Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lino Bocchini

‘A TV Globo e alguns jornais engoliram a versão de que o protesto ocorrido ontem na porta da Prefeitura era uma manifestação popular espontânea. Outros veículos, mais cautelosos, deixaram clara a conotação política do ato organizado pelo PSDB. Oficialmente, a ação foi organizada por uma associação presidida pela mulher de um vereador tucano. Subiram no carro de som o vereador em questão, diversos parlamentares e até um pré-candidato a prefeito, todos do mesmo partido. ‘Foi um comício do PSDB’, resumiu com precisão o líder do governo na Câmara, o vereador petista João Antônio, ao Jornal da Tarde.

E não era só: a pauta de reivindicações dos manifestantes continha diversos pedidos há muito atendidos, como a regularização de lotes. Outro fato evidenciou as óbvias intenções do grupo: dentro da Prefeitura, falando alto ao celular, um assessor tucano que acompanhava os manifestantes comemorava a cobertura da Globo e o interesse da TV Record.

Sobre o número de participantes, a PM avaliou em cerca de mil, e os organizadores falaram em 4 mil. O jornal Agora SP bancou a informação dos membros do PSDB (4 mil) como fato consumado, sem citar a fonte. A Folha, do mesmo grupo de comunicação, agiu diferente, publicando as duas avaliações.

JORNAIS COMPRAM MAIS UM ‘LEVANTAMENTO’ DE VEREADOR TUCANO

Ontem, enquanto o PSDB promovia o ato, um vereador tucano, pródigo em levantamentos duvidosos, acusou a Prefeitura de pagar mais pelos CEUs em construção do que pelos já inaugurados. O Estadão, apesar de abrir página com a notícia, pelo menos foi claro no título (‘Vereador diz que custo do CEU…’). Já a Folha, em sua má-fé habitual, não só banca integralmente a informação do vereador como dá uma chamada de capa acima da dobra para a ‘denúncia’, desmentida com veemência pela Secretaria de Educação. A> atitude não surpreende, já que os ‘levantamentos’ do vereador já subsidiaram diversas capas do caderno Cotidiano.’



ELEIÇÕES 2004
Daniel Castro

‘Globo e Band fecham agenda de debates’, copyright Folha de S. Paulo, 16/04/04

‘No meio de uma intensa disputa nos bastidores para decidir quem fará o primeiro debate deste ano, Globo e Band marcaram seus primeiros encontros entre prefeituráveis na mesma semana e antes do prazo final para registros de candidaturas (5 de julho).

A Globo, se a Band não conseguir virar o jogo, vencerá a batalha por apenas três dias. Seu primeiro debate está marcado para 1º de julho, uma quinta, por volta das 12h. Anteontem, a Band fechou com partidos a realização de seu primeiro debate em 4 de julho, um domingo, às 22h.

A Band, no entanto, pode dar um drible na Globo, que exigiu dos partidos a preferência pelo primeiro debate. A emissora paulista marcou para 23 de maio um ‘quase debate’ com líderes de partidos. ‘Esse programa pode virar um debate entre pré-candidatos. Vai depender da definição das candidaturas’, diz Fernando Mitre, diretor de jornalismo.

Membros do alto escalão do jornalismo da Globo duvidam que a Band já tenha acertado seu primeiro debate. Dizem que a emissora ainda não tem o ‘sim’ dos candidatos. Mitre nega: ‘Já temos tudo acertado e assinado’.

O segundo debate da Band será em 12 de setembro, e o da Globo, em 30 de setembro. No segundo turno, haverá debate na Band em 10 de outubro e, na Globo, no dia 29. A Band fechou acordo com os partidos que prevê confronto entre os candidatos nos debates.

OUTRO CANAL

Time

Natália do Vale, Eva Wilma, Antonio Calloni, Carlos Vereza, Erik Marmo, Betty Goffman e Guilherme Piva, além de Marcos Paulo, são os nomes já confirmados no elenco de ‘Romance’, próxima novela das sete da Globo.

Cota

Leandro Firmino da Hora, o Zé Pequeno de ‘Cidade de Deus’, fez teste para interpretar Moacir, delegado de uma cidade imaginária e ‘galã jovem afro-brasileiro’ de ‘Romance’.

Ranking

‘Um Só Coração’ acabou empatando com ‘A Casa das Sete Mulheres’ na disputa pela minissérie de maior audiência da Globo desde 2000. Ambas fecharam com 28 pontos. ‘Um Só Coração’ leva ligeira vantagem: em média, 53% dos televisores ligados ficaram sintonizados na minissérie, contra 52% de ‘A Casa das Sete Mulheres’.

Idéia fixa

Mantendo sua tradição de novelas com títulos esquisitos, o SBT estréia dia 26, às 19h30, a infantil ‘Amy, a Menina da Mochila Azul’ no lugar de ‘Poucas, Poucas Pulgas’. E reprisará ‘Pícara Sonhadora’ a partir de segunda, às 13h.

TV Trash

Foi um sucesso (só no Ibope e para os padrões do SBT) a estréia do seriado ‘Meu Cunhado’, com Moacyr Franco e Ronald Golias, anteontem. Deu média de 21 pontos, com picos de 26.’



ECOS DE 1964
Carlos Heitor Cony

‘Antônio Callado’, copyright Folha de S. Paulo, 10/04/04

‘Reclamei, com certa antecipação, do excesso de testemunhos e depoimentos relativos ao golpe militar de 64 -excesso do qual participei, atendendo a solicitações de colegas da imprensa que me procuraram para engrossar o assunto.

Com o fim da onda, senti falta de um nome que pouco foi lembrado nas muitas e extensas matérias feitas pela mídia. Antônio Callado foi o único jornalista brasileiro pessoalmente proibido de escrever em jornais. De 1964 a 1968, quem quis escreveu contra o movimento militar de abril. Evidente que se pagava o preço, mas era a regra do jogo. Callado foi o único profissional que por decreto do governo ficou proibido de escrever. Os outros ou se proibiram ou não quiseram se manifestar.

Além disso, Callado é autor de ‘Quarup’, que representou para os anos 60 o mesmo que ‘Grande Sertão: Veredas’ representou para os anos 50. Foi preso diversas vezes, numa delas, levou para a prisão na Vila Militar o pôster de Che Guevara que tinha em sua casa, no Leblon. Foi uma cena que Glauber Rocha poderia ter filmado: num jipe aberto, o sofisticado sir Anthony levando o enorme pôster que tremia com o vento da corrida.

Lendária a sua calma que merecia realmente o clichê de ‘fleuma britânica’. Na prisão, sem dar bola para o desconforto, relia pausadamente Proust, o autor francês que mais admirava.

Após o AI-5, quando ficou impossível escrever contra o regime militar aqui instalado, fez uma coisa espantosa. Ele, que nunca brigava por nada, brigou ferozmente pelo direito de ir ao Vietnã, num dos períodos mais violentos daquela guerra e que não trazia nenhuma glória para quem por lá se aventurasse.

Callado foi um dos homens mais importantes da minha geração, tanto no jornalismo, como na literatura e na vida social. Lembrá-lo com carinho é uma obrigação de todos os que resistiram contra o totalitarismo. E para mim, pessoalmente, uma expressão de saudade.’



Zuenir Ventura

‘Escapando por pouco’, copyright No Mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 13/04/04

‘Há duas semanas, eu estava trancado vendo documentários no festival ‘É tudo verdade’, do qual era jurado, em São Paulo, quando soube que Elio Gaspari estava atrás de mim, querendo falar com urgência. Interrompi às pressas o trabalho e liguei para ele:

– Você escapou de morrer – ele começou, à sua maneira, sem preparação: primeiro dá a notícia e depois explica. Como o verbo estava no passado, fiquei mais ansioso do que assustado. Devo ter raciocinado como um perfeito idiota: se escapei, é porque não morri, então tudo bem.

Aliviado, quis saber detalhes. Ele tinha encontrado um documento do antigo Serviço Nacional de Informações (o SNI da ditadura militar) e queria me mostrar. Ou eu pegava a chave de sua biblioteca, a Malan, e ia lá eu mesmo localizar o tal papel, ou esperava até o jantar que teríamos dois dias depois na casa de Edla Van Steen e Sabato Magaldi, quando então ele me entregaria uma cópia xerox. Como daí a pouco eu seguiria para Porto Alegre, o remédio era esperar até minha volta a SP. Imaginem o suspense.

Elio me esperava com um envelope grande na mão. Dentro, o documento, de 1º de setembro de 1975, com o carimbo de ‘secreto’. Trata-se da ‘apreciação sumária no 02/GAB/75’, que o SNI enviara ao presidente da República, na época, o general Geisel. São dez páginas de análise da conjuntura política, com um capítulo dedicado à subversão na imprensa. Segundo o informe, a ‘infiltração na imprensa’ obedecia a duas linhas de atuação. Uma, ‘francamente comunista ou esquerdista’ (jornais ‘Opinião’, ‘A Crítica’, ‘Movimento’ e ‘Pasquim’). A outra, ‘por não ser concentrada, é de mais difícil caracterização’. Seria o caso de ‘Última Hora’, ‘O Globo’, ‘Estado de São Paulo’ e revista ‘Visão’, que estariam submetidos a um processo de infiltração de ‘elementos do Partido Comunista’.

É quando se fala de ‘Visão’ que apareço na história: ‘Apesar de ter demitido mais de uma dezenas de jornalistas esquerdistas, tendo em vista a sua nova orientação – combate à estatização dos jornais – ainda mantém em seus quadros ZUENIR VENTURA, comunista apontado como o coordenador das campanhas que o PCB desencadeia na imprensa e também do remanejamento dos jornalistas esquerdistas nos órgãos de divulgação do país’.

Parecia uma piada de tão ridículo. O problema, porém, é que a repressão acreditava nas fantasias que inventava, e muitos inocentes morreram por causa disso. Para ela, por exemplo, a ‘infiltração esquerdista’ era a responsável ‘pelo clima de desconfiança, e até mesmo de revolta, observado em parcela da população relativamente grande, contra alguns setores do governo’.

Minha sorte, segundo Elio, é que o SNI de Brasília não passou as informações para a agência de São Paulo, sede da revista, que eu freqüentava semanalmente, como chefe de redação da sucursal do Rio. Se fosse preso, eu iria negar a acusação, claro, já que nunca fui do Partido Comunista e nem coordenava nada. Aliás, nem minha casa, que é coordenada por minha mulher. ‘Mas justamente por isso, porque não tinha nada para entregar, é que você ia apanhar até morrer’, explica meu amigo, que, como se sabe, é o maior especialista em ditadura militar.

A ‘apreciação sumária’ é de setembro. Um mês depois, Vladmir Herzog, que tinha trabalhado comigo na ‘Visão’, foi preso sob a acusação de atividades subversivas. Não precisou de muito tempo para que ele fosse apresentado com uma corda amarrada no pescoço como se tivesse suicidado. Vlado morreu porque não tinha o que revelar. O seu brutal assassinato levou D. Paulo Evaristo Arns – com aquela coragem cívica com que enfrentava os militares – a abrir as portas da Catedral de São Paulo para um culto ecumênico que reuniu, talvez pela primeira vez naqueles tempos, toda a classe jornalística. Na revista ‘Época’ da semana passada, D. Paulo conta ao repórter Federico Mengozzi como Vlado foi morto, provavelmente depois de gritos de dor da tortura: ‘Eles queriam silenciar Herzog e encheram sua boca com lã, também para fazê-lo sofrer. Ele era cardíaco e o coração parou, e não conseguiram mais reanimá-lo’.

Em 1999 fui dado como morto num acidente, com direito a notícia na internet. Os obituários, já prontos, só não foram publicados nos jornais porque ressuscitei a tempo. Luiz Fernando Verissimo escreveu uma crônica dizendo que foi pena porque perdi a oportunidade de tomar conhecimento do que ‘todo homem no fundo quer, que é saber o que dirão dele depois de morto’. Agora descubro que há quase 30 anos escapei por pouco. Isso é chato, porque quando chegar de fato minha hora, se é que vai chegar, corro o risco de ninguém acreditar. Já estou vendo o Tutty tentando convencer as pessoas: ‘Dessa vez é pra valer’.’