Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Leonardo Cruz

MONITOR DA IMPRENSA

AFEGANISTÃO

?Taleban tem apoio popular?, diz jornalista, copyright Folha de S. Paulo, 13/4/01

"?Não há hoje nenhuma força política no Afeganistão capaz de tirar o Taleban do poder. O grupo tem apoio popular.? Essa é a opinião de Kate Clark, 35, ex-correspondente da rede britânica BBC em Cabul, capital afegã.

Em 15 de março último, a jornalista foi expulsa do país pelo grupo extremista islâmico que controla o Afeganistão desde 1996.

Clark foi acusada pelos governantes de produzir notícias ?preconceituosas?. Para ela, o que precipitou sua saída foi uma reportagem mostrando que a maioria dos afegãos era contrária à destruição das estátuas gigantes de Buda, na região de Bamiyan.

Formada em inglês pela Universidade de Liverpool e mestre em política do Oriente Médio pela Universidade de Essex, Clark era a única jornalista estrangeira morando em Cabul e trabalhando como correspondente na cidade até a sua expulsão.

Clark passou 18 meses convivendo com a sociedade afegã. Após sua saída de Cabul, ela se fixou em Islamabad, no Paquistão, onde retomou sua atividade como correspondente da BBC. De sua casa, por telefone, ela concedeu a seguinte entrevista à Folha.

Folha – Como foi a sua expulsão do Afeganistão?

Kate Clark – Na manhã da quarta-feira, dia 14 de março, obtive um visto do governo para ficar mais seis meses no país. Duas horas mais tarde, oficiais me disseram que eu deveria deixar o país. Foi o que fiz 24 horas depois. Coloquei minhas coisas no carro e vim para a fronteira com o Paquistão.

Folha – Como era sua rotina de trabalho?

Clark – É muito difícil trabalhar no Afeganistão. Para fazer reportagens, eu tinha de sair de casa, porque as linhas telefônicas são péssimas, e ninguém tem celular. Não há mídia local, o Taleban controla tudo, e eu era a única jornalista estrangeira trabalhando na cidade.

Folha – Como é Cabul hoje?

Clark – Cabul é uma cidade que passa por muitas dificuldades porque 60% dela foi destruída pela guerra civil, e grande parte da população é formada por refugiados. É uma cidade muito pobre, já que a economia do país está mal.

Folha – Como mulher, ocidental, não-muçulmana, você sofreu algum tipo de preconceito?

Clark – As afegãs não têm nenhuma função pública. Elas não têm nem uma ?face pública?, porque têm de cobrir seus rostos para sair às ruas. Para trabalhar, eu tinha de cobrir a cabeça e andar com roupas discretas. Os homens afegãos muitas vezes não sabiam como me tratar, alguns evitavam dirigir a palavra diretamente a mim -o que é normal, porque eles não estão acostumados a ver mulheres em papéis relevantes. Mas, quando eles rompiam essa primeira barreira, eram muito gentis e curiosos sobre o mundo ocidental.

Folha – O povo apóia o Taleban?

Clark – Sim, claro. Antes de o Taleban assumir o controle, Cabul passava por uma guerra civil, com várias facções se confrontando, era uma cidade muito insegura. Moradores dizem que não gostam do Taleban, mas acham que a vida ficou melhor depois que o grupo tomou o poder.

Folha – Como era sua relação com a cúpula do Taleban?

Clark – Traiçoeira. Quando comecei a trabalhar, tinha muita liberdade para fazer minhas reportagens. Entrevistei ministros do Taleban e fui bem recebida. Mas, aos poucos, meu espaço foi sendo reduzido. Eu era muito pressionada para escrever reportagens positivas sobre o país. Mas, como muitos textos foram críticos, eles preferiram me expulsar.

Folha – Há alguma oposição?

Clark – Há uma oposição militar ao Taleban, mas sem força. Em Cabul, muitas pessoas reclamam do Taleban, mas não fazem nada para mudar essa situação.

Folha – Então não há ninguém capaz de derrubar o Taleban?

Clark – Agora, não. A oposição não é popular, por causa do fantasma da guerra, em que muitos civis morreram. Mas o Afeganistão é um país onde as coisas mudam muito depressa."

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