Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Leila Reis

ASPAS

OS NORMAIS

"?Os Normais? recompensa o telespectador", copyright O Estado de S. Paulo, 9/06/01

"De vez em quando surge na TV alguma coisa que recompensa o telespectador pelo sacrifício de engolir cotidianamente uma programação medíocre. A última delas é a série Os Normais, que acaba de estrear depois do Globo Repórter, na sexta-feira.

A comédia estrelada por Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres felizmente foi bem recebida: na estréia, deu à Globo uma audiência inédita no horário – alcançou média de 30 pontos na Grande São Paulo (cerca de 2,5 milhões de telespectadores). Isso quer dizer que, a princípio, o referendo do público garante a longevidade do programa.

A série não tem nada demais. Trata do embate cotidiano do casal Vani e Rui entre si e com outros ?normais? da grande cidade. O segredo é o tom certo do texto, sem rompantes, do jeito que vive a classe média. É difícil fazer humor com o comum, com o ?normal?. A saída recorrente do humor da TV tem sido o excesso ou o abuso do nonsense – Sai de Baixo, Te Vi na TV, Casseta & Planeta, estão no vídeo para comprovar.

Os Normais é uma comédia de equívocos divertida, mas seu mérito está no fato de incorporar ao texto conflitos, diálogos e pensamentos que o homem e a mulher contemporâneos cometeram, cometem ou vão cometer. Está certo que a dupla central da série é ótima, mas o talento do elenco não garante resultado. Luiz Fernando Guimarães já provou disso dentro da própria Globo, há três anos, quando protagonizou com Pedro Cardoso Vida ao Vivo. O programa era pretensioso, tendendo para o ?humor-cabeça?, e foi expelido do vídeo por excesso de chatice e falta de audiência.

O recurso dos personagens falarem diretamente com o telespectador é explorado na medida em Os Normais, ou seja, não atrapalha o ritmo da história. Outra qualidade da série é escalar para coadjuvantes do casal, atores de primeiríssima linha, tais como Drica Moraes e Murilo Benício no episódio de estréia.

Mais do que isso, ao apostar em produções como essa, a Globo está abrindo duas frentes. A primeira é a das sitcoms, cuja fórmula as emissoras brasileiras perseguem há décadas, sem sucesso. As comédias de situação, geralmente de 30 minutos de duração, fazem parte do melhor gênero criado pela TV americana – que vai de I Love Lucy a Friends. A segunda é salpicar uma certa diversidade na programação que, pressionada pelas metas amplas de audiência, tem pendido cada vez mais para o popular.

Nada contra as atrações populares, mas há vários perfis de telespectador dentro da massa da audiência e eles precisam ser contemplados. Pelo menos no quesito humor, a Globo está tentando diversificar – A Grande Família, Retrato Falado e Os Normais são os melhores exemplos – privilegiando um público mais exigente."

"Bem ou mal, é preciso experimentar", copyright O Estado de S. Paulo, 10/06/01

"O interesse do público pelas tramóias de Adma e Félix Guerreiro, ou por outros personagens e histórias que estão atualmente no ar, não oculta a situação real: o gênero mais popular da televisão brasileira está em crise.

Desde a década de 90, a telenovela vem perdendo audiência e, na Globo, a principal produtora e exibidora, já caiu de uma faixa média de 45 a 55 pontos, no horário nobre, para a faixa bem mais modesta de 35 a 45 pontos.

Certamente por força disso, e na tentativa de reencontrar o elo perdido com o gosto do telespectador, a crise produziu ao menos um efeito positivo. Está de volta a experimentação na teledramaturgia, com um punhado de novos autores e diretores buscando outras linguagens para representar o Brasil.

A estréia do seriado Os Normais é um ponto alto desse processo recente.

Muito bem escrito e dirigido, o novo seriado conquistou uma empatia imediata com os telespectadores, explorando a abundante temática das neuroses da classe média urbana, que produziu sucessos como Pequeno Dicionário Amoroso e Amores Possíveis, no cinema, ou Comédia da Vida Privada, na TV. Venceu tranqüilamente os seus concorrentes de horário e já se credencia a permanecer na grade da Globo, além dos 12 episódios originalmente previstos.

Enfim, depois de alguns amargos reveses, a emissora experimenta o sabor de gerar ibope com um produto refinado, de ótima qualidade artística, na exata contramão do facilitário populista.

A mesma sorte não vem tendo a série Brava Gente, em que as experiências são mais radicais. É provavelmente a falta de hábito para histórias curtas, depois de 40 anos de novelas em 180 capítulos, com o decorrente apego a personagens que o telespectador possa conhecer profundamente, que explica os seus acanhados índices de audiência.

Porque é difícil não reconhecer grandes méritos nos episódios já exibidos, e mesmo excelência absoluta em ao menos dois deles, o Palace II da última semana de 2000 e o Lira Paulistana da semana passada. A despeito dos resultados do Ibope apenas sofríveis, entretanto, é preferível ver a Globo buscando o novo com Brava Gente do que ressuscitando velhas fórmulas, como fez com o seriado A Grande Família, que também não emplacou e ainda dá saudades da versão original.

A experimentação na teledramaturgia limita-se à Globo, como sempre, dado que as outras emissoras parecem ambicionar apenas na qualificação em telenovelas, de olho nos lucros monumentais que elas produzem. Mas seria bastante proveitoso que se generalizasse, até porque é quando não se tem nada a perder que mais vale a pena ousar. A lição foi dada nos idos de 1968 pela alquebrada TV Tupi, quando lançou a inovadora Beto Rockfeller e, a um só tempo, revolucionou o folhetim eletrônico, explodiu no Ibope e faturou uma enormidade. Talvez estejamos, agora, à espera de uma outra revolução, que revigore a telenovela e restitua a diversidade temática e formal que ela engoliu.

Os meios técnicos para isso existem e a boa notícia paralela às experiências teledramatúrgicas é o uso progressivo de recursos de televisão digital, como as câmeras de alta definição, ou a mesclagem constante de elementos de TV e de cinema. Persistindo no caminho do novo, a TV brasileira há de chegar mais bem preparada à grande competição que vai enfrentar do produto estrangeiro, quando o seu mercado for internacionalizado. Se a abertura ao capital estrangeiro trouxer a enxurrada de enlatados que se imagina, como já se vê na TV paga, só com muita criatividade será possível manter o Brasil e os brasileiros na telinha – e não apenas no lado de quem assiste."

OS MESMOS

"Círculo vicioso", copyright O Estado de S. Paulo, 10/06/01

"Nunca a Globo teve tantos problemas para rechear o elenco de suas tramas. Foram recusas, substituições de última hora, atrito entre autores, um deus-nos-acuda na hora de escalar estrelas para obras prestes a estrear.

Esse arremedo de crise, no entanto, é a ponta de um iceberg: o círculo vicioso da escalação de atores na TV.

Mal saíram de novelas de sucesso,José Mayer, Raul Cortez e Luiz Mello viraram alvo de autores para novos folhetins. Mayer foi disputado pela minissérie A Presença de Anita e a próxima novela das 8, O Clone. ?Quando ele cogitou ir para a novela, nós pensamos em cancelar a minissérie?, garante Manoel Carlos. ?Cedemos Mayer para a minissérie porque ele não se encaixava tanto no personagem de O Clone?, contemporiza a autora Glória Perez. Glória também levou dispensa de Luiz Mello, já escalado para A Padroeira, nova trama das 6. Na lista dos desfalques de O Clone estão Ana Paula Arósio, Letícia Spiller e Fábio Assunção, que, superexpostos, alegaram ter outros projetos em vista.

Na última hora, Vera Fischer quebrou a promessa de descansar após Laços de Família, e topou, depois de muita insistência, integrar o elenco da nova trama das 8. Raul Cortez ficou meses sem saber de que elenco faria parte: do de Glória Perez ou do de Silvio de Abreu, em As Filhas da Mãe, próxima novela das 7. ?Apesar de minha preferência pela trama de Silvio Abreu, a determinação final foi da Globo?, diz. Deu Abreu, na cabeça.

Cortez se diz preocupado com o baixo aproveitamento de talentos escanteados e as poucas oportunidades para gente nova. ?Falta pesquisa na escalação das emissoras?, avalia. ?Há muita gente boa fora da TV. Essa história de que falta ator para novela não existe.?

A alegação de Cortez é a mesma do Sindicato dos Artistas do Rio. Segundo a secretária-geral Bete Pinho, a TV emprega 800 atores em especiais, novelas e humorísticos. Pouco, diz ela, perto dos 12 mil desempregados só no Rio. Em 1996, esse número era de 700 na TV ante 5 mil sem emprego. ?A culpa não é só da Globo. As outras emissoras não abrem espaço para dramaturgia e, quando abrem, não investem em novos talentos?, explica Bete.

O autor Silvio de Abreu defende a abertura de espaço para gente nova, o que não se reflete necessariamente na escalação de suas tramas. A constelação reservada pelo autor pôs lenha na fogueira da crise. Além de Cortez, As Filhas da Mãe terá nomes como Fernanda Montenegro, Tony Ramos, Reynaldo Gianecchini, Thiago Lacerda, Regina Casé, Francisco Cuoco e Diogo Vilela.

Patotas – Abreu se defende da acusação de outros autores de que ?reservou todas? as estrelas da Globo, mas confirma a tese de que a maioria dos dramaturgos e diretores de TV gosta de trabalhar com as ?patotinhas? de sempre. ?Não tenho culpa de que todos os que convidei toparam atuar em minha novela antes mesmo de saber de seus papéis?, cutuca Abreu. ?Mas não roubei ator de ninguém e não posso abrir mão de quem já reservei.?

Sobre a disputa pelos mesmos nomes de peso, Abreu é claro.?Chamei quem gosto de trabalhar, confio e tem confiança em mim?, diz. ?É assim com Guel (Arraes), que tem a sua turminha. Gilberto Braga, por exemplo, adora Malu Mader. Tenho o meu time, sempre com Cláudia Raia no elenco. Dá impressão de repetição, de círculo vicioso, mas na escalação de elenco é a confiança que conta.?

Mal começou a gravar como Dom Antônio Cabral, o bom fidalgo de A Padroeira, Stênio Garcia foi surpreendido com um convite para O Clone. O ator, que por duas vezes fez o pai de personagens da filha da autora Glória Perez, Daniela, conta que se sentiu com certa obrigação moral de aceitar. ?Eu poderia ter recusado, mas preferi deixar a direção da emissora decidir?, afirma. ?Eu me senti lisonjeado de ser disputado por duas produções, mas me deu aflição porque meu coração já estava no projeto do (diretor Walter) Avancini.?

O veredicto favoreceu O Clone. ?A avaliação foi de que ele era mais importante lá?, diz Avancini, diretor de A Padroeira. Por isso, Dom Antônio Cabral morrerá no capítulo 27 depois de duelar com Dom Fernão (Maurício Mattar). ?Fiquei triste?, admite Walcyr Carrasco, autor de A Padroeira.

Afinal, o personagem de Stênio seria o responsável por revelações vitais ao desfecho da trama.

Pretendentes – Para o ator, situações como essa só ocorrem porque ?há dificuldade de escalação para atores com mais de 40 anos de profissão?. ?Atores como eu e Lima Duarte entramos sempre em núcleos com muitos jovens para exercer uma certa coordenação, orientar, ajudar?, explica o ator de 69 anos.

O assédio de autores e diretores a atores consagrados ficou mais complexo numa era de TV viciada. A escolha de um elenco chega, assim, a virar um exercício de prestígio de quem escala. Para o diretor Ricardo Waddington, levar um ator a um projeto requer a mesma conduta de um pretendente apaixonado. ?É preciso passar uma cantada, em que a gente seduz oferecendo um bom texto.?

Manoel Carlos ajuda Waddington a dar ?cantadas? nos atores. Para convencer Marieta Severo a fazer Laços de Família, os dois convidaram a atriz para almoçar. ?Contamos a história para ela e, na sobremesa, ela já topara?, conta Maneco.

O autor admite que ?grupo, todo mundo tem?. Ele adora trabalhar com Humberto Magnani, Tony Ramos, Viviane Pasmanter, José Mayer e sua filha Júlia Almeida, por exemplo. O vício das escalações é tanto que, na semana passada, quando Maneco resolveu inovar e cravar o nome da novata Mel Lisboa, uma gaúcha de 19 anos, para protagonista de A Presença de Anita, causou surpresa no mercado.

Maneco costuma reservar atores para suas novelas. Para Waddington, tal reserva de mercado é necessária. Conta que Regina Duarte já está reservada para a novela das 7 que Euclydes Marinho fará para substituir a de Silvio de Abreu. ?Se você só quiser atores consagrados, terá dificuldades porque não há tantos assim?, afirma Waddington.

Quem procura acha – A experiência mostra que as emissoras têm muito a ganhar se olharem para outras searas que não o próprio umbigo ou as agências de modelos. Lu Grimaldi despontou em Terra Nostra (Globo, 1999) como Leonora, após 27 anos de teatro e vários prêmios. ?O diretor Jayme Monjardim foi quem me resgatou de seu baú de lembranças. Ele tinha trabalhado comigo em Ana Raio e Zé Trovão (Manchete, 1990).?

No SBT, Lu foi diretora de elenco em Pérola Negra e Fascinação (1998). Para ela, foi a falta de verba que acabou por ajudá-la a descobrir novos talentos para TV, como a agora global Regiane Alves. ?Silvio Santos investira muito em apresentadores novos, e não tinha dinheiro para escalar gente tarimbada para Fascinação?, conta. ?Tive de me virar e lancei a então desconhecida Regiane Alves como protagonista. Acharam que eu era maluca.?

Assim como Lu Grimaldi, foram quase dez anos no teatro até que Luís Mello despontasse na TV, em 1995, a convite de Wolf Maya. ?É difícil um diretor apostar num talento do teatro. Eles acham que os atores não conseguirão atingir aquele naturalismo das novelas?, avalia. ?Há a política da TV de não mexer em time que ganha, de trabalhar com quem confia, por isso é que sempre chamam os mesmos?, continua. ?Mas as emissoras têm de perder o medo de investir na adaptação de atores do teatro para TV. É assim que surgem as boas surpresas.?"

    
    
                     

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