Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Luiz Eduardo Borgerth

TV / DESNACIONALIZAÇÃO

"A desnacionalização da TV brasileira", copyright Folha de S. Paulo, 13/11/02

"Em sua coluna de domingo retrasado, na Folha, o jornalista Elio Gaspari, impressionado com a exclusividade da presença do futuro presidente da República na TV Globo, levantou a questão do relacionamento entre o futuro governo e os meios de comunicação (Brasil, pág. A16, 3/11). O texto merece análise, discussão, extensão e pequena correção. A jornalista Eliane Cantanhêde já havia levantado a questão na mesma Folha, logo após o memorável ?Jornal Nacional? em que ficou claro que o único candidato que poderia ter derrotado Lula era William Bonner.

A questão é muito mais profunda, grave e delicada do que a opção, talvez inábil, do futuro presidente pelo canal de maior audiência e de liderança jornalística indiscutível. Enquanto não for empossado, Lula é (legalmente) um cidadão como qualquer outro e pode se comportar como tal; e faz bem em fazê-lo. Terá quatro, talvez oito anos para se comportar como presidente. Aí é que veremos.

A questão é profunda e grave porque vai muito além das relações do futuro governo com a mais poderosa e com as menos poderosas redes de televisão, assim como com todos os demais órgãos da imprensa. A discussão que o evento suscita, e que a coluna do jornalista propicia, é sobre o papel e a significação dos veículos de comunicação na sociedade democrática e capitalista moderna e, especificamente, numa sociedade como a nossa, insuficientemente democrática, pouco liberal e nada capitalista -pois, como vemos, os nossos maiores capitalistas estão com tudo, menos capital.

É delicada porque envolve os interesses de todas as empresas de mídia e há de ser arbitrada pela classe política, que precisa da mídia, pensa depender da mídia ou, pelo menos, de um único grupo de mídia.

Se vamos aceitar a perspectiva do deputado José Dirceu, citada por Gaspari, de que as empresas de comunicação social transcendem o mero mundo dos negócios ? ?são questão de Estado?-, e é imperioso que os democratas a aceitem, é necessário distinguir comunicação social -ou seja, jornais, revistas e jornalismo- do que não o é. E, se formos examinar a crise que provoca essa discussão, veremos que nada ou muito pouco tem a ver com a imprensa livre que desejamos.

Não é esta imprensa que está em crise, ou melhor, em Crise, com c maiúsculo. As pedras com quem conversa o renomado jornalista estão, no mínimo, exagerando. Eu diria, também exagerando, que toda imprensa séria está sempre em crise, com c minúsculo. Ademais, o próprio jornalista esclarece que jornais e televisões do grupo vão bem, obrigado. Eu diria muito bem, obrigado, já que fica com cerca de 70% das verbas destinadas à televisão, que, por sua vez, aumentaram 13% no primeiro semestre deste ano sobre o mesmo período de 2001.

A crise diz respeito a empresas ?sui generis?, misto de transportadoras e produtoras de programas entregues em casa; mas uma transportadora que decide o que transporta para entrega na sua casa. Para ser moderno, diria ser um ?mix delivery?. Nos Estados Unidos, onde, entre outras novidades, inventou-se a rede de notícias (CNN, mãe das ?news? Band e Globo), que transmite guerras e crimes ao vivo, a televisão por cabo reduziu a audiência da televisão aberta pela metade em pouco mais de uma década; em parte, por poder entregar quantos filmes existam, assim como programas especiais e para ?adultos? (leia-se eróticos e pornográficos) e eventos sob pagamento individual.

No Brasil, não pegou porque é muito caro; mesmo o básico o povo não pode pagar.

Surpreendentemente, exatamente nessa hora a Comissão de Educação do Senado entende, com o apoio explícito do atual governo, que a desnacionalização da televisão via cabo é a solução para a falta de dinheiro (vamos parar de chamar dinheiro de liquidez) das empresas que se dedicam a esse serviço de primeira necessidade. Sejamos globalizantes, dizem, no que nos chega via satélite ou cabo; nacionalistas só na rasteira, que nos chega de graça, pelo ar, que este sim é nosso. Nesta, só 30% e olhe lá. O cabo já é mesmo da Pirelli.

É o que podemos chamar de nacionalismo aéreo, em todos os sentidos. E ainda se deu ao luxo, a comissão, mostrando bom senso, de indeferir requerimento de senadora do PT que pedia fosse ouvido o Conselho de Comunicação Social que o Senado acabou de instalar.

No bruaá do dia -nada na calada da noite, sem chamar a atenção do país-, é dada a partida para a desnacionalização total das empresas de televisão via cabo, portanto da televisão brasileira, uma vez que, em mãos bilionárias e competentes, adequado seu preço ao bolso nacional, em pouco tempo 85% dos lares brasileiros poderão receber seus programas de TV por cabo. Este é o número dos EUA alguns anos atrás.

Parecia-me que uma atividade que se vê distinguida com o status de ?questão de Estado? devesse ser merecedora de maior atenção e tivesse melhor discutidas as soluções do seu endividamento. Talvez o presidente do PT pudesse recomendar ao presidente do Brasil que interviesse, explicasse que se trata de uma questão de Estado, mas brasileiro, que pode resolvê-la sem vítimas fatais e sem jogar fora o bebê com a água do banho.

Do jeito que querem resolver, a solução para a cabodifusão brasileira é deixar de ser brasileira, o que não é solução, embora a morte não deixe de ser uma solução para o doente. (Luiz Eduardo Borgerth, 70, advogado, é consultor do SBT e presidente da União Nacional de Emissoras e Redes de Televisão.)"

 

"Análise do Dia", copyright Epcom (www.acessocom.com.br), 14/11/02

"TV paga desnacionalizará TV aberta, diz Borgerth

Ao analisar os textos dos jornalistas Elio Gaspari e Eliane Cantanhêde publicados pelo jornal ?Folha de São Paulo?, nos quais criticam as entrevistas exclusivas concedidas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva à TV Globo e as implicações políticas resultantes do episódio, o consultor do SBT e presidente da União Nacional de Emissoras e Redes de Televisão (UneTV), Luiz Eduardo Borgerth, sustenta que a questão é muito mais grave e profunda do que se imagina. ?A discussão que o evento suscita, e que a coluna do jornalista propicia, é sobre o papel e a significação dos veículos de comunicação na sociedade democrática e capitalista moderna e, especificamente, numa sociedade como a nossa, insuficientemente democrática, pouco liberal e nada capitalista – pois, como vemos, os nossos maiores capitalistas estão com tudo, menos capital?, opina em artigo para ?Folha?, referindo-se ao reescalonamento da dívida da Globo Comunicações e Participações S/A (Globopar), em torno de US$ 1,5 bilhão, mencionado por Gaspari. ?AcessoCom? registrou que Gaspari traçou um histórico do endividamento das empresas de mídia desde os anos 60, criticando o presidente do PT, José Dirceu, que disse que a crise do setor deveria ser tratada como ?um assunto de Estado?, mas sugerindo que o governo ajude as empresas de ?forma assumida?.

Para Borgerth, a situação é delicada por que envolve os interesses de todas as empresas de mídia, por este motivo é ?necessário distinguir comunicação social -ou seja, jornais, revistas e jornalismo- do que não o é. E, se formos examinar a crise que provoca essa discussão, veremos que nada ou muito pouco tem a ver com a imprensa livre que desejamos?. Na opinião do consultor, Gaspari está exagerando quando menciona a crise da Globo, pois a TV Globo abocanha 70% das verbas publicitárias destinadas ao meio. ?A crise diz respeito a empresas ?sui generis?, misto de transportadoras e produtoras de programas entregues em casa; mas uma transportadora que decide o que transporta para entrega na sua casa?, observa. No seu entender a crise na grupo da família Marinho deve-se à operadora de TV a cabo NET, serviço que ?não pegou no Brasil porque é muito caro; mesmo o básico o povo não pode pagar?.

Desnacionalização progressiva

O consultor também se surpreendeu com o fato de, ?exatamente nessa hora?, a Comissão de Educação do Senado, com o apoio explícito do atual governo, aprovar o projeto de lei explicitando o entendimento de que a ?desnacionalização da televisão via cabo é a solução para a falta de dinheiro (vamos parar de chamar dinheiro de liquidez) das empresas que se dedicam a esse serviço de ?primeira necessidade?. Se em outra MP o governo regulamentou a abertura ao capital estrangeiro das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons em imagens em até 30%, no cabo o governo foi ?globalizante? permitindo a entrada de 100% de capital externo, acrescenta Borgerth. ?E ainda se deu ao luxo, a comissão, mostrando bom senso, de indeferir requerimento de senadora do PT que pedia fosse ouvido o Conselho de Comunicação Social?, acrescenta. No entender do consultor do SBT, a desnacionalização das empresas de TV a cabo, resultará, em pouco tempo, na desnacionalização da televisão brasileira, já que ?mãos bilionárias e competentes? adequarão seu preço ao ?bolso nacional?. Ele sugere que o presidente do PT explique ao novo presidente ?que se trata de uma questão de Estado, mas brasileiro?. Observando que em pouco tempo 85% dos lares brasileiros poderão receber seus programas de TV por cabo, como acontece nos EUA, Borgerth acredita que ?do jeito que querem resolver, a solução para a cabodifusão brasileira é deixar de ser brasileira, o que não é solução, embora a morte não deixe de ser uma solução para o doente?."