Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luís Nassif

EJ RECLAMA

"Mídia, denuncismo e democracia", copyright Folha de S. Paulo, 9/7/02

"Fernando Collor de Mello tinha duas características perigosas. Uma, francamente negativa, a falta de limite com os esquemas de arrecadação política. A segunda, muito mais perigosa, o voluntarismo extremado. O voluntarismo ajudou a remover alguns obstáculos à modernização, mas poderia ter gerado um ditador não fosse a primeira característica e a credibilidade da mídia, que permitiu agir como poder moderador, ajudando a alijá-lo do poder.

Doze anos depois, corre-se o risco de um presidente tão voluntarista quanto Collor, sem sua fragilidade moral, e com dois dos principais fatores de moderação -mídia e Ministério Público- desmoralizados pelo abuso do denuncismo por parte dos seus.

Tem-se hoje, em diversos Estados, alguns dos principais denunciados pela mídia crescendo nas pesquisas, demonstrando a perda de eficácia das denúncias. Mais que isso, o denuncismo misturou alhos com bugalhos, honestos com ladrões, faltas leves com crimes, condenou inocentes e alforriou suspeitos óbvios pela incompetência de recolher provas, afetou a imagem das instituições e dos governantes, transformou rumores em denúncias, desmoralizou o processo jurídico e as alianças políticas. O leitor e telespectador estão completamente desorientados.

Se alguém voluntarista como Collor emergir das eleições, quem vai segurá-lo? A ?Carta Aberta a Luiz Ignácio Lula da Silva?, de autoria de Eduardo Jorge, merece uma publicação na íntegra e uma análise mais aprofundada sobre esse processo. Quando o próprio PT estimulou a aventura irresponsável da CPI da Corrupção -uma CPI para apurar mais de 20 denúncias genéricas- alertei que esse processo se voltaria contra o próprio partido, porque o monstro que nasceu desse casamento espúrio entre cobertura leviana e procuradores irresponsáveis ganharia vida própria, até se desmoralizar por si.

No momento da catarse, esses alertas são dificultados por patrulhamento de toda espécie. Cria-se a catarse, bom senso é confundido com adesismo, ponderação com rendição, e tenta-se calar os alertas com patrulhamento. O patrulheiro se sente fortalecido pelo apoio dos linchadores, goza o momento de glória, é autor e intérprete da indignação popular. Depois, quando a imagem da imprensa se esboroa, a autoria torna-se difusa. Os divulgadores de dossiês falsos, os estimuladores do denuncismo se retraem, mas aí o mal está feito. E afeta a imprensa como um todo.

O mesmo ocorre com o Ministério Público. A cada dia que passa, mais difícil se torna a vida do procurador que se dedica com seriedade ao seu trabalho, porque sua palavra vai perdendo força, e sua legitimidade vai sendo questionada devido aos abusos cometidos por meia dúzia deles.

Quando um procurador comete uma leviandade, denuncia sem provas ou, pior, sem crimes, afeta o trabalho de todos os seus pares comprometidos com a seriedade e com a discrição e o próprio Poder Judiciário que, tendo de debruçar sobre provas, não acolhe as denúncias propaladas.

A denúncia foi um exercício risonho e franco nos últimos oito anos, devido ao espírito democrático de Fernando Henrique Cardoso. Pode-se e deve-se criticá-lo pelos erros de política econômica, jamais pelo autoritarismo. Com ele, o Executivo se manteve inteiro por conta de alianças políticas, não da coerção.

Agora que se vai chegando ao final do governo, e há o risco de um candidato voluntarista no poder, paira no ar a incômoda sensação de que não se tem uma democracia consolidada, as ferramentas fundamentais de controle do poder -como a mídia e o MP- estão debilitadas e terão que ser reforçadas, para o bem da democracia.

Só que esse reforço depende exclusivamente da retomada da responsabilidade, do critério, porque sem uma mídia forte, dependendo de quem entrar, será difícil manter a estabilidade democrática."

"Em carta a Lula, EJ cobra autocrítica; petistas admitem possível ?exagero?", copyright Folha de S. Paulo, 8/7/02

"O ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira enviou uma carta aberta ao presidenciável petista, Luiz Inácio Lula da Silva, em que cobra dele uma ?crítica que pode valer de lição? à atuação de promotores e representantes de seu próprio partido nas acusações contra integrantes do atual governo federal.

Em referência à denúncia formulada por promotores de Santo André contra integrantes da prefeitura petista da cidade, Eduardo Jorge parabeniza Lula pelo ?reconhecimento dos abusos que vêm sendo praticados por membros inescrupulosos do Ministério Público e da imprensa?.

O ex-secretário-geral da Presidência pede, no entanto, que Lula ?não se limite a fazer o diagnóstico do problema?.

Em seguida, acusa o PT de ?denuncismo leviano?. ?Não seria difícil listar, apenas nos últimos oito anos, dezenas de casos em que a conduta de seu partido -quando não a sua- usou, abusou, estimulou e se beneficiou deste tipo de denuncismo leviano, com o claro objetivo de criar desgaste para o governo?, diz a carta.

Eduardo Jorge cita o caso Sivam [acusação de suposto tráfico de influência na instalação do Sistema de Vigilância da Amazônia], em que, ?baseado em informação obtida através de escutas do mesmo tipo de procedimento que agora ataca, o PT, alguns anos atrás, abriu CPI?. Fala também em uma cartilha recém-lançada pelo PT intitulada ?45 escândalos? da era FHC.

Possível exagero

O líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha (SP), avalia que houve um possível ?exagero? por parte de membros do partido em relação a acusações contra EJ.

?Pode ter havido algum exagero que potencializou indícios que depois não se configuraram em denúncias?, disse o deputado.

Segundo o líder petista, o ex-secretário-geral da Presidência está tentando enfraquecer as acusações de irregularidades envolvendo o presidente Fernando Henrique Cardoso. ?Ao usar a bandeira contra o denuncismo, ele tenta livrar FHC de todas as acusações.?

O senador Eduardo Suplicy considera justo que seja feito ?um reparo? a Eduardo Jorge por parte do partido no caso de ter havido denúncias não comprovadas. Para ele, porém, nem tudo foi esclarecido no caso.

O deputado federal Walter Pinheiro (BA) disse que ?a diferença básica é que somos sempre pela investigação de acusações?."