Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Liberdade de expressão para quê?

 

Caro Luiz Egypto,

Creio que foi no mínimo descortês de tua parte fazer constar ao final de meu artigo (Observatório on line, “Quem será o dono?”, edição 71, de 20 de julho de 1999) um comentário teu, sem sequer ter-me avisado com antecedência que faria isso. Qual a razão? Será que você não admite uma opinião divergente da tua? Ademais, os teus comentários em nada conseguem desdizer minhas afirmações. Como se não bastasse, ainda cortou, sem minha autorização, parte insuprimível do texto (que é reenviado, na íntegra, ao final dessa mensagem).

Eu disse e reafirmo que foram poucas as discussões sobre um assunto tão estratégico para a Brasilidade quanto o aumento da participação de capitais estrangeiros nos media Brasileiros. Por maior que seja a audiência do Observatório, que debateu o assunto, esse aqui é um veículo infelizmente limitado à parcela reduzida da categoria dos jornalistas. Não alcança, como é imprescindível nesse caso, a massa da sociedade Nacional.

Também vale ressaltar, caro Egypto, que minha opinião não está carregada de qualquer xenofobia. Eu mesmo estou envolvido no projeto de publicar a versão Brasileira do jornal Francês Le Monde Diplomatique, em reconhecimento à contribuição que os media internacionais podem dar ao jornalismo Nacional.

Mas, observo que o principal de nossa divergência se prende à extensão do impacto da chegada desses capitais ao Brasil. Eu estou preocupado com a influência potencialmente maléfica dos conteúdos jornalísticos que conglomerados internacionais da informação podem trazer para os grupos locais de media.

E você, pelo que escreveu, tenta encontrar uma saída para a incompetência administrativa e gerencial única e exclusiva dos controladores das empresas brasileiras, que mais uma vez se meteram em canoas furadas de investimentos (vultosíssimos), em áreas que não dizem respeito ao seu negócio principal (core business, para os globalizados) – e se estreparam! É o caso, por exemplo, do grupo publicador do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul, que pretendeu monopolizar o mercado de conteúdo e de meios físicos de telecomunicações naquele estado, através da compra da CRT. Quebrou a cara, levou uma rasteira de seus sócios espanhóis no leilão da Telebrás e foi obrigada a fazer o passaralho… na redação do diário porto-alegrense!

É essa incompetência empresarial que gera desemprego em massa entre a categoria dos jornalistas. Isso também é agravado pelo fato de que parte considerável das demissões – não sei quantificar com precisão – se deve à decisão estratégica dos grupos de comunicação de concentrar seus negócios em poucas praças, acabando com os postos de trabalho nas sucursais.

Cabe ressalvar, ainda, que jornalistas, historicamente, pouco se assumiram enquanto categoria profissional e não conseguiram construir sindicatos fortes que os defendessem da matança generalizada de empregos.

A solução para esses problemas já estruturais da categoria certamente não é escancarar corações e mentes Brasileiras à criatividade destruidora principalmente da patológica media estadunidense, que se delicia com um padrão de jornalismo que valoriza o individual em detrimento do coletivo, a uniformidade da versão dos grandes conglomerados, a valorização mórbida e histérica da violência.

Mas, como você me pediu sugestões para criação de empregos e, até, de propostas de salvação de capitalistas incompetentes, aqui vão algumas, de graça. Por uma delicadeza que até agora você foi incapaz de expressar, queira publicá-las – na íntegra, sem cortes – na próxima edição das suas observações, ou melhor, do Observatório da Imprensa.

Luiz Egypto responde: É um exagero considerar uma descortesia a nota que assino ao pé do artigo “Quem será o dono?”, (Observatório nº 71). Houve apenas o propósito de lembrar aos leitores que, ao contrário do que o artigo aponta, “os poucos comentários que se lêem a respeito” da necessidade de modificações no Artigo 222 da Constituição não têm variado “do corporativismo ao colonialismo mental disfarçado de realismo econômico”. O Observatório da Imprensa não se enquadra nessa generalização e nada mais compreensível que seu redator-chefe se manifeste a respeito, até por obrigação institucional. Já o corte mencionado pelo autor do artigo refere-se ao último parágrafo do texto original, inadvertidamente suprimido e incluído logo após a edição do O.I. ter entrado no ar.

A seguir, a continuação da mensagem de Carlos Tautz. O título é do redator que assina esta nota. No pé, links para o artigo original de Tautz e matérias sobre o Artigo 222 publicadas no Observatório da Imprensa. Este é um debate que o Observatório sempre estimulou. Foi pioneiro nessa discussão, modéstia às favas. (L.E.)

 

Carlos Tautz

 

1. Ponha-se para funcionar o Conselho de Comunicação Social, conforme previa a Constituição promulgada em 1988. Se o órgão tiver coragem, vai exigir que as grandes emissoras sigam o contrato de concessão (empresas de radiodifusão são concessionárias de um serviço público) e tenham taxas mínimas de produção local. Aí, meu caro, fica até difícil de calcular quantos novos postos de trabalho serão abertos. Isso sem falar que a cultura regional será valorizada;

2. Acabe-se com as restrições legais e informais (lobby das grandes emissoras) para o funcionamento de emissoras de sinais de rádio e TV de pequena potência. Muitas delas operam segundo o princípio de rádios e tvs comunitárias e têm demonstrado viabilidade econômica, porque expressam o ponto de vista local e ganham audiência e reconhecimento da comunidade onde estão instaladas. É o caso da rádio Novos Rumos, no município fluminense de Queimados, que pagava a seus funcionários salários até superiores aos da média do mercado e recebia anúncios de grandes cadeias de supermercado. Foi seguidamente fechada pela Polícia Federal, sob alegação de ser “radio pirata”. Na prática, sabia-se que foi violentamente cerrada porque seus índices conseguiam ser superiores naquela região aos, por exemplo, de uma rádio comercial auto-proclamada “campeã de audiência” ;

3. Permita-se, por via de legislação, que sindicatos, partidos políticos e associações da sociedade civil sejam proprietárias de emissoras de sinais de rádio e TV e pronto: mais uma mini-explosão do mercado de trabalho.

Essas ações, simples, carregam em si o duplo germe da geração de empregos – milhares deles, não apenas para jornalistas mas para todos os profissionais de empresas de comunicação – e de desconcentração da propriedade de meios de comunicação, esse último pré-requisito para a democratização do acesso aos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa. O grande bloqueio mental a que muitos estão restritos é a incapacidade de perceber que a solução do problema não reside na sustentação de grandes conglomerados, que quando vêm abaixo causam impactos sociais e econômicos consideráveis.

A alternativa economicamente viável e politicamente democratizante localiza-se na geração distribuída de informações. A exemplo da velha máxima do movimento ambientalista, small is beautiful. Mesmo que não se seja capaz de enxergar.

 

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