Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Liege Albuquerque

LEI DA MORDAÇA

"Procurador-geral de SP quer sociedade contra ?mordaça?", copyright Folha de S. Paulo, 24/03/02

"O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo nomeado na semana passada, Luiz Antonio Guimarães Marrey, 46, assume o cargo pelos próximos dois anos na quarta-feira e se mostra inquieto com a possibilidade de aprovação no Congresso da Lei da Mordaça -proíbe juízes, procuradores, promotores e policiais de dar declarações quando houver risco de ferir a imagem e a honra do acusado.

Para ele, a luta contra a Lei da Mordaça deveria ser em conjunto com a sociedade. Diz que seu sentimento é de repúdio: ?É um projeto de lei destinado a calar os membros do Ministério Público. E tem efeito negativo para o interesse público. Não se trata de uma vaidade pessoal.?

Sobre a discussão adiantada da lei, o procurador diz esperar que ?o Congresso se sensibilize para a gravidade do problema e não aprove esse projeto?.

O procurador falou à Folha na última sexta em uma sala emprestada no prédio reformado da Promotoria, no centro de São Paulo. Só muda para a sala do procurador-geral na quarta. A sala hoje é ocupada pelo atual procurador-geral, Geraldo Brito Filomeno, 52, ex-chefe de gabinete de Marrey no segundo mandato.

Contido, mantém a tranquilidade em todas as respostas. Mas se irrita quando questionado sobre uma denúncia feita por um concorrente na eleição. O procurador René Pereira de Carvalho acusou Marrey de superfaturamento da reforma do prédio do Ministério Público durante a campanha.

Folha – O que o sr. vai encontrar de diferente no MP nessa terceira vez na chefia?

Luiz Antonio Guimarães Marrey – Apesar de o trabalho ser o mesmo, é maior. Os problemas do Ministério Público são os problemas da sociedade paulista. Nesse momento a prioridade é o combate à criminalidade. Também noto que a demanda pelos serviços do MP aumentou muito.

Folha – De que forma o Ministério Público pode ajudar no combate à criminalidade?

Marrey – O Ministério Público criou grupos de combate ao crime organizado em cidades do interior. Devemos dar a eles estrutura para funcionar. É claro que não nos compete substituir o trabalho da polícia, mas atuar em conjunto com ela. Nós vamos investir em informação criminal, para poder cruzar dados.

Folha – A prioridade em sua gestão será a informatização?

Marrey – Exatamente. Temos necessidade de uma rede, que está só parcialmente implantada. O Ministério Público encomendou um trabalho à Fundap (Fundação de Administração Pública do Estado de São Paulo) que sugeriu a criação de um núcleo de planejamento estratégico, investimento em treinamento de pessoal e a informatização.

Folha – Quanto vai custar?

Marrey – Temos de fazer essa avaliação de custos e tornar o custo operacional mais leve também.

Folha – Esse prédio em que estamos agora é que foi alvo de denúncias de superfaturamento durante a campanha?

Marrey – Sim, é este. Esse tema foi levantado por uma pessoa de maneira leviana e eleitoreira, mostrando o nível sórdido da campanha desenvolvida por ela. Lamento que uma pessoa tenha descido a um nível tão baixo no desespero de ganhar.

Folha – Foi a segunda vez que ele concorreu, não é [a primeira foi em 2000]??

Marrey -É. Trata-se de uma pessoa sem qualquer credibilidade na carreira. Desceu ao nível da sarjeta na esperança de me impedir de ganhar. As contas referentes à obra foram examinadas pelo Tribunal de Contas e pelo colégio de procuradores. Foram aprovadas inclusive com o voto dessa pessoa que fez essa afirmativa. É a prova de sua má-fé.

Folha – Quanto custou a reforma?

Marrey – Isso eu não sei. Foram dois prédios, teve de refazer parte hidráulica, elétrica. Enfim, quase que se aproveitou somente a estrutura. Não sei quanto custou porque começou na minha gestão mas acabou na gestão seguinte.

Folha – Houve um assassinato de um promotor em Minas Gerais e agora o procurador que investiga os desvios da Sudam foi ameaçado de morte. Essas perseguições devem-se a quê?

Marrey – Agora, 14 anos depois da reforma da estrutura do Ministério Público pela Constituição, o MP está atuando a pleno vapor e passou a apurar crimes e desvios de dinheiro público de pessoas que detêm poder, o que nunca ocorreu na história da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, a sociedade cobra mais ação. Quando a Justiça chega a infratores mais poderosos, há retaliação.

Folha – O sr. já recebeu alguma ameaça de morte?

Marrey – Não, nunca.

Folha – O que o sr. acha desse tipo de violência contra membros do MP?

Marrey – São tentativas de intimidar. É claro que quem trabalha com isso tem de estar atento.

Folha – O sr. tem preocupações com sua segurança, anda em carro blindado, com seguranças?

Marrey – Não. Mas no cargo de procurador-geral, agora, tem a segurança decorrente da necessidade. Mas não tem carro blindado. É uma profissão que não é compatível com o medo.

Folha – O senhor recebeu muitas pressões nas suas duas gestões? Espera receber agora?

Marrey – Não, não recebi pressões de qualquer natureza e não espero recebê-las. Mas também não teriam qualquer sucesso, seriam inúteis. As pessoas sabem que não adiantaria nada qualquer tipo de pressão.

Folha – O ex-governador Paulo Maluf está no primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Como o sr. reagiria a uma vitória?

Marrey – O MP é uma organização independente e atuará de modo igual com qualquer ocupante de cargos públicos.

Folha – O sr. tem medo da Lei da Mordaça?

Marrey – Medo não, eu repudio. Ela é um projeto de lei destinado a calar os membros do Ministério Público. E tem efeito negativo para o interesse público. Não se trata de uma vaidade pessoal. O ocupante do MP tem de explicar o que está fazendo.

Folha – A discussão está bem adiantada no Congresso. Preocupa os Ministérios Públicos?

Marrey – Certamente. Mas deveria preocupar mais a população porque ela é que será prejudicada pela eventual aprovação da Lei da Mordaça. Ainda tenho esperança que o Congresso se sensibilize para a gravidade do problema e não aprove esse projeto."

"Lei da Mordaça sob o ponto de vista jornalístico", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 20/03/02

"A polêmica Lei da Mordaça, ressuscitada pelo senador Bello Fraga (PFL-MA) após o escândalo que prejudica diretamente a candidatura de Roseana Sarney, deverá ser votada nesta quarta-feira (20/3), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O assunto está sendo discutido dentro das redações por influenciar diretamente o trabalho dos jornalistas. A relação entre os procuradores e promotores de Justiça com os profissionais da imprensa muitas vezes não é vista com bons olhos dentro da própria mídia. Comunique-se conversou com Ricardo Boechat, do Jornal do Brasil, Luiz Egypto, do Observatório da Imprensa e Xico Vargas, do no. Os três acham que existe uma certa preguiça por parte dos jornalistas de investigar os casos que chegam através de dossiês.

Egypto critica os repórteres que correm atrás dos acusados exigindo uma defesa, quando, na verdade, deveriam investigar a veracidade do documento que chega às suas mãos. ?Prefiro não dar o furo e depois soltar uma matéria muito melhor, mais completa. Prefiro até mesmo falar sobre o próprio dossiê, sobre os interesses ali contidos?. Ele define o jornalismo feito hoje como cheio de vícios, mas ainda assim de qualidade. Na opinião dele, mesmo com redações cada vez mais enxutas, é possível fazer um bom jornal. ?Acho que depende muito do tipo de gestão nas redações?.

Quando se coloca no papel de cidadão, Boechat afirma ser um fã da seriedade com que os procuradores e promotores parecem trabalhar. Mas afirma que os repórteres que têm nessas figuras da justiça sua única fonte de informação não estão fazendo jornalismo investigativo. ?Talvez essa lei nos faça perceber que nos tornamos escravos do jornalismo receptivo?. Boechat se diz preocupado com fato de agentes da Justiça tornarem-se, cada vez mais, porta-vozes de denúncias feitas na Imprensa. ?É preciso comparar o nosso jornalismo com o que é feito em países onde a democracia está realmente consolidada. Aqui, as figuras do MP se tornam vedetes do cotidiano?.

Vargas acredita que a lei não será aprovada. ?É inconstitucional. É bobeira discutir isso?. Para o jornalista, a maioria dos dossiês não passa de denuncismo barato e falta capacidade dos repórteres de avaliar os fatos. ?O jornalismo investigativo exige mais tempo e sola de sapato. Mesmo com as redações mais enxutas, é possível desenvolver uma cobertura investigativa, é mais difícil, mas é possível?. Os jornais, segundo ele, terão que optar por números ou pela qualidade."