Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Limites vs. liberdade

DEVER DE CASA

Diogo Cavalcanti (*)

"Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão", explode num grito o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de dezembro de 1949. Nas décadas seguintes, a liberdade de expressão ganhou as asas da TV e do satélite, viajando na velocidade da luz, quase atingindo o status da onipresença, modelando gerações.

Seu poder invejável é quase ilimitado, despontando como único setor da sociedade acima das regras, julgador e sem restrições palpáveis, principalmente em países como o Brasil. Por esta razão defende-se em pleno século 21 a idéia de que os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, deveriam ser moderados por órgãos reguladores.

Quem já não contemplou de sua confortável poltrona pessoas sendo ridicularizadas pelas lentes da câmera escondida? Que pai já não se viu obrigado a assistir com os filhos a uma cena de violência ou de pornografia à tarde? Muitos se sentem agredidos e até reagem: há seis anos, o SBT foi obrigado a indenizar com 50 salários mínimos o advogado Jorge da Costa Carvalho, por tê-lo exposto ao ridículo num de seus programas. Entretanto, a maioria das vítimas dos abusos da mídia ? principalmente os telespectadores ? permanecem silentes. Outros até tentam, mas desistem de nadar no oceano da burocracia.

Críticas não faltam. O Jornal do Brasil classifica tais programas como "baixaria$", pálido exemplo da revolta contra o conteúdo de mau gosto apresentado pela televisão. Valendo- se disso, muitos veículos defendem energicamente a volta da censura na TV, para que se seja restrinja a veiculação de programas considerados "impróprios". Montou-se então uma campanha sistemática clamando por "bom gosto" que, por sua vez, facilmente poderia se transformar em censura oficial.

Ivan Pinto, presidente do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), declarou à revista Imprensa que "a censura (…) toca em outro valor profundo, (…) a liberdade", e acrescentou: "Gente morreu e matou por ela."

A alma da discussão está na interpretação do conceito de "liberdade". Pode-se encontrar nesta palavra o direito de transmitir e afirmar qualquer coisa sem compromisso com a veracidade ou com a ética profissional, mesmo que venha a lesar o público, pois o que importa é a audiência ? uma liberdade sem limites, um carro sem freios.

Limite, a palavra-chave

Uma alternativa seria enxergar a liberdade como um direito, sim, mas vinculado à "responsabilidade" assumida pelos profissionais dos meios de comunicação ao veicular qualquer coisa. Esta parece ser a maneira mais coerente de encarar a atividade da mídia.

Segundo pesquisa realizada em 1996 pelo Instituto Gallup e divulgada na revista Imprensa, 76,8% dos 1.008 entrevistados (paulistanos maiores de 15 anos) queriam uma censura prévia para cenas de violência, e 82,9% para cenas de sexo. Na época, o único fórum com função de regulamentar as emissoras de rádio e televisão era a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), mas não funcionava.

Como única forma de fugir de um possível retorno da censura, as emissoras de TV estão apostando na auto-regulamentação. Quatro delas investiram R$ 200 mil num fórum composto por empresários, professores, universitários, sociólogos e representantes do público. Pensa-se num instituto totalmente privado que se proporia a avaliar, sugerir mudanças e prevenir excessos em programas de TV. Sem ligação com o governo, evitaria a volta da "tesoura", acreditam seus defensores.

Conselhos de auto-regulamentação existem em alguns países, entre eles Inglaterra, Canadá, Chile e Sri Lanka. Na Inglaterra, a Comissão de Reclamações Contra a Imprensa atende por telefone, desde 1991, a reclamações do público do Reino Unido.

Exemplos não faltam para ilustrar a situação paradoxal existente na mídia. Por um lado, o desejo de manter a conquista valiosa da liberdade de expressão. De outro, o uso mórbido desse direito, recorrendo ao sensacionalismo para sobreviver no mercado. Pesquisas indicam que o público espera uma atitude.

A palavra-chave parece ser limite. Sem limites a própria liberdade torna-se ditatorial, descontrolada. Uma mídia comprometida com a ética, sujeita a julgamento e mesmo a condenação é a única forma de evitar a perda de credibilidade e, quem sabe, de seus direitos.

(*) Aluno do 2? ano de Jornalismo do Unasp