Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Último Segundo

JORNALISTA DESAPARECIDO

"Jornalista desaparecido", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 24/08/02

"O chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Zaqueu Teixeira, afirmou que o jornalista Carlos Alberto de Carvalho, de 39 anos, não foi seqüestrado, como declarou em depoimento neste sábado na Delegacia de Homicídios.

?Esse crime não ocorreu (…). A polícia tem prova suficiente de que neste período ele (Carlos) esteve hospedado em hotel, teve companhias e fez saques bancários?, disse Teixeira, acrescentando que o editor será processado por falsa comunicação de crime e terá a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico solicitada à Justiça pela Polícia Civil. A falsa comunicação de crime é previsto no Código Penal e tem pena de 1 a 6 meses de prisão.

Carvalho, que é editor de imagens da Rede Globo, telefonou na manhã deste sábado, por volta das 6h30, e avisou que estava bem. Em seguida, teria ido dirigindo para casa.

O jornalista havia sido considerado desaparecido, pois não se comunicava com a família ou com a Rede Globo há mais de uma semana, desde sexta-feira (16). Teixeira tinha determinado, então, que as investigações fossem feitas pela Delegacia Anti-Seqüestro (DAS), pois a primeira hipótese era que Carvalho havia sido vítima deste tipo de crime. Até mesmo um boletim de ocorrência na 15? DP (Gávea) foi feito pela Rede Globo.

Esta é a terceira vez que o editor ?desaparece?. Segundo o comunicado da Globo, na primeira vez ele foi vítima de um seqüestro-relâmpago. Na segunda, de acordo com seu relato, ele foi seqüestrado quando saía da emissora e levado para a Rocinha. Lá, bandidos teriam perguntado a ele os nomes dos participantes da reportagem Feirão das Drogas, levada ao ar no mês de agosto daquele ano.

O caso alertou a emissora pela suspeita de que se tratasse de mais um possível crime contra jornalistas praticado por criminosos em retaliação a reportagens, como ocorreu com o jornalista da Globo Tim Lopes. Ele foi morto no dia dois de junho, depois de ser capturado na Vila Cruzeiro, quando fazia uma reportagem sobre um baile funk. Ele foi torturado e brutalmente assassinado supostamente por criminosos ligados a Elias Maluco, chefe do tráfico no morro.

A reportagem pretendia denunciar a venda e o consumo de drogas no local, além da realização de shows de sexo explícito com a participação de menores nos bailes. Segundo os depoimentos colhidos pela polícia, a reportagem realizada por Tim Lopes sobre a Feira de Drogas da Vila Cruzeiro teria sido o principal motivo que levou Elias Maluco a ordenar o assassinato do jornalista.

A Rede Globo divulgou a seguinte nota através do ?Jornal Nacional?:

A TV Globo aplaude o trabalho realizado pela polícia e lamenta profundamente o ocorrido e os transtornos provocados pelo seu funcionário.

Fica, no entanto, aliviada com duas coisas: em primeiro lugar, com o retorno, com vida e segurança de Carlos Alberto, a quem a despeito das faltas graves, oferecerá tratamento médico, psiquiátrico e de desintoxicação.

E em segundo lugar, com os indícios que levam a polícia a acreditar que também foi falso o seqüestro de outubro, que serviu para que alguns mal-intencionados tentassem mover uma campanha contra a TV Globo, especialmente após a morte brutal do nosso colega Tim Lopes. A verdade sempre vence no final?."

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"Editor de imagem da TV Globo desaparece no Rio", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 22/08/02

"A Rede Globo enviou no final desta tarde um comunicado à imprensa noticiando o desaparecimento de Carlos Alberto Carvalho, o Beto, editor de imagem do Esporte Espetacular. A polícia do Rio de Janeiro já iniciou as investigações. Carvalho está desaparecido desde a última sexta-feira.

Segundo o site ?Comunique-se?, Beto é testemunha no caso da ex-produtora da emissora Cristina Guimarães, que deixou a empresa por estar sendo ameaçada depois que fez a matéria Feira de drogas, na Rocinha.

?Acho que ele deve ter sido seqüestrado. Acredito que o desaparecimento do Beto tenha a ver com o caso Tim Lopes?, disse Sylvia Helena de Carvalho Arcuri, irmã do editor. ?Descobri que estão sacando dinheiro da conta dele?, completa, em entrevista ao site.

Beto também teria faltado a um depoimento para o qual foi intimado na semana passada na Corregedoria Geral Unificada. Ele também era esperado na 15? DP para depor no caso de Cristina Guimarães.

Leia a íntegra do comunicado da Rede Globo:

?É com extrema preocupação que a TV Globo comunica que Carlos Alberto Carvalho, editor de imagem do Esporte Espetacular, da TV Globo, está desaparecido desde a sexta-feira, 16 de agosto. Já no dia seguinte, a emissora registrou o caso na 15? DP (Gávea), após se certificar de que ele não tinha voltado para casa. Carlos Alberto trabalhou normalmente na quinta-feira e deixou o trabalho com o seu carro, um mini Gurgel vermelho, placa BIW 3136. No dia seguinte, ele tinha marcadas gravações para as dez e meia da manhã. Ele também estaria de plantão no sábado e no domingo.

De início, o pai e a mãe de Carlos Alberto, embora apreensivos e extremamente preocupados, em conversas com a direção do departamento de esporte e com nossa equipe de segurança, disseram que achavam possível que ele reaparecesse em breve, o que não aconteceu. Em vista disto, a TV Globo, que antes preferiu não noticiar o fato imediatamente, decidiu hoje informar o desaparecimento em seus telejornais.

Desde sexta-feira, no entanto, nosso departamento de segurança está em contato permanente com a Polícia do Rio e com a família de Carlos Alberto, tentando descobrir o seu paradeiro. A hipótese mais provável, segundo investigações já feitas, é que Carlos Alberto tenha sido vítima de um seqüestro relâmpago, mas os investigadores não descartam qualquer outra possibilidade.

Esta é a terceira vez que Carlos Alberto é vítima de fatos desse tipo. No ano passado, poucos meses depois de começar a trabalhar na Globo, ele deixou de comparecer ao trabalho por dois dias, período durante o qual foi procurado, sem sucesso, por seus colegas de trabalho. Quando reapareceu, explicou que o pai dele tinha sido vítima de um seqüestro relâmpago e que, por isso, passara o sábado e o domingo à procura dele.

Também no ano passado, em outubro, Carlos Alberto desapareceu durante dois dias. Segundo seu relato, ele foi seqüestrado quando saía da emissora e levado para a Rocinha. Lá, segundo contou, bandidos perguntaram a ele os nomes dos participantes da reportagem Feirão das Drogas, levada ao ar no mês de agosto daquele ano. Como editor de imagem do Esporte, Carlos Alberto não tinha essas informações e nada disse. Carlos Alberto contou que acabou sendo libertado.

Durante o seqüestro, felizmente, Carlos Alberto não sofreu maus-tratos físicos. O seqüestro foi registrado na 15? DP, que abriu inquérito, até aqui inconcluso. Durante 44 dias, após o seqüestro, Carlos Alberto teve segurança privada durante 24 horas do dia, fornecida pela TV Globo. A segurança foi suspensa a pedido do funcionário, depois que a polícia disse que ele já não corria risco.

Note-se que o registro policial do desaparecimento de Carlos Alberto poderia ter sido feito em outra delegacia, mas optou-se por fazê-lo na 15? DP justamente para facilitar as investigações, porque ali já corre o inquérito sobre o seu desaparecimento de outubro: a polícia tem, portanto, todos os dados pessoais de Carlos Alberto.

Quando o repórter Tim Lopes, autor da reportagem Feirão das Drogas foi assassinado, a TV Globo ofereceu a todos os envolvidos no trabalho várias opções para aumentar a segurança de cada um (não podemos detalhá-las por motivos óbvios). Mesmo não sendo repórter, mesmo trabalhando apenas com a edição de imagens do departamento de esporte e mesmo não tendo tido qualquer participação na reportagem sobre a feira de drogas, Carlos Alberto foi chamado para uma conversa com a direção da Central Globo de Jornalismo. Na ocasião, ele disse que como não tinha de fato nenhuma participação em reportagens policiais, sentia-se seguro, pptando por permanecer como estava.

Até o momento, a polícia não estabeleceu ligação entre o desaparecimento de Carlos Alberto e o seqüestro de que foi vítima há dez meses. A TV Globo, profundamente preocupada, espera o total esclarecimento do caso, com o empenho firme da polícia do Rio para que tudo seja resolvido. A prioridade é fazer tudo para proteger a integridade física de Carlos Alberto, que esperamos ter de volta ao nosso convívio o mais rapidamente possível.

Central Globo de Comunicação

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2002.?"

 

DROGAS

"A geopolítica das drogas e sua face oculta", copyright Folha de S. Paulo, 22/08/02

"Organizações não-governamentais de prestígio internacional estão trabalhando na preparação de um importante e crítico informativo sobre os motivos do insucesso da ONU no trato do fenômeno das drogas ilícitas. Estão sendo analisadas as convenções e as assembléias especiais da ONU, a partir do Protocolo de Paris, de 1948.

Esses instrumentos celebrados foram chamados de ?convenções dos mais fortes?. Neles, prevaleceu a estratégia norte-americana de retumbante fracasso na redução do consumo e de muito sucesso para encobrir os interesses hegemônicos, estratégicos e econômicos. A respeito, basta lembrar as suas bases militares instaladas a título de enfrentamento do narcotráfico. Estão localizadas em Manta (Equador), Iquitos (Peru), Aruba (Caribe) e Curaçao (Antilhas), onde estão estacionadas modernas aeronaves de guerra e espionagem.

Interessante notar, no particular, ter a agência norte-americana antidrogas, Drug Enforcement Administration (DEA), com base em informações transmitidas por uma das bases mencionadas, interceptado com a polícia da Nicarágua um navio de bandeira brasileira transportando 8 toneladas de cocaína pura, vendida pelos cartéis colombianos à máfia russa. No Brasil, não se soube dessa ocorrência.

O pior dessas convenções decorre da impossibilidade de alterações sem que haja unanimidade dos Estados-membros. Como os EUA, os países islâmicos e os escandinavos têm igual postura; torna-se impossível a mudança de qualquer convenção em vigor, ainda que pareceres contrários sejam apresentados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Assim, ainda prevalecem as rígidas posturas criminalizantes para redução da demanda por drogas, as autoritárias regras para obrigar os consumidores a tratamentos centrados na total abstinência e a militarização para aniquilar os centros de cultivo e produção.

Para fiscalizar e opinar sobre o cumprimento das convenções, foi instituído o International Narcotics Control Board (INCB), em 1961. O INCB acabou de reclamar do que chamou de ?novas estratégias de tolerância?, adotadas em Portugal, na Espanha, na Itália, em Luxemburgo, na Bélgica e no Reino Unido. Condenou as políticas da Holanda e da Suíça, pois divorciadas do previsto nas convenções, especialmente nas de 1961 e 1988.

Por evidente, o INCB notou que vários países da Europa Ocidental abandonaram a linha norte-americana convencionada e trilharam outros e diferentes caminhos. Exemplo disso foram as adoções de práticas sociossanitárias de redução de riscos e danos -sem obrigar abstinência de uso de droga- e, também, a despreocupação criminal com a maconha, rompendo-se com a proibição estabelecida nas convenções.

Incomodou a INCB, ainda, a legislação portuguesa, que deixou de criminalizar a posse de drogas para uso próprio, considerada só infração administrativa.

O informativo crítico em preparação deverá circular em março do próximo ano. Será debatido em encontros de ONGs e enquanto os Estados-membros da ONU estiverem analisando os resultados conseguidos após cinco anos da Assembléia Especial sobre Drogas, ocorrida em 1998. A agência da ONU sobre prevenção ao crime e controle de drogas (UNOCCP) conduzirá o evento oficial, já com seu novo diretor, o italiano Antonio Maria Costa.

Na esfera não-governamental há esperança de um papel ativo do novo diretor da UNOCCP no combate aos ?senhores do crime e das drogas?. Segundo Alison Jamieson, especialista escocesa em criminalidade organizada mafiosa, os últimos levantamentos do FMI concluíram que ?perto de US$ 1 trilhão, provenientes de atividades criminosas, circulam diariamente nos mercados financeiros?.

Tal movimentação resulta da nova estrutura organizacional das associações criminosas, conectadas numa ?network? planetária. Basicamente, o cartelito cuida dos financiamentos, incluídos os dos insumos químicos para a composição das drogas sintéticas e refino de cocaína e heroína. As ?firmas? cuidam dos laboratórios de produção, dos recursos humanos, do transporte e das entregas. Compete à direção administrar a distribuição da droga pela rede, bem como realizar a lavagem do dinheiro e a reciclagem do capital limpo em atividades formalmente lícitas.

Como se pode notar, os chefões dos cartelitos permanecem inatingíveis e, agora, a droga sintética virou o grande negócio. Confirmou-se, assim, o alerta dado pela UNOCCP em 1996, qual seja, de que as sintéticas seriam as drogas mais difundidas do século 21.

Os três grandes centros produtores de drogas sintéticas estão localizados nos EUA, na Europa Ocidental e no Sudeste Asiático. As apreensões policiais giram em torno de 5% a 10% do colocado no mercado. Os dados sobre apreensões são poucos confiáveis, mas servem para algumas constatações. Pelos últimos números levantados, relativos ao biênio 1997/98, no Reino Unido, foram sequestrados 3 milhões de drágeas. A Holanda apreendeu 1,5 tonelada de cápsulas e as polícias norte-americanas, 1,7 tonelada.

Por outro lado, as associações criminosas transnacionais triplicaram a área de cultivo de coca na Colômbia, graças às novas técnicas agrícolas introduzidas, apesar das fumigações sob patrocínio norte-americano. A criminalidade organizada cuidou, ainda, de experimentar plantios de coca na Geórgia, na ilha de Samoa e na República Democrática do Congo (ex-Zaire). Mais ainda, continua a lavagem do dinheiro sujo nos grande centros ?on shore?, como Miami e Nova York.

Em síntese, a paralela reunião de ONGs em Viena contribuirá para importantes esclarecimentos, em época de aumento de narco-Estados, de países cúmplices, de elites políticas sustentadas pelos narcodólares e de novas e seguras rotas de distribuição.

Wálter Fanganiello Maierovitch, 55, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Giovanne Falcone e professor visitante da Universidade Georgetown, de Washington (EUA). Foi secretária nacional antidrogas da Presidência da República (1999-2000)."