Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Luís Nassif

GLOBO EM CRISE

"O caso Globo Cabo", copyright Folha de S. Paulo, 20/03/02

"No sábado passado apresentei os argumentos do BNDES para a operação Globo Cabo. A lógica do banco é que, com a atual estrutura de capital, a Globo Cabo é inviável, colocando em risco o próprio dinheiro que o banco tem a receber. Portanto há que capitalizar a empresa para viabilizá-la e salvar os ativos lá colocados.

Na opinião de analistas de mercado, o aporte de capital, de fato, é inevitável, mas não resolve de imediato a vida da empresa. Com a capitalização de R$ 1 bilhão, a dívida cairia para R$ 800 milhões e o capital subiria para R$ 1 bilhão. O valor do endividamento seria razoável para os padrões de mercado, mas não viabilizaria a empresa em seu formato atual.

Há duas pedras no caminho. A primeira, seu próprio desempenho operacional, diz Eduardo Aragaki, do Sudameris. Em 2001 o resultado operacional da companhia (geração de caixa) foi de R$ 277 milhões. A depreciação anual do investimento (que mede quanto a empresa tem que investir para repor os equipamentos que vão sendo usados) foi de R$ 423 milhões. Se a dívida de R$ 800 milhões for paga a 18% ao ano, haverá mais R$ 144 milhões de despesa financeira anual. Ou seja, mesmo reestruturada, a companhia ainda terá prejuízo por volta de R$ 300 milhões por ano, apenas por conta da depreciação e da despesa financeira.

Essa diferença entre depreciação e resultado é decorrência da capacidade ociosa da rede. Portanto o aumento do uso é fundamental para estabelecer o equilíbrio do negócio.

Aí se entra no segundo nível de análise, as características do negócio cabo. Como lembra o leitor e provavelmente analista Augusto César Contrucci Alvim, o modelo de TV a cabo vem sofrendo em todo o mundo. Quando a Globo Cabo foi lançada, havia projeções irrealistas de penetração no mercado brasileiro. O nível de penetração é de apenas nove domicílios por cem com TV aberta.

Esbarra-se no problema de renda e na própria competição da TV aberta. Na Argentina o cabo conquistou parcelas expressivas de consumidores, mas, além da melhor renda do argentino, a TV a cabo reservava para seus assinantes atrações como campeonatos de futebol. Aqui há uma canibalização entre a TV aberta e a TV a cabo. E, perdendo a hegemonia absoluta que marcou a era Boni, dificilmente a TV Globo abriria mão de atrações em favor do cabo.

Estratégia possível

Para dar novos usos à sua rede -como a banda larga de telefonia-, a Globo Cabo precisaria não só de investimentos como de clientes. Mas como conseguiria clientes para a sua rede se é concorrente também por meio do Virtua?

A partir desses dados e de alguns sinais colhidos no ano passado, o analista levanta algumas hipóteses para a operação. Em sua opinião, a estratégia consiste em fazer o aporte mínimo para viabilizar a empresa. Depois a Globo Cabo venderia a rede para um novo operador, que investiria em um padrão melhor e poderia alugar pelo mesmo preço para a próprio Globo Cabo e seus competidores. De um lado, a Globo Cabo se livraria da depreciação gigantesca. De outro, receberia pelos ativos vendidos.

São vários os sinais que apontam nessa direção. Primeiro, o fato de o BNDES convencer a Globopar (controladora da Globo Cabo) a estender o ?tag along? (o direito de receber o mesmo valor das ações do controlador) de 100% para os minoritários, inclusive para os acionistas preferenciais. O ?tag along? é optativo. Como o BNDES tem ações preferenciais, é evidente que está se resguardando, diz Aragaki.

O segundo sinal é que em setembro do ano passado todas as empresas das Organizações Globo juntaram-se para criar um ágio. O ágio consiste na diferença entre o valor de aquisição de companhias adquiridas e seu valor contábil. Ele serve para abater do Imposto de Renda, no momento em que a empresa registrar lucro.

Em setembro do ano passado, a Globo Cabo já tinha prejuízo acumulado de R$ 1,5 bilhão -que poderia ser abatido dos lucros futuros à razão de 1/3 ao ano. Por que então esse trabalho de consolidar o ágio? A única explicação é a possibilidade de um lucro extraordinário, proveniente de venda de ativos."

 

"TV sem salvação", copyright Jornal do Brasil, 23/03/02

"O empresário e acionista do Grupo Globo Roberto Irineu Marinho, em entrevista publicada na revista PAY-TV do mês de outubro do ano passado, provocou forte impacto ao deixar claro que é muito difícil aumentar a base de assinantes da Globo Cabo quando a Rede Globo de Televisão apresenta excelente e variado conteúdo em sua programação. Disse ainda que ?a Globo? cometeu ato de loucura ao colocar no ar, em 1991, quatro canais sem nenhum assinante.

Hoje a Globo Cabo tem cerca de 1 milhão 300 mil assinantes, número muito distante dos 50 milhões de aparelhos de televisão instalados no Brasil. Algumas previsões admitem que, com 3 milhões de assinantes, uma TV por assinatura começaria a ser viável.

Além da diversificação da programação da TV a cabo, o assinante inicialmente quer ter boa qualidade técnica na recepção da imagem da TV Globo e, em conseqüência, dos demais canais, em sua residência. Desculpem-me a comparação, mas a TV a cabo transformou-se numa gigantesca antena coletiva, no que diz respeito a infra-estrutura e recepção.

A grande dificuldade que a TVA (Grupo Abril) teve no seu desenvolvimento foi não poder carregar em suas instalações e distribuições por Wireless (microondas e UHF) a imagem da TV Globo.

Na entrevista à revista PAY-TV, Roberto Irineu Marinho deixou claro que sem conteúdo e qualidade fica difícil fazer televisão por assinatura, ainda mais num país onde, queiram ou não, a Rede Globo produz um diversificado conjunto de conteúdo para vários segmentos da variada classe social. A TV Globo é uma TV por assinatura onde o telespectador nada paga.

Agora um problemão para a TV por assinatura está chegando ao Brasil – a TV digital. Essa moderna tecnologia, que possivelmente será implantada e regulamentada ainda este ano pela Anatel, poderá pôr em risco o mercado de TV por assinatura de qualquer modalidade. Para um melhor entendimento, vou explicar: as TVs abertas (Globo, SBT, Bandeirantes etc.) transmitem em canais de VHF. Estuda-se, no governo, e deveria ser aprovado pelo Congresso, que cada rede de TV aberta receba um canal de UHF para começar a fazer a TV digital. Cada canal de UHF permite, no mínimo, a transmissão de quatro canais em digital. Isso será possível adaptando e comprando em qualquer loja de equipamentos eletrônicos, por cerca de R$ 300,00, um pequeno aparelho (set-op-box) que, instalado em qualquer aparelho de televisão, permitirá que continuem a ser vistas as transmissões atuais e mais as de quatro canais de TV digital em 50 milhões de aparelhos.

O telespectador continuará a receber a TV Globo normalmente e, quando operacionalizar o aparelho (set-op-box), verá através de um canal digital de altíssima qualidade a mesma TV Globo. E se a TV Globo quiser, oferecerá, no mínimo, mais três canais, também digitais, com transmissões futebolísticas, big-brothers 24 horas no ar, reprises das grandes novelas, internet, interatividade, gravação dos melhores momentos das transmissões esportivas e demais produtos que a tecnologia digital permitirá.

Se isso acontecer, o especialista Nelson Hoineff, que em recente artigo no JB perguntou quem poderia salvar a TV a cabo, poderá ficar certo de que ninguém a salvará. (Paulo César Ferreira, empresário, é autor de Pilares via satélite)"

 

"TVs pagas batalham por financiamento", copyright O Estado de S. Paulo, 23/03/02

"A necessidade de financiamento, que a Globo Cabo procura resolver com sua capitalização de R$ 1 bilhão, ainda persiste para as outras empresas de TV por assinatura. O setor completou, em 2001, dez anos de existência, sem lucros, apesar de ter investido US$ 1,2 bilhão só em infra-estrutura. As companhias de TV paga definiram que este será o ano para a mudança no setor, mas existe o risco de que o socorro dos sócios à maior empresa do mercado venha a enfraquecer o interesse da Globo Cabo em participar das negociações.

?O setor está convencido de que o modelo atual necessita de ajustes?, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura (ABTA), Alexandre Annenberg. ?Do jeito que foi estruturada é difícil que a atividade se estabilize economicamente.? No ano passado, a Globo Cabo registrou prejuízo de R$ 700 milhões, enquanto a TVA perdeu R$ 182 milhões entre janeiro e setembro de 2001.

O primeiro passo será dado hoje, quando representantes das maiores operadoras vão se reunir com a consultoria Accenture para identificar quais são os principais problemas do setor. O mercado de TV por assinatura é o único das telecomunicações a ter ficado sempre abaixo da expectativa de crescimento traçada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No ano passado, havia 3,6 milhões de assinantes em todo o País, ante uma previsão da agência de 5,6 milhões.

Segundo o vice-presidente da Anatel, Antônio Carlos Valente da Silva, a agência vai acompanhar de perto as discussões das operadoras. ?Reconhecemos que temos um trabalho grande em TV por assinatura?, afirma, ressaltando que as medidas efetivas só serão tomadas depois de ver o trabalho da consultoria contratada pela ABTA. O estudo sobre a atividade deverá ficar pronto em 90 dias.

O sonho das grandes empresas de TV paga é conseguir como ?sócio estratégico? uma operadora de telecomunicações. Quando anunciou a venda de 30% da Globo.com para a Telecom Italia, há dois anos, o vice-presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho, apontou a operadora italiana como uma possível parceira para a Globo Cabo. O negócio não se concretizou e, além disso, a operadora italiana anunciou no mês passado que pode se desfazer da fatia da Globo.com. A Telecom Italia reduziu o valor contábil do investimento na empresa de Internet de US$ 810 milhões para cerca de US$ 30 milhões.

A TVA também tem procurado um parceiro de telecomunicações nos últimos anos, sem sucesso. ?Ainda existe um certo preconceito das operadoras de telefonia em relação às redes de TV por assinatura?, afirma Leila Lória, superintendente da empresa. A TVA chegou a conversar com várias operadoras.

Este ano, em que a antecipação de metas de 2003 permitiria que as empresas de telefonia fizessem parte do controle das companhias de TV a cabo, as operadoras de telecomunicações também se encontram em crise, sem caixa para aquisições.

Outra alternativa vislumbrada pelas empresas seria vender sua infra-estrutura, concentrando suas atividades em programação e vendas. ?Isso depende muito da estratégia de cada empresa?, diz o presidente da ABTA, José Augusto Pinto Moreira, que também ocupa a presidência da TVA. O máximo que a empresa de TV paga do Grupo Abril conseguiu até hoje foi alugar trechos de sua rede de cabos para a TIM.

Para contornar o problema do alto endividamento de curto prazo, a Globo Cabo anunciou há duas semanas uma capitalização de R$ 1 bilhão, em que o o sócio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) garantiu R$ 284 milhões. De uma dívida total de R$ 1,552 bilhão, a empresa precisa pagar este ano R$ 583 milhões. Setenta e nove por cento das dívidas de curto prazo são em dólar. A capitalização deve reduzir a dívida e deixar o balanço da empresa mais atraente para um novo sócio.

A TVA fez uma operação semelhante em 2001. O Grupo Abril injetou R$ 360 milhões na companhia, reduzindo o endividamento da empresa de R$ 524 milhões para R$ 195,5 milhões.

A operação para recapitalizar a Globo Cabo recebeu alguns questionamentos, pois o BNDES garantiu 28,4% da operação, enquanto sua participação acionária atual está em 7,6%. O superintendente de Logística e Telecomunicações do banco, Marco Antônio Lima, afastou qualquer irregularidade neste fato e apontou que as Organizações Globo garantem 54% dos recursos e detêm uma fatia total de 38,1% da empresa. Na semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado decidiu convidar o presidente do BNDES, Eleazar de Carvalho, para depor sobre a operação.

Para Moreira, da ABTA, o apoio do BNDES à Globo Cabo poderia ser estendido a outras empresas. ?O BNDES tem condições de assumir um papel central na remodelagem do mercado de TV paga?, afirma. A Horizon, que opera TV a cabo no interior de São Paulo, já havia conseguido no ano passado R$ 202 milhões em recursos do BNDES.

Do total, R$ 172 milhões são empréstimos e R$ 30 milhões compra de debêntures conversíveis em ações. ?Sacamos R$ 50 milhões?, conta Chris Torto, presidente da Horizon. As debêntures têm prazo de cinco anos e, se convertidas, vão corresponder a 8%. Torto considera positivo o negócio anunciado pela Globo Cabo, mas o diferencia do que obteve a Horizon. ?No caso deles, trata-se de uma recapitalização. Nós conseguimos uma linha de crédito para investimentos futuros.?

O executivo não considera que a operação anunciada pela Globo Cabo vai reduzir o interesse da empresa numa remodelagem do setor, pois, segundo ele, os novos recursos resolvem a parte financeira, mas não os problemas de operação que afetam todas as companhias de TV paga.

A Globo Cabo planeja enviar três executivos para a reunião: André Borges, diretor jurídico; Fernando Mousinho, diretor executivo de clientes corporativos; e Marco Aurélio Ferreira, diretor-executivo de clientes individuais. ?Iremos buscar idéias para um novo modelo e validar o processo e a metodologia para sua construção?, garante Ferreira."