Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Laura Mattos e Pedro Alexandre Sanches

JABÁ CRIMINALIZADO

“Projeto tentará proibição de jabá nas TVs”, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/03

“O projeto de lei de criminalização do jabá (execução de música mediante pagamento) nas rádios também tentará proibir a prática nas emissoras de televisão.

A proposta, que está sendo elaborada pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE) e que já conta com o apoio do ministro Gilberto Gil (Cultura), foi divulgada na terça-feira pela Folha e gerou controvérsia em gravadoras e nas principais FMs de São Paulo.

A idéia do político é proibir tanto o jabá informal, negociado na surdina, como as operações com nota fiscal, chamada pelas gravadoras de ?verba de divulgação?.

Críticos desse esquema, comum nas rádios, dizem que ele também é presente na TV. Afirmam que apresentações de artistas em alguns programas de auditório, por exemplo, seriam pagas.

Para Ferro, a idéia é coibir a prática independentemente do veículo. ?Rádios e TVs têm a responsabilidade de ser concessões públicas.? Ele enviará o projeto ao ministro Miro Teixeira (Comunicações) solicitando apoio. O texto, em estudo, poderá sugerir penas severas a quem receber jabá, incluindo perda da concessão.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV se declarou contrária à iniciativa. ?Antes, o jabá era uma gratificação dada ao programador, uma coisa escusa. Isso sempre existiu. Hoje, a operação está mais organizada. As empresas vendem seus espaços eticamente, com nota fiscal?, afirmou Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente do órgão.

Sobre as TVs, ele afirma acreditar que o jabá não exista. ?O que determina a programação atualmente na televisão é audiência. Os produtores trabalham com o olho colado na tela do ibope [com audiência em tempo real?.?

De acordo com Carvalho Neto, a punição proposta pelo deputado ?não tem sentido?. ?É difícil saber se um funcionário está recebendo para selecionar a música.?

Rádios

A ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), que representa as gravadoras, mantém a decisão de não comentar o projeto. Questionado pela Folha sobre a existência do jabá, o diretor-geral da ABPD, Paulo Rosa, disse: ?Nunca vi jabá. Vi muita promoção, trabalho para convencer rádio de tocar uma música. Dificilmente uma rádio sobreviveria junto a seu público se aceitasse negociações desse tipo?.

Não é o que afirma o diretor da ABMI (Associação Brasileira de Música Independente), Pena Schmidt, que trabalhou em grandes gravadoras nos anos 70 e 80.

?Não tenho provas do ?crime?, nunca participei, mas as circunstâncias estão todas aí, todo mundo sabe?, disse. ?Música independente não toca em rádio por causa do jabá. Quem é independente não tem verba para isso.?

Duas das FMs de maior audiência de São Paulo, Mix e Band, negaram praticar o jabá e afirmaram que, por essa razão, não são contrárias à proposta de proibi-lo.

É diferente do discurso de Antonio Rosa Neto, presidente do GPR (Grupo dos Profissionais do Rádio). Ele defende que esse tipo de receita é importante para o setor, que sofre fuga de anunciantes.

?Deve até existir rádio que vende a programação, mas essa não é a linha da Band?, afirmou Acácio Luiz Costa, diretor geral da estação, que não faz parte do GPR.

Ele criticou, no entanto, o fato de o cantor Lobão estar apoiando o projeto de lei. ?Pergunta ao Lobão se ele estava preocupado com jabá quando suas músicas tocavam no rádio. Pergunta para o Zezé Di Camargo se ele reclama.?

Marcos Vicca, coordenador artístico da Mix, disse que a emissora ?não compactua? com o jabaculê. ?Estamos nesse patamar de audiência [3? lugar, segundo o Ibope] em razão do projeto artístico. Sobrevivemos exclusivamente do mercado publicitário.?

Para ele, o jabá pode ser lucro rápido, fácil, mas vira prejuízo a longo prazo. ?Tocar música por pagamento descaracteriza o posicionamento da rádio. Com o tempo, derruba a audiência.?”

 

DIREITOS AUTORAIS

“Revista ?Outra Coisa? abordará plágio”, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/03

“A nova trincheira escavada pelo cantor e ?franco-atiçador? Lobão, 45, em sua batalha contra os vícios e vicissitudes da indústria cultural começa a tomar forma. Depois de mirar, certeiro, na numeração de CDs, o velho lobo do rock nacional oitentista junta munição para uma guerra de guerrilha em papel cuchê, com a criação da revista ?Outra Coisa?.

Desenvolvida em parceria com a emissora virtual AllTV e a editora Segmento, a publicação chegaria às bancas em maio, mês em que a TV transmitida pela internet completa seu primeiro ano de atividades. Chegaria. A operação para levantar recursos e o esforço para que o preço de banca caia dos R$ 9,90 previstos para os R$ 5,90 desejados ainda não permitem cravar uma data.

Cada edição carregará consigo um CD. O primeiro, inédito, é a estréia em carreira solo do rapper B-Negão. De cada exemplar vendido, o artista receberá R$ 1. ?A maioria dos artistas ganha entre R$ 0,08 e R$ 0,30 por disco vendido?, diz Lobão. ?É a nossa contribuição contra a pirataria: preço baixo, com aumento do valor que o artista recebe.?

O duplo atrativo da revista-CD reafirma o histórico bem-sucedido do cantor em outra frente espinhosa, a da distribuição de discos -ainda um dos principais dilemas do mercado independente. À margem das grandes gravadoras, Lobão sacou da algibeira o recurso da circulação não-convencional e viu seu CD-pôster ?A Vida É Doce? transformar-se em best-seller, com 97 mil cópias vendidas em bancas de jornal.

A ação agora é mais ambiciosa, com foco no subtexto político (mas não partidário). Algo próxima de uma revista-manifesto, ?Outra Coisa? tem como princípio básico a idéia de incomodar. ?Seremos os Bin Laden das igrejinhas culturais?, dispara o professor universitário Marcos Barrero, 47, diretor da AllTV e um dos comandantes da operação editorial.

A reportagem de capa do primeiro número é uma bomba de efeito moral. Será dedicada ao plágio, a partir de um dossiê que apontaria inúmeros casos ?coincidentes? na carreira de uma das vacas sagradas da música brasileira. O nome do artista é mantido em sigilo, para evitar confrontos judiciais antecipados que possam levar ao impedimento de que a edição circule.

Mas ?Outra Coisa? não será uma revista de música. Não apenas. Sob o slogan ?rock, cultura e idéias?, abarcará também literatura, moda, turismo e cinema.

Lobão será o editor-chefe. A edição estará sob responsabilidade do escritor e jornalista José Paulo Lanyi, com reportagens de jornalistas como Tom Cardoso, Silvio Essinger e Júlio Maria.

Artistas escreverão. O esquadrão inclui cartunistas (Laerte, Adão Iturrusgarai), cineastas (Erik Rocha, Carlos Gerbase), escritores (Paulo Lins, Austregésilo Carrano), músicos (Fred 04).

O que unifica tudo, segundo Barrero, ?é o caráter transgressor?. ?Mas não queremos uma revista raivosa, um panfleto universitário?, alerta. ?Nosso inconformismo é filosófico; temos que questionar, mas com seriedade.?”

 

NOVELAS / TEORIA

“A recepção da telenovela brasileira”, copyright Jornal do Brasil, 19/04/03

“Este livro trata da façanha do sujeito de transitar entre as esferas do real e do virtual. É um enredo sobre a liberdade do homem, sobre as relações que ele estabelece com a cultura – sua cultura – e os esquemas que aproveita para perceber, agir e valorizar a realidade que lhe toca viver. E o faz baseando-se no conceito de ?mediações?, adotado por Jesus Martín Barbero, teórico colombiano que integra a escola da nova recepção na América Latina.

O que é recepção para Barbero? É integrar os fenômenos de comunicação e da cultura numa nova perspectiva, que une todos os processos comunicacionais: a produção, o produto, a recepção. É uma visão humanista da comunicação. Bem-vinda. É uma aproximação que afasta-se do semiológico, tecnológico e ideológico em abstrato. O centro das mediações é o homem, que odeia e que ama. Nesse sentido o pensamento de Barbero e das autoras deste livro é bondoso, não castiga, mas compreende. E nesse sentido também as autoras chamam a teoria que desenvolvem de compreensiva, num marco teórico em que, se o homem é o centro, está numa posição de supremacia.

É muito interessante a colocação metodológica dos estudos de recepção na América Latina. Interessante e necessária, já que no Brasil é pouco estudada. Autores como Anibal Ford (Argentina); Guillermo Orozco (México); Beatriz Sarlo (Argentina) e outros, sem descartar o próprio Barbero, são nomes capitais na transformação sofrida pela comunicação a partir dos anos 80. Esse movimento que trabalha separado, mas unido na teoria, propõe, entre outras coisas, uma virada de 180 graus na concepção da cultura popular e de massas. De acordo com Mario Margulis, ?a cultura popular responde às práticas significativas produto da interação social, enquanto que a cultura de massas reponde às práticas significativas produto da comunicação de massas?. Esta conceituação teórica põe os latino-americanos ?numa importante experimentação metodológica da qual o Brasil fica de fora… No Brasil, onde não identificamos experiências similares, a presente pesquisa de recepção da telenovela surge como tentativa de superar a insatisfação com o estado da pesquisa da recepção no nosso país?, afirmam as autoras.

É importante assinalar que dentro desse esquema metodológico entra o desenho da globalização do processo de pesquisa, que abrange tanto a estrutura e a dinâmica da produção de mensagens, a utilização e formas de apropriação destes textos e do texto propriamente dito.

Portanto, as mediações adotadas pelas autoras deste estudo sobre a recepção da telenovela, como elas mesmas apontam, constituem uma contribuição, uma grande novidade nos estudos brasileiros de comunicação. Convém lembrar que as mediações são, metodologicamente, a reintegração de comunicação e cultura numa reinterpretação onde o exclusivismo e determinismo da semiologia, da ideologia e da tecnologia são amplamente questionados. O que as autoras pretendem com esta outra abordagem é instaurar um panorama da comunicação onde a produção, produto e recepção estejam interligados visando o homem antes de mais nada.

O lugar da cultura, cultura com K, foi ocupado durante muito tempo pela exclusão de práticas sociais e representações tão lícitas como a telenovela. Ainda bem, hoje cultura é com C, e esta abarca a totalidade das práticas do homem, não é mais um repertório historicamente estruturado.

A telenovela é o gênero escolhido para pôr em prática as mediações, pois é um formato com forte raiz popular a partir do relato e de avanços tecnológicos de primeira magnitude. ?Abordamos um produto concreto da indústria televisiva e de enorme sucesso popular, para pesquisar como a partir de sua recepção articulam-se as lógicas culturais do consumo. A perspectiva das mediações, como afirmamos acima, constitui a especificidade de nossa contribuição às pesquisas de recepção e telenovelas no pais?, explicam as autoras.

Os gêneros ?enquanto instituição discursiva, são modelos de textos ou objetos culturais, discrimináveis em toda área de circulação de sentido e em todo suporte de comunicação. Se por um lado existem gêneros literários, do entretenimento, do discurso político, e pelo outro existem também gêneros televisivos, radiofônicos, gráficos, eles constituem opções comunicacionais sistematizadas pelo uso?, afirma Oscar Steimberg em Términos críticos de la sociologia de la cultura. E a aventura deste livro é essa, ?o estudo do caso de quatro famílias e uma telenovela, pretendendo mostrar como, através das mediações entre produção e recepção, as fronteiras entre esse pólos não são rígidas, ao contrário, interpenetram-se, na produção social de sentido.?

É através de A indomada, telenovela de 1997 da Rede Globo, que vemos desenvolver-se o relato de como o indivíduo absorve um gênero, a telenovela, e de como se relaciona com ela. Claro que trata-se aqui de uma telenovela, mas sendo radicais poderíamos estender a análise a outro ou a todos os tipos de gênero, segundo as mediações.

A telenovela é um melodrama, ou seja, um gênero, um texto licitamente constituído, cuja incidência dá-se no espaço do lar, da vida doméstica. As autoras tratam-na com o devido respeito, como também ao sujeito espectador, que pode transitar entre o real e o virtual sem nenhum trauma. Disso trata este livro: de uma aventura apaixonada pelas esferas do real e do virtual.”