que a revista havia avisado Soninha que a reportagem seria capa.

Ela diz que a edição da capa, com uma foto da apresentadora sorrindo, está de acordo com o conteúdo da reportagem, ?que tem a intenção de tirar a sombra das pessoas que fumam maconha?. ?Essa é a linha da matéria, acabar com o preconceito, mostrar que há pessoas que fumam e levam uma vida normal. É claro que nos preocupamos também em dizer que a maconha pode trazer sérios problemas.? Sobre o outdoor, a editora diz que ?ele cumpre a função de ser uma peça publicitária da revista?."

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"Demissão deverá render processo na Câmara", copyright Folha de S. Paulo, 21/11/01

"O deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ) disse que irá abrir um processo interno na Câmara para pedir explicações à Cultura sobre a decisão de demitir Soninha. ?Uma emissora que se intitula Cultura deveria ser um espaço de tolerância e debate, e nunca agir de forma preconceituosa. É uma TV pública e deve uma explicação à sociedade.?

?Demitir um funcionário ao descobrir que ele usa droga seria a atitude menos indicada a uma empresa. Se considera que a apresentadora tem um problema, deve oferecer a chance de continuar sendo produtiva e não afastá-la, jogá-la na marginalidade.?

A TV Cultura, por meio de sua assessoria, afirmou não ter sido informada do processo e por isso não irá comentar o assunto.

Marcelo Tas, apresentador do ?Vitrine?, da TV Cultura, também discorda da decisão da emissora. ?Não acredito que a Soninha mereça essa punição?, diz.

Ele diz, no entanto, que a discussão mais importante nesse episódio é a maneira como a ?Época? usou a imagem e as declarações de Soninha. ?A revista deturpou as palavras da Soninha, transformando uma declaração em slogan publicitário.?

Ele acredita que a ?Época? não poderia usar a foto da apresentadora em outdoor sem consultá-la. ?E o título ?Eu fumo maconha? fora do contexto pode causar um estrago. A revista forçou a barra e a Soninha não deveria deixar barato?, diz Tas, que pensa em debater o assunto no ?Vitrine?.

Para o diretor de TV André Vaisman, a apresentadora foi ingênua ao participar da reportagem. ?Fiquei chocado com a atitude da Cultura, mas acho que a Soninha foi muito ingênua em ter topado aparecer com o destaque que ela teve na ?Época?. O que ela falou, claro, não tem nada de mais. Mas ela ficou muito exposta, virou o mote da matéria.?

Ele acha que a Cultura errou. ?Foi hipocrisia da Cultura demiti-la. A menina está sendo massacrada, é inadmissível que a emissora tenha tomado uma decisão tão arbitrária?, diz."