Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Libération faz balanço do ano antimídia

 

Libération, jornal que disputa com o vetereno Le Monde a primazia da imprensa cotidiana na França, dedicou a reportagem de capa da edição de 31 de dezembro de 1998 ao “ano antimídias”. Na abertura de reportagens que ocupam três páginas, escreve Michel Chemin:

“A crítica da mídia foi um dos grandes affaires de 1998, ano em que ‘a’ imprensa não foi tratada com muito carinho. É um pouco como se o ofício de informar tivesse se transformado em doença vergonhosa, num contexto em que Os novos cães de guarda, pequeno livro e grande sucesso de Serge Halimi, lançado no final de 1997 [ver remissão abaixo], foi a bíblia, e Pierre Bourdieu, o profeta”.

Reproduzimos abaixo, desse material, entrevista do redator-chefe da revista americana de media-criticism Brill’s Content, Eric Effron.

Este OBSERVATÓRIO começou a fazer balanços críticos sobre os rumos da imprensa em dezembro de 1996 (“O ano em que o rabo se soltou”, alusão a um mote publicitário da Folha de S. Paulo, “de rabo preso com o leitor”). 1997 foi “o ano marrom”; 1998, “o ano em que mídia ficou pelada”.

Ainda não chegamos ao fundo do poço, simplesmente porque esse poço não tem fundo. Ainda assim, já se podem sentir sopros de vento fresco. Pior do que 1998 seria mesmo difícil, porque 1998 foi ano eleitoral, e aí, como dizia o ministro Passarinho, “às favas com os escrúpulos”.

 

Mensário explica aos americanos engrenagens de suas mídias

Luc Lamprière, copyright Libération

“Criada neste verão por Steven Brill, um veterano advogado, a revista Brill’s Content é a mais recente manifestação, nos Estados Unidos, de uma onda de crítica e autocrítica que parece ter invadido a mídia. O objetivo da revista é desmontar métodos e práticas da imprensa escrita e audiovisual, assim como dos veículos novatos chegados à Internet. Brill’s Content afirma vender 225 mil exemplares por mês. A seguir, entrevista com Eric Effron, redator-chefe da revista.

Qual é a função de sua revista?

Effron O público americano manifesta uma animosidade e uma confusão crescentes em face da mídia. Antigamente, quando havia apenas algumas cadeias de televisão e um pequeno número de jornais, as coisas eram simples. Com a explosão dos programas de debate no rádio, da Internet, do cabo e do satélite, a distinção entre ‘boas’ e ‘más’ mídias, os que têm credibilidade e os demais, ficou difícil. E é nisso que pretendemos desempenhar um papel: agimos como uma revista de informação dos consumidores. Pensamos que eles têm tudo a ganhar ao saber mais sobre o que lêem, assistem ou encontram na Internet. Nosso propósito não é apenas atacar a imprensa e dizer o que está errado, mas também explicar como a mídia trabalha, seus critérios e seus métodos.

Que problemas enfrenta hoje a mídia americana?

Effron O mercado está em plena mutação: as pessoas recebem informações provindas de um número crescente de fontes. Em face dessa abundância, os meios de comunicação estabelecidos deixaram de desempenhar seu papel de cães de guarda. Vejamos o caso Lewinsky. Seria inconcebível há alguns poucos anos, talvez mesmo há meses, que alguém como Matt Drudge, sem nenhuma formação e sem particular competência, se tornasse uma força a levar em consideração.

Esta mutação cria um desafio gigantesco para os meios de comunicação. Desafio financeiro, porque devem lutar para conservar seu público, e igualmente ético. O que se poderá fazer quando, por exemplo, Larry Flint (dono da revista pornográfica Hustler) organizar a coletiva que prometeu para denunciar os congressistas que tiveram, segundo ele, relações extraconjugais? Alguns anos atrás, seria inimaginável que o New York Times noticiasse algo assim. Agora, não poderá ignorá-lo.

A defesa clássica da mídia é que ela responde às exigências do público…

Effron Sempre houve, nos Estados Unidos, uma grande tensão entre uma certa vocação de serviço público do jornalismo e sua dimensão de ‘entretenimento’. No fim do século XIX, a imprensa popular se desenvolveu com a idéia de que a informação e os jornais não eram mais destinados a uma elite, mas deviam visar as massas e cobrir assuntos ignorados pela imprensa respeitável. Da mesma forma, a televisão, durante muito tempo, topou tudo mesmo se isto hoje se reduziu: as leis do comércio desempenham papel decisivo nas opções editoriais. Não se trata de questões novas, mas a mudança de cenário tecnológico e econômico afeta-as com particular acuidade.

Se a imprensa responde às exigências do público, por que criticá-la?

Effron Da mesma maneira que não existe mais um establishment midiático monolítico, também não existe o público monolítico. Boa parte da população acha que a imprensa foi longe demais no caso Lewinsky. Entretanto, as cadeias de televisão que cobriram o assunto obtiveram bons resultados. O público é vasto: quando a MSNBC (rede a cabo all-news criada pela NBC e pela Microsoft) dobra seus índices de audiência a cada emissão sobre Monica, ela desloca algumas centenas de milhares de telespectadores, não milhões! Ao mesmo tempo, uma maioria de americanos pensam que o assunto não merece tanta atenção e assistem a outra coisa. Nesse caso, houve algo de mais problemático: os jornalistas que cobriram o caso, quer dizer o establishment de Washington, estavam convencidos de que se as acusações a Bill Clinton se revelassem verdadeiras, o público exigiria sua renúncia. As acusações foram confirmadas, mas o público não tirou as conclusões esperadas: esse erro de julgamento diz muito sobre o fosso existente entre os jornalistas e seu público.

Esse fosso é crescente?

Effron A diversidade dos órgãos de imprensa é tal que se torna difícil dizê-lo. As grandes redes de televisão, que durante muito tempo foram a principal fonte de informação dos americanos, atingem hoje menos de 50% das pessoas. A outra metade desligou seus aparelhos. Obtém um número crescente de informações de novas fontes, em função de suas necessidades e de seu interesse. Não temos mais uma linguagem comum para nossas informações, o que explica que o público esteja freqüentemente desorientado.”

Endereço da Brill’s Content na Internet:

http://www.brillscontent.com

(Pela tradução, Mauro Malin.)

 

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