Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luiz Weis

GOVERNO LULA

“Uma oportunidade para Lula”, copyright O Estado de S. Paulo, 23/05/03

“O presidente ficou de mandar ao Congresso nas próximas semanas, com pedido de urgência, um amplo projeto para os transgênicos. É a sua chance de mostrar que o governo não pretende ser refém do atraso, nem tem medo do novo – afinal, a esquerda sempre se deu bem com a ciência. O Planalto terá de se impor aos setores da administração que, por paranóia ou preconceito, querem impedir a agricultura brasileira de tirar proveito da biotecnologia. Eles argumentam que a sua disseminação permitirá às multinacionais da engenharia genética controlar, com as suas sementes, a produção mundial de alimentos e invocam os seus imensuráveis perigos potenciais para a saúde e o ambiente – que ninguém ainda conseguiu comprovar.

Já ficou monótono repetir que milhões de pessoas vêm consumindo transgênicos regularmente há pelo menos seis anos e nem por isso tiveram problemas de saúde diferentes daqueles eventualmente causados pelas comidas convencionais: quem, por exemplo, for alérgico à soja, sofrerá os mesmos efeitos ingerindo soja transgênica ou não. E vice-versa. Isso porque os dois tipos de alimento têm o que os cientistas chamam ?equivalência substancial?.

Em teoria, culturas geneticamente alteradas podem afetar a natureza. Por isso, as pesquisas e experiências são constantes. Mas as plantações transgênicas ocupam quase 60 milhões de hectares, nos cinco continentes, sem sinal da catástrofe anunciada.

O desastre profetizado para a economia rural de base familiar parece outra denúncia vazia, a julgar por um recente estudo da Organização de Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO). O trabalho descreve os benefícios possíveis da biotecnologia para o combate à fome e à pobreza nos países em desenvolvimento. Por representar uma alternativa eficaz aos métodos tradicionais de cultivo, a engenharia genética poderá ser muito útil para a produção agrícola em ambientes desfavoráveis, ?onde muitos dos pobres do mundo vivem e plantam?. Segundo a organização, ?alguns resultados promissores já foram obtidos no desenvolvimento de variedades com características complexas, como resistência ou tolerância a secas, salinidade do solo, insetos e doenças, contribuindo para reduzir as quebras de safra?.

Em conseqüência, a biotecnologia permite a agricultores com poucos recursos reduzir os gastos com pesticidas e fertilizantes, o que é bom para o ambiente, a saúde humana e os rendimentos do trabalho rural. A FAO não desconhece que a oferta de sementes transgênicas se concentra num punhado de megacorporações, cujo mercado, naturalmente, são os fazendeiros em condições de arcar com o preço de tais produtos. Por isso, em vez de proibir o uso de organismos geneticamente modificados (OGMs), o certo seriam iniciativas, no plano nacional e internacional, para promover parcerias entre o setor público e as empresas privadas, a fim de tornar os custos das criações da biotecnologia compatíveis com as possibilidades do pequeno agricultor.

Experiências nessa direção já começam a ser ensaiadas. ?Este é o maior desafio em matéria de política agrícola para o futuro?, diz a FAO. Trata-se de aumentar os investimentos em pesquisas com OGMs voltadas não apenas para a redução do dispêndio por área plantada – o grande atrativo para o agronegócio -, mas sobretudo para o desenvolvimento de plantas resistentes a adversidades naturais, como falta de chuvas ou, ao contrário, excesso de água acumulada no solo, elevada salinidade e temperaturas extremas. A FAO sugere que a área pública financie ou coordene o financiamento de tais pesquisas em institutos particulares. O Brasil, naturalmente, poderá valer-se da Embrapa – se e quando o governo injetar vida nova nessa que chegou a ser uma organização modelar no setor e hoje enfrenta uma crise devastadora.

A FAO dá grande destaque ao algodão transgênico na China, como exemplo do uso da biotecnologia – e das parcerias que a entidade recomenda – em países de agricultura tradicional. Muito suscetíveis a pragas, os algodoais requerem sucessivas aplicações de pesticidas, que são caros, exigem trabalho redobrado e não raro afetam a saúde dos lavradores. Por isso, o algodão transgênico Bt é ?uma história de sucesso?, afirma o organismo das Nações Unidas. Em três anos, a contar de 1997, quando o governo chinês autorizou o seu cultivo comercial, a área plantada se expandiu de 2 mil para 70 mil hectares. Esse aumento colossal se explica por outros números.

Os algodoais transgênicos consumiram 80% menos inseticida do que os convencionais e necessitaram apenas um terço de aplicações. Tudo somado, o custo de produção por quilo do produto colhido caiu 28%. Já a produtividade por hectare aumentou de 3,18 toneladas (no algodão comum) para 3,37 toneladas. Além disso, apenas 5% dos cotonicultores chineses da variedade Bt tiveram problemas de saúde associados ao trabalho – um contraste formidável com os 22% dos demais produtores. Os ganhos econômicos foram avaliados em US$ 334 milhões por ano. ?A adoção em ampla escala da tecnologia de OGM na China?, ressalta o estudo, ?poderá impulsionar outros países em desenvolvimento a fazer o mesmo.?

Desde que, é bom acrescentar, as pesquisas nesses países não sejam tolhidas por leis inspiradas pelo horror aos transgênicos. É o que parece ser o caso do Brasil, onde testes com transgênicos, relatou neste jornal, domingo, o repórter Herton Escobar, estão sujeitos à obtenção do mesmo Registro Especial Temporário (RET) exigido dos agrotóxicos. Tudo indica que a equiparação dos OGMs com propriedades biopesticidas aos venenos químicos só serve para travar as pesquisas. ?A quantidade de papel que precisamos preencher torna o trabalho inviável?, queixou-se um pesquisador ao Estado.

Sem falar que aquelas mesmas propriedades existem também em plantas criadas por cruzamentos convencionais, que, por sinal, não precisaram de RET algum.

O Planalto precisa ficar atento para o seu projeto sobre transgênicos não escorregar em cascas de banana como essa – nem ser vítima da sabotagem dos inimigos internos. (Luiz Weis é jornalista)”

“Os falsos repórteres”, copyright Folha de S. Paulo, 24/05/03

“A culpa e a responsabilidade não são exclusivamente de Lula nem de Duda Mendonça. A prática é generalizada. Mas o programa político do PT transmitido quinta-feira à noite ajuda a perpetuar um recurso para enganar os eleitores.

Trata-se do uso de pessoas a soldo do partido falando com um microfone na mão como se fossem jornalistas. Havia gente de Paris e de outras cidades no exterior. Na tela, aparecia a qualificação do contratado: ?Fulano de tal, Paris, repórter?.

Repórter? Como repórter, cara pálida? Repórter é quem faz reportagens jornalísticas para algum meio de comunicação, buscando ser imparcial e objetivo no seu trabalho.

É notável que esse fato seja tão corriqueiro a ponto de quase ninguém notar nem reclamar. Em períodos eleitorais, é comum ver pelas ruas furgões de produtoras de TV contratadas por políticos com a inscrição ?reportagem? em suas portas.

O profissional pago para aparecer como repórter pode até ler uma informação verídica. Não é esse o ponto. O problema é que aquela pessoa está ali para falar bem de um político ou partido -e não para investigar algum fato jornalisticamente.

É um desvio. Mal -ou bem- comparando, é como o episódio ocorrido há algum tempo quando uma modelo seminua rebolava na TV com uniforme de enfermeira. Estava errado. Foi proibida de aparecer.

Não é o caso, por óbvio, de expressar uma reclamação rançosa e corporativa. Mas está chegando a um limite intolerável o uso que os políticos fazem de ?repórteres? em seus programas. Muitos contratados devem até ser jornalistas. Só que a função deles num programa político nada tem a ver com jornalismo. É propaganda e marketing.

O slogan do governo Lula agora é o sugestivo ?A gente sente, o Brasil está diferente?. No que diz respeito a deturpar a função de repórter, não deu ainda para sentir a diferença.”

“?A gente sabe? que não está diferente”, copyright Folha de S. Paulo, 24/05/03

“Se ?a esperança venceu o medo?, como disse Lula ao ser eleito, a principal preocupação da propaganda governamental é evitar que a esperança se desfaça.

O vice e a equipe econômica podem se desentender, os chamados radicais podem fazer barulho, o Fome Zero pode patinar. Quase tudo pode acontecer, desde que o presidente não perca a rede protetora representada pela aprovação de um público que, chamado a escolher entre continuidade e mudança, optou pela segunda em outubro passado.

Daí o slogan ?A gente sente, o Brasil tá diferente?, mote do programa do PT exibido em rede nacional na noite de anteontem.

Conhecedor de seu ofício e dos humores da rua, o marqueteiro Duda Mendonça escolheu o verbo possível nas atuais circunstâncias. Não serviria ?A gente sabe, o Brasil tá diferente?, porque ?a gente? sabe que não está.

Pode-se discutir em que medida a responsabilidade é do atual governo ou da ?herança maldita? de FHC, mas o fato é que não está diferente, em especial no que diz respeito a crescimento econômico e emprego, os temas que moveram a campanha eleitoral.

?Saber? exige um mínimo de aferição. ?Sentir? é impalpável e portanto mais maleável, como mostram os exemplos oferecidos pelo programa.

Segundo a propaganda, o Brasil está diferente porque um tratorista se recusou a cumprir ordem judicial para derrubar a casa de uma família na periferia de Salvador.

Dane-se que tal gesto não tenha envolvido participação do governo federal, como observou ontem o jornal ?O Globo?. A julgar pelo programa, gestos individuais de solidariedade não existiam antes de 1? de janeiro de 2003.

O Brasil está diferente porque um negro foi indicado para o Supremo Tribunal Federal. Ótimo, mas foi menos diferente quando FHC indicou uma mulher?

Acusada de preconceito por ter exigido um diploma de Lula na campanha eleitoral, a marquetagem tucana deve ter dado boas risadas ao ver uma das atrizes do programa encher a boca e fazer cara de espanto para informar que o novo ministro ?fala fluentemente? três idiomas, como a dizer: ?é negro, mas estudou?.

O Brasil também está diferente, diz a propaganda petista, porque a Embraer ?venderá jatos para os Estados Unidos!?. Pouco importa que já venda há anos. Para fazer a ponderação é preciso ?saber?. Esqueça. Basta ?sentir?.

Em seu discurso, Lula pediu paciência. Pelo que indicam as pesquisas, o público ainda tem bastante. Enquanto ela durar, quase tudo pode acontecer, inclusive um programa de TV mistificador como o exibido na quinta-feira.”