Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Longe demais na viagem

DOMINGO ILEGAL

Carlos Alberto Martins Netto (*)

Acho que sempre temos que tomar cuidado ao criticar o que vemos na TV, pois aquilo que existe (geralmente de má qualidade) tem uma razão de ser. Mas é inadmissível o que o SBT fez sob o comando do apresentador Gugu Liberato (obcecado por ter sua própria rede de TV). Simular entrevista com dois supostos integrantes do PCC, facção criminosa paulista, foi o cúmulo do abuso.

Milhões de telespectadores brasileiros buscam na TV informação e lazer, geralmente encontram quase tudo pronto, e infelizmente também se deparam com uma realidade simplificada e abordagens superficial de problemas. O episódio da farsa montada pela equipe de Augusto Liberato me assusta, pois a TV, hoje, é o meio de onde as pessoas recebem a maioria de seus referenciais de mundo. A TV fala da vida, nos “toca”, nos atinge, desperta emoções imediatas. Apelar para uma mentira com a finalidade de ganhar pontos no Ibope é de uma insensatez mórbida. Os psicopatas da comunicação que armaram essa farsa, dessa vez, foram longe demais na viagem ao imaginário.

De olho na audiência, sempre torcem por uma rebelião sangrenta, uma invasão de terra, um grave acidente, tudo “regado” a sangue e morte. Os abutres metálicos (os helicópteros das principais emissoras de TV) estão sempre de prontidão para sobrevoar o local da carnificina. Depois daquele “belo” acidente, o negócio é segurar audiência, com imagens da tragédia, até a chegada do camburão do IML. Isso é o que eles chamam de notícia, jornalismo-verdade, prestação de serviço e outros tantos jargões.

O programa do Gugu vem perdendo há vários meses a audiência para o Domingão do Faustão. Para mudar esse quadro, o SBT contratou novos diretores e jornalistas, o que pelo visto não deu muito certo; o jeito foi apelar para a armação de um factóide, e assim garantir pontos a mais Ibope e, é claro, o emprego da equipe. Wagner Mafezolli, repórter que entrevistou “Alfa e Beta”, supostos integrantes do PCC, teve ainda a “cara de pau” de dizer que se reservava o direito constitucional de preservar a fonte da informação. O que ele queria na realidade era preservar sua fonte pagadora. Cláudio Abramo já dizia que a ética não está no jornalismo nem em outra profissão, ela está no cidadão. Se alguém não se sente parte do outro e se não sabe que o outro é parte dele, dificilmente será ético; é possível que pense: para que ser ético? Para que respeitar os outros?

Saudades do Chacrinha

Segundo o jornal Extra, do Rio de Janeiro, Sílvio Santos exigiu rigor nas apurações e retratação no ar do apresentador Gugu Liberato, o que não aconteceu no programa posterior à exibição da farsa. Outra falta de respeito com o telespectador, que esperava, no mínimo, uma satisfação do animador.

É difícil, mas quando tento ligar a TV e assistir a alguma coisa no domingo sinto na pele o que a maior parte da população é obrigada a digerir. Domingo é um dia de descanso, para muitos, um dia de reunir a família em casa, e deveria ser também um dia para assistir a bons programas na TV (deveria?).

Lutar contra a televisão pode parecer perda de tempo, ela está entre os principais objetos de desejo da maioria das pessoas, mas isso não significa que devemos deixar de criticar e de exigir que ela cumpra seu dever ético diante da sociedade. Até porque, mesmo estando nas mãos de grupos oligopolistas, ela é concessão pública. Cabe a cada um de nós exigir programação digna e maior controle do que vai ao ar. Não estou falando de censura, mas sim de moderação no que é mostrado aos telespectadores. Merecemos respeito como cidadãos, somos seres humanos e não porcos.

Quanto mais vejo TV, mais sinto saudades do Chacrinha, o Velho Guerreiro, e de seus programas que misturavam calouros e música, na Buzina do Chacrinha. Lembro ainda de uma expressão popularizada por ele: “Eu vim para confundir, não para explicar”. Hoje, infelizmente, o que vemos na TV são farsantes que aparecem para iludir e enganar.

(*) Professor