Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Livros, simplicidade e criatividade

LITERATURA NA TV

Paulo Lima (*)

Quem quiser saber de vida inteligente, aprofundamento de informação e reflexão sobre a geléia geral contemporânea que dê tratos à bola e vá procurá-las longe do écran luminoso de um aparelho de televisão. Não é mister da caixinha de fazer doido fomentar mergulhos abissais nas searas do conhecimento, seja ele de que tipo for. No cardápio diário do planeta TV, servem-se somente nacos do cotidiano novidadeiro e voraz. E nesse cardápio, mais das vezes, os temas relacionados com a cultura ficam de fora ou ocupam senão fatias de espaços marginais nas grades de programação.

Esta generalização, como de resto toda e qualquer consideração que tome o particular pelo todo, está sujeita a injustiças. Aqui e ali, vislumbram-se algumas ilhas de excelência que se reportam exatamente à cultura e, às vezes, mais especificamente, à literatura, assunto normalmente representado pelo nefasto traço nas pesquisas de audiência, diferentemente de novelas, telejornais, talk-shows e programas de auditório.

Não é para menos. Com a crítica literária escanteada dos cadernos culturais dos jornalões, outrora redutos de combativos jornalistas com destacado background cultural, e a conseqüente pasteurização do que sobrou, permaneceram umas poucas trincheiras do mainstream cultural impresso (cito de passagem as revistas Cult e Bravo!) a tratar do assunto, e uma plêiade de esforços menores, situados em diversas regiões do Brasil que, embora bem-sucedidos nos rincões em que atuam, estão distantes, infelizmente, de atingir um público maior.

Somem-se a essas dificuldades de divulgação da literatura no Brasil os preços estratosféricos dos nossos livros, decorrentes das baixas tiragens das edições etc.etc.

É neste cenário pouco alvissareiro que merece registro o esforço da TV Senac, de São Paulo, ao veicular duas vezes na semana, com as reprises de praxe, o programa Literatura. Com poucos recursos visuais, o programa, apresentado por Ricardo Soares, logra êxito ao combinar simplicidade e criatividade.

Dividido em dois tempos de 30 minutos, o programa reserva um bloco para cada entrevistado, normalmente um escritor com livro recém-lançado ou alvo de homenagens especiais, como foi o caso recente de Ariano Suassuna. No decorrer da entrevista, é enfocado tanto o livro de safra recente do autor, como todo o restante da lavra.

Reside aí um dos grandes diferenciais do Literatura sobre os poucos programas do gênero, como o Espaço Aberto Livros, da Globo News, atualmente apresentado pelo jornalista Edney Silvestre, e as investidas culturais de André Abujamra e Sérgio Brito, ambos na TV Cultura.

Ampliação de horizontes

Outro diferencial está na leitura de trechos selecionados da obra mais recente de cada autor ? leitura, diga-se de passagem, muitíssimo bem conduzida por um ator e uma atriz de impecáveis recursos dramáticos.

Pelo Literatura já desfilaram não somente escritores, como jornalistas, filósofos e historiadores, compondo um portfólio rico e variado tanto de autores consagrados como de estreantes.

Como explicar o sucesso de um programa com produção tão modesta? Talvez a "química" do Literatura resida na simplicidade da estrutura, marca aliás de achados geniais. Ao mesclar boa prosa à la talk-show com informações relevantes sobre literatura e arte, o programa se distancia dos poucos concorrentes. Mas a combinação de bate-papo com informação é um apanágio também dos demais programas do gênero.

Onde está o diferencial do Literatura? Talvez no estilo de Ricardo Soares, uma espécie de antimodelo do apresentador de TV, se considerado o costumeiro look que pontua o padrão visto no écran. Vestido como um colegial, o âncora do Literatura proseia com o entrevistado como se ambos conversassem numa mesa de botequim. O resultado não poderia ser mais agradável para quem assiste ao programa.

Mas, se essas razões, por assim dizer, midiáticas não explicam a boa fortuna do Literatura, só nos resta zapear em sua direção e usufruí-lo, sem mais delongas ou porquês.

Parodiando o velho Monteiro Lobato, um país se faz com homens, livros e uma mídia à altura dessa veleidade iluminista. Seguramente o Literatura da TV Senac está contribuindo para a ampliação desses horizontes.

(*) Estudante de Jornalismo e editor do Balaio
de Notícias
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