Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luiz Caversan


CASO ABRAVANEL

"Show aéreo", copyright Folha de São Paulo, 31/08/01


"A televisão brasileira consagrou ontem o ?jornalismo aéreo? como campeão de audiência e de permanência no vídeo. Foram mais de oito horas de imagens aéreas, mas também de desencontros de informações, numa só cobertura.

Globo, SBT e Record, as líderes de audiência, ainda uma vez lideraram a atuação televisiva na transmissão do episódio envolvendo Silvio Santos e o sequestrador de sua filha, Fernando Dutra Pinto. Com seus helicópteros sempre focando a casa do Morumbi, elas bombardearam o telespectador com todos os tipos de informação, muitas delas contraditórias ou simplesmente fantasiosas.

Mas o ?furo? noticioso do dia, como se diz no jargão jornalístico, foi da Rede Bandeirantes que, por intermédio de seu canal local em UHF, o 21, teve imagens da mulher do apresentador e de suas filhas deixando a casa, ainda em roupas de dormir, logo após a invasão do sequestrador. Foi apenas obra do acaso, porque uma equipe da emissora se encontrava no local para tentar falar com o apresentador. Como se sabe, a sorte também faz parte desse tipo de atividade.

A bobeada do dia teve como protagonista justamente a emissora do sequestrado, o Sistema Brasileiro de Televisão.

No desfecho do episódio, enquanto a câmera da Globo, por exemplo, dava um close no empresário caminhando ao lado do governador Geraldo Alckmin na direção do portão da casa, a jornalista que comandava a cobertura da emissora, Patrícia Pioltini, ouvia a narração do repórter que se encontrava no local e chamava desesperadamente o piloto da aeronave do SBT, que saíra no encalço do carro que supostamente levava o sequestrador. Não adiantou: acabou perdendo a cena.

Antes disso, Globo, SBT e Record (a primeira, com Carlos Nascimento no comando; a segunda, com Ratinho como comentarista; e a terceira com José Luiz Datena atuando como se estivesse num de seus programas normais) ficaram o tempo todo fixadas na casa, no movimento de policiais e dando trombadas com as notícias e ?informações que acabaram de chegar?.

Na Globo, Silvana Nigro era uma cirurgiã especialista em situações de risco; no SBT, ela era a médica particular de Silvio Santos. Na Record, o ?comentarista? Netinho nem sequer sabia quem era o sequestrador: teve de perguntar a Datena se era o mesmo que sequestrara a filha de Silvio Santos.

Bastava mudar de canal para perceber que cada um chutava para um lado: o pai do rapaz está lá dentro; a irmã está chegando; mais uma irmã virá; a médica já fez o curativo; não, o sequestrador não quer ser socorrido porque teme ser sedado; sim, foi ele quem exigiu que fosse uma médica e não um médico; agora, Silvio Santos está com a pressão alta; o governador cancelou a agenda para acompanhar o sequestro; o comandante da PM é quem está negociando diretamente com o rapaz, que estava na cozinha, na sala de ginástica ou no quarto da casa.

Não dava para saber o que estava acontecendo de fato e o que era apenas desinformação.

No SBT, Ratinho parecia um santo: passou o dia chamando o sequestrador pelo nome, dizendo que ele estava apenas preocupado com sua segurança, que tinha de ter garantias para sair com vida, que o governador e o secretário da Segurança deveriam estar ali, que a culpa era dos presídios que não recuperam os presos no Brasil, e que tudo terminaria bem.

Às vezes, soltava uma ou outra imprecação, mas se controlava, evidentemente em nome da segurança do sequestrado.

Bastou, porém, ter certeza de que tudo havia terminado para voltar ao normal: ?Agora, vamos ver se todo mundo chama o rapaz de sequestrador? Fica chamando de Fernando, sr. Fernando… É sequestrador, pô! Daqui a pouco vai virar herói. É sequestrador e assassino. Bandido!?

Exageros e desencontros à parte, no geral as emissoras de televisão proporcionaram um longo show ao telespectador, que pôde acompanhar um drama real como se estivesse diante de um programa da Globo, do SBT, da Record, da Band…"


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"A TV democratiza a tragédia", copyright Pensata (www.pensata.com.br), 30/08/01

"O país viveu uma situação absolutamente inédita há poucos dias: nunca tanta gente participou durante tanto tempo de uma mesma tragédia num mesmo dia.

Claro, refiro-me ao episódio envolvendo Silvio Santos e o sequestrador de sua filha, que durou mais de oito horas, com transmissão ao vivo por praticamente todas as emissoras do país e com recordes de audiência.

(Abro parêntesis aqui para justificar o emprego da palavra tragédia: embora tudo tenha terminado sem vítimas, não pode deixar de ser uma tragédia um cidadão, qualquer cidadão, ficar oito horas com um ou dois revólveres apontados para a cabeça).

Bem, a notoriedade de Silvio Santos foi fator determinante, mas ao fato é que todos compartilharam da angústia, do nervosismo, do desencontro de informações, e sofreram com isso, ao longo da quinta-feira. Foi, por assim dizer, a democratização do drama real e verdadeiro.

E isso aconteceu por um longo período de tempo, como se fosse um filme interminável, de roteiro pobre e desfecho desconhecido.

Já houve casos semelhantes, como o sequestro do ônibus no Rio (em que a refém foi morta pela polícia; é bom lembrar disso agora, quando governador Garotinho, no seu habitual oportunismo eleitoral, fica ?tirando casquinhas? da polícia paulista) ou o resgate das vítimas do desabamento do shopping em Osasco, ou ainda, muito tempo atrás, o incêndio do edifício Joelma, em São Paulo, quando se pôde ver, também ao vivo, pessoas se atirando para a morte do arranha-céu em chamas.

Mas o drama vivido por Silvio Santos é emblemático por inúmeros motivos, além do fato de ter durado oito longas horas e de haver um criminoso que publicamente retornou ao local do crime.

Silvio Santos, que vive do show bizz, assistiu ao seu drama particular bater recordes de audiência nesse mesmo show bizz. O aceno e o sorriso que ele deu no final do seu martírio lembrou um domingo qualquer, quando ele encerra seu eterno programa com um aceno e um sorriso.

O que aconteceu na quinta-feira nas TVs deveria, tecnicamente, ser chamado de cobertura jornalística, mas prefiro classificar como espetáculo de mídia em torno de um crime, porque transcendeu o jornalismo e, no fundo, a própria espetacularidade da TV, cujas emissoras se viram obrigadas a fazer malabarismos verbais e de imagens esperando que acontecesse ?alguma coisa?. No espetáculo, o final é em geral previsto e previsível.

E a ?coisa? mais interessante que acabou acontecendo foi o seguinte: Silvio Santos bateu os recordes de ibope da Globo na própria Globo.

Isso daria um belo estudo semiológico…"

 

"Show do sequestro termina em sorriso", copyright Folha de São Paulo, 31/08/01

"Pois é, governador Geraldo Alckmin. Felizmente terminou com o sorriso, marca registrada de Silvio Santos, a segunda etapa do sequestro que envolveu a família Abravanel.

Meus parabéns pela sua pronta ação, pelo seu pulso firme. Congratulo-me com o senhor por ter colocado a preservação da vida da vítima em primeiro lugar. Já imaginou se o governador do Estado não tivesse atendido ao pedido do sequestrador?

Melhor não navegar por essa suposição lodacenta, não é mesmo, governador? Melhor não pensar que qualquer roteirista merreca de Hollywood teria se antecipado aos fatos.

Nos filmes americanos, como o governador bem sabe, em vista da ousadia demonstrada pelo sequestrador, que ainda estava à solta, e levando em conta o depoimento de Patrícia Abravanel, que perdoou seus algozes, as autoridades certamente teriam colocado ao menos um carro da polícia para montar guarda na frente da casa do apresentador.

Mas isso é coisa de filme americano, e nós lidamos com fatos concretos. Assim sendo, sensato governador Alckmin, o senhor já pensou se a segunda parte do sequestro com os Abravanel tivesse tido um desfecho nefando? E o seu futuro político, governador? E as chances de o PSDB eleger seu candidato nas eleições presidenciais?

Coisa cabeluda imaginar algo de ruim ocorrendo nestas circunstâncias com alguém da importância de um Silvio Santos, né não? Eu compreendo. O senhor teve de agir rápido. Houve pouco tempo para cálculos.

Mesmo assim, caro governador, me pergunto como Mario Covas teria atuado no seu lugar. O senhor já deve estar acostumado a essa comparação, não? Pois então. Será que o governador Covas teria cedido aos caprichos de um criminoso? Creio que nunca. Será que o governador Covas teria transformado São Paulo inteira em refém, dando um gosto a um sequestrador de primeira viagem?

Particularmente, meu governador, eu du-vi-de-o-dó. Acho que Mario Covas ficaria pê da vida com o senhor. Tenho a impressão de que, se ele estivesse entre nós, acharia que o senhor escancarou a porteira. Que nosso Geraldinho Alckmin deu provas de que o governo perdeu completamente o pulso da situação.

Amanhã vou assaltar um supermercado e exigirei a presença da Marta. Não, acho que prefiro o Gugu. Depois de sua atuação de ontem, governador, sei que tenho ótimas chances de que autoridades e figurões dêem as caras só para me prestigiar."

    
    
                     

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