Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. Que massa???

Guilherme Canela de Souza Godoi (*)

O pouco que dão, dão à luz clara do dia,
de preferência diante das câmaras de televisão.
Mas tirar é na calada da noite
.
(Millôr Fernandes, A Bíblia do Caos, pág.122)

 

“Massa”, segundo o Aurélio, vem do grego máza e, dentre as suas muitas acepções, pode significar: “a totalidade, ou grande maioria”; “número considerável de pessoas que mantêm entre si uma certa coesão de caráter social, cultural, econômico, etc. (Nesta acepção, opõe-se a indivíduo)”.

Dei-me ao trabalho de consultar o velho Aurélio porque pensei poder encontrar algum outro significado para a palavra massa. Lá existem 21 acepções para a palavra. No entanto, nenhuma conseguiu-me explicar o que é que o Ministério das Comunicações estava pensando ao conferir o título de “Lei de Comunicação Eletrônica de Massa” àquilo que está sendo (ou já foi) elaborado por meia dúzia de burocratas enfurnados em seus gabinetes, em Brasília. A não ser que se tenha utilizado um neologismo, a massa mesmo não está nem sabendo.

Vale fazer uma breve reconstituição dos fatos que envolvem essa nova e importante lei, pois, probabilisticamente, muitos dos que lerão estas linhas fazem parte dos 99,9% da população que ainda não estão sabendo que o Ministério das Comunicações está elaborando uma nova Lei de Comunicação de Massa e que está realizando uma ampla (!) discussão nacional acerca do tema.

Era projeto do ex-ministro Sérgio Motta a elaboração de uma nova Lei de Radiodifusão (cujo nome oficial é Lei de Comunicação Eletrônica de Massa). A partir do momento que assumiu a pasta das Comunicações, no início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, começou o processo de formulação da nova lei. O cronograma elaborado por Motta indicava que, estando pronto um projeto da lei, a proposta passaria a ser discutida em audiências públicas por todo o país.

Com a morte do então ministro parece que seus anseios foram, em parte, esquecidos. A lei continuou a ser elaborada pela burocracia do ministério, mas a massa e as discussões foram deixados de lado.

Mas não sejamos tão injustos com aqueles que estão envolvidos na formulação da nova lei. A partir de setembro do ano passado, o Ministério das Comunicações realizou uma consulta pública via Internet a respeito da nova lei. Através dessa iniciativa, os 2 milhões de brasileiros que têm acesso à rede mundial de computadores puderam opinar sobre três conjuntos de questões propostos. Essa consulta pública finalizou-se em novembro de 1998. De lá até maio deste ano, muito pouco ou nada ouviu-se falar a respeito da lei. A discussão não chegou à “massa”, mesmo porque apenas o 0,1% da população que tem acesso, via internet, a fontes no Ministério das Comunicações – mais especificamente na Secretaria de Radiodifusão, onde a nova legislação foi concebida –, apenas essa ínfima minoria descobriu que um grande seminário seria realizado durante os dias 10 e 11 de maio para que se discutisse o projeto de lei.

Houve alguma repercussão na imprensa. O seminário foi aberto a todos os representantes da sociedade. A massa pôde enfim ser ouvida por uma lei cujo título lhe homenageia, certo?

Errado. Excluindo-se aqueles que assinam algumas listas de discussão na internet sobre as questões da comunicação, os que têm acesso aos boletins informativos on line da pay TV e o 0,001% da população que foi convidado a participar do tal seminário, a massa – a grande maioria – nem imaginava o que estava se passando no Centro de Treinamento do Banco do Brasil, na Capital Federal.

Segundo o que se sabe pelo relato de um ou outro participante que lá esteve (a minoria da minoria da minoria), o seminário contava com a presença dos representantes das empresas de radiodifusão, da Federação Nacional dos Jornalistas, do jornalista Alberto Dines, e mais alguns gatos pingados. Essa é a massa, tal qual a definição do Ministério das Comunicações (acrescentem-na ao vernáculo).

Até a sexta-feira anterior ao seminário, a Assessoria de Comunicação Social do Ministério, divisão que supostamente deve informar o público sobre o que se passa no órgão, não sabia absolutamente nada sobre o tal evento. Na Secretaria e Radiodifusão, após uma transferência para cinco diferentes ramais, conseguiu-se falar com alguém que soubesse no seminário. De acordo com a funcionária, o seminário era apenas para aqueles que receberam “um convite intransferível do Sr. Ministro, sendo que alguns senadores [os representantes da massa] haviam solicitado o direito de participar, o que lhes foi negado”. Pode ter sido uma figura hiperbólica da cidadã em questão, mas em 12 de maio, em Audiência Pública na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicações, o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, foi questionado por deputados que estavam indignados com o fato de não terem sido informados sobre o tal seminário.

Para se ter uma idéia do absurdo que se está cometendo ao restringir a discussão dessa Lei a uns poucos privilegiados, façamos uma comparação com o que ocorreu nos Estados Unidos, quando da discussão do Telecommunications Act. Foram 7 anos de audiências públicas. Aqui, ninguém sabe, ninguém viu.

O pior é que, segundo o governo, sua política sempre foi de transparência no trato de questões como essa (que transparência!) e, em último caso, quando a lei chegar ao Congresso, os representantes da massa poderão discuti-la amplamente. O que se tem visto, no entanto, em muitas votações importantes, é que esmagadora base aliada do governo restringe as discussões aos mínimos prazos regimentais possíveis, quando não altera o regimento para torná-los mais mínimos ainda. Além disso, e por isso mesmo, são feitas poucas alterações no texto, o que torna o mistério em torno da nova lei mais inquietante e preocupante ainda. Que democracia é essa?

É importante notar que essa situação bizarra não ocorre sem motivo algum, pois há muitos interesses envolvidos. Veja-se, por exemplo, o que disse uma assessora da Anatel, envolvida na formulação da nova lei, em entrevista por telefone, para a pesquisa “As Comunicações no Processo de Globalização & os Rumos da Democracia”, que ora desenvolvo:

“Essa lei implica numa discussão muito complicada, porque poderá mexer com situações cristalizadas relativas à concentração da propriedade e outros temas, havendo, portanto, uma pressão do empresariado.” (09/07/98)

Outro ponto interessante a se observar é que, ao contrário do que se quer fazer acreditar, o projeto da lei já está pronto. Pelo menos foi o que afirmou o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em entrevista concedida em 14/5/99, também para a pesquisa citada:

“Eu quando cheguei no Ministério o projeto [da nova lei] já estava pronto … ia começar um processo de audiência pública que o Sérgio tinha dito, tinha deixado, antes de mandar para o Congresso, como ele fez com a Telecomunicação. E, eu simplesmente parei porque eu não tinha tempo de tocar as duas coisas [a lei e a privatização do Sistema Telebrás].”

Seja como for, não há dúvida que o governo precisa começar a ser mais transparente no processo de discussão da nova lei, a qual, não é preciso dizer, configura-se numa das mais importantes leis na pauta de discussão nos últimos anos. Ou a massa (é claro, através de seus mais diversos representantes, visto que isto não é uma democracia direta) é chamada a ocupar o lugar que lhe é de direito, ou assume-se que não se vai mudar nada além do que permitirá a minoria cujos interesses serão questionados.

Por enquanto, tudo está sendo feito na calada da noite…

(*) Graduando em Relações Internacionais, bolsista do PIBIC/UnB/CNPq, membro do Núcleo de Estudos Sobre Mídia e Política – NEMP (Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares –CEAM, Universidade de Brasília –UnB)

 

Sheila Grecco (*)

 

De que forma compreender os efeitos da comunicação de massa? Censurar, proibir, vetar? Já é ponto comum, entre estudiosos, a periculosidade dos efeitos provocados sobretudo pelas imagens televisivas. Pensadores do século 20 já fizeram ode à comunicação (McLuhan que o diga) e, atualmente, a tendência é olhá-la com espanto; do entusiasmo pelo turbilhão de informações passou-se ao descontrole. Aonde os meios de comunicação vão nos levar?

Se os avanços tecnológicos vieram suprir a carência de informação, transformando o mundo em aldeia global, por outro lado a inserção dessas máquinas tem condicionado os seres. Já não se trata mais de sede de informação, mas de dependência. Será mesmo?

Talvez a resposta venha se remontarmos um pouco à história. A origem da comunicação desde os primeiros algarismos e dialetos na Índia antiga pôde ser fixada com a invenção da imprensa pelas mãos de Gutenberg. A produção de textos em larga escala altera de maneira significativa a apreensão dos fenômenos culturais ou, como prefere o filósofo inglês J. Thompson, das formas simbólicas. Estas vão passar a ser – principalmente com o “boom” tecnológico – interpoladas pela mídia cultural. Assim, a transmissão cultural, ou seja, o processo pelo qual as formas simbólicas são transmitidas do produtor ao receptor ou trocadas por eles, é alterada pela midiação.

A midiação da cultura moderna está associada à expansão do capitalismo industrial e à consolidação do sistema capitalista. Nesse sentido, a transmissão cultural dá-se em três aspectos distintos, a saber: o meio técnico (o substrato material utilizado influindo no grau de fixação, reprodução e participação do receptor), o aparelho institucional (conjunto específico de articulações institucionais dentro das quais o meio é elaborado) e, por fim, o distanciamento espaço-temporal (cada meio técnico permitindo um diferente distanciamento e uma perpetuação maior ou menor da mensagem).

É inegável o quanto a televisão pode ditar moda, hábitos alimentares, sociais, incitar a violência. Ou quanto o rádio e a imprensa escrita podem veicular falsas notícias, digamos, “poucas verdades”, ou ideologias, prestando um desserviço à população. É claro também que a mediação das instituições acaba por monopolizar certas informações divulgando aquilo que lhes convêm. No entanto, é preciso ter em mente que as formas simbólicas são, em âmbito maior, também fenômenos sociais, na medida em que precisam de um produtor e de um ou mais receptores.

O processo de transmissão e apreensão dessas formas simbólicas é complexo o suficiente para não permitir ortodoxias. Rotular os meios de comunicação, em especial a televisão, como os bruxos da história é recriar os contos da carochinha.

Embora a televisão possa ser suficientemente má, como convém às bruxas, é necessário lembrar que há um ser ativo e criativo na frente dela, podendo escolher, dialogar com seu(s) companheiro(s), mudar, mexer e, no limite, desligar o aparelho. Além disso, deve-se considerar que a produção de formas simbólicas, na maioria das vezes, não é recebida na mesma intensidade com que foi emitida. Basta tomarmos exemplos banais de situações face a face, nas quais um amigo retruca ao outro: “Olha, não foi bem isso o que eu quis dizer”.

Se não somos compreendidos, às vezes, em diálogos corriqueiros, o que não dizer em âmbito maior, com milhares de receptores, cada qual inserido num tempo, espaço e situação econômica distintos?

A prova de que sempre há ruídos nesse circuito entre emissor e receptor pode ser dada pelas inúmeras pesquisas realizadas constantemente por veículos para medir o grau de compreensão e aceitabilidade de seu produto. Na TV, o Ibope funciona como pauteiro da programação. A existência de tais termômetros por si só evidencia a complexidade dos meios de comunicação e desmonta as falácias de que tudo o que é “emitido” é “recebido”.

A constatação de que existe um sujeito crítico vendo televisão, ouvindo rádio ou lendo jornal não autoriza os meios de comunicação, em especial num país de analfabetos como o nosso, a emitir programas de gratuito mau gosto, nos quais se funde o grotesco e o bizarro para garantir espectadores. O ápice exemplar fica por conta das investidas dos programas de domingo – Faustão, Sílvio Santos, Gugu & Cia – e os de suspense, o meio jornalístico e meio 007 pasteurizado Linha Direta, novo programa do jornalismo da Rede Globo, entre outras pérolas.

É preciso rever as programações, mas, sobretudo, o temor frente à televisão. Esta não tem poderes mágicos, não descarrega fluídos sobre seus espectadores condicionando todos os seus atos. A televisão deve ser escrava do telespectador, jamais o contrário. Se a televisão sustenta a relação subordinado/subordinantes ou não, a única maneira de responder é pelo exame dos contextos específicos dentro dos quais as formas simbólicas são produzidas e recebidas, e o sentido atribuído a cada um.

Considerar a televisão como bruxa e má é atribuir o papel de vilã à personagem errada. É subestimar a inteligência do espectador e privá-lo de agir com responsabilidade. Houvesse um nível maior de educação e de no país, a televisão deixaria de ser esse veículo endeusado, fonte única de informação para uma massa de analfabetos. Bruxarias à parte, é preciso lembrar que nenhum telespectador é um robô.

(*) Jornalista, historiadora, mestranda em Literatura Comparada pela USP