Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luís Nassif

ELEIÇÕES 2002

"O marketing e a política", copyright Folha de S. Paulo, 12/09/02

"Há enorme discussão sobre o papel da propaganda -mais que do marketing- nas campanhas eleitorais. Ou seja, o candidato que tem a campanha mais bem-acabada e mais espaço na televisão teoricamente seria imbatível. A prova seria a ascensão de José Serra após o horário gratuito. Colocado assim, o marketing político definiria o futuro de todas as eleições, avalizando o continuísmo dos governantes.

É complexa a soma de fatores que levam uma candidatura ao sucesso. O candidato começa com suas próprias características, que podem ajudar ou não na campanha. No campo das idéias, programas coerentes e consistentes; no campo da imagem, maior ou menor carisma. Há fatores conjunturais -situação econômica e social favorecendo ou não a posição política do candidato. E a situação partidária, a estrutura de alianças de que ele dispõe -mas que, em geral, se esfarela à primeira pesquisa negativa.

Em cima dessas características dadas, há o trabalho de marketing propriamente dito, com dois ângulos complementares. Um é o showbiz, a imagem pública do candidato para o público leigo, ressaltando suas virtudes e escondendo suas fraquezas. Outra é a estratégia do dia-a-dia, a análise das pesquisas, a identificação de tendências para propor táticas de curto prazo que permitam ao candidato acumular pontos.

Em períodos de crise profunda -como o final do governo Sarney- ou de euforia -como os seis primeiros meses do Real-, a última etapa pode ser minimizada. Quando o período é como o atual, com opinião pública dividida sobre a avaliação do governo, incomodada com a situação atual, mas com receio de mudanças bruscas, aí o marketing faz a diferença.

Desde o início da campanha as análises revelaram que o candidato ideal teria que se apresentar como uma mudança na situação atual, porém sem ruptura -especialmente após a crise da Argentina e o agravamento da crise internacional.

Cada candidato precisou enfrentar seus próprios demônios e corrigir o lado fraco da sua imagem -e aí o marketing fez a diferença. Serra tem pensamento coerente e diagnósticos sobre os principais problemas. Mas é visto como antipático, intelectualmente prepotente -e não conseguia defender o governo de críticas contra atos que ele próprio não acreditava. Patinou no início, escorregou daqui e dali, mas se convenceu de que sua chance de crescimento estava em se apresentar como o candidato de FHC. Quando se enquadrou na estratégia traçada pelos marqueteiros, cresceu.

Já Lula tinha um trunfo forte -o fato de sempre ter sido oposição-, mas a pecha de despreparado e incendiário. A campanha do ?Lulinha paz e amor? foi um sucesso, beneficiada pela polarização bélica entre Serra e Ciro. Candidato experiente, Lula seguiu o roteiro à risca.

Dos três candidatos, Ciro era o que tinha a posição mais cômoda. Podia ser visto como oposição, por bater no governo fazia tempo e como continuador do Real. Tem carisma, juventude, passava a idéia de que dominava os temas sobre os quais fala e casou-se com uma moça que tinha belíssima imagem perante o público.

Aí o amadorismo prevaleceu. No plano das idéias, Ciro é inteligente, mas não é preparado. Seu cérebro, ágil, funciona como esponja: absorve na hora a informação que recebe e devolve-a com algumas pitadas adicionais, sugerindo domínio sobre o tema. E costuma ir mudando os conceitos à medida que percebe falhas no raciocínio. Precisava de uma partitura, mas decidiu tocar de ouvido, e se deixou cercar por inúmeros palpiteiros, todos especialistas em ?feeling?, mas sem as modernas ferramentas de análise de pesquisas.

No início da campanha critiquei aqui os marqueteiros de Lula e Serra, que haviam criado personagens artificiais, em contraposição ao estilo direto de Ciro. Só que não se tratava de corrida de cem metros. À medida que a campanha avança, se percebe que saber dosar a crítica, as aparições, os discursos, ter unidade de ação, clareza sobre o perfil a ser apresentado é algo insubstituível em uma eleição.

Está provado que a partitura presidencial não se pode tocar de ouvido."

 

"Ciro cai para terceiro em ranking de melhor na TV", copyright Folha de S. Paulo, 13/09/02

"O candidato Ciro Gomes (PPS) continua com tendência de queda em ranking que mede a opinião de eleitores sobre qual presidenciável está se saindo melhor na TV e já está empatado na terceira colocação com Anthony Garotinho (PSB) -que apresenta tendência de alta.

O ranking é elaborado a partir de uma das perguntas feitas pelo Datafolha em seu rastreamento eleitoral -a série de pesquisas realizadas três vezes por semana, desde o início do horário eleitoral gratuito, com eleitores que têm telefone fixo em casa.

A pergunta (?qual candidato está se saindo melhor??) é feita a todos os entrevistados, captando inclusive a opinião dos que ?ouviram falar? sobre o desempenho dos candidatos na TV.

No início, Ciro, com 17%, dividia a segunda colocação com José Serra (PSDB), que tinha 14%.

Mas Serra subiu e agora é considerado o melhor por 20%.

O candidato do PPS foi a 19%, mas iniciou queda constante. Agora seu programa é considerado o melhor por apenas 8% dos entrevistados. No caso de Garotinho, no início, seu programa era considerado o melhor por 3%. Está agora com 6%.

Como a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, há empate técnico entre Ciro e Garotinho.

O líder do ranking continua sendo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo programa é considerado o melhor por 33% dos entrevistados.

A queda de Ciro no ranking coincide com o aumento de seus ataques a Serra nos programas do horário eleitoral."

 

"O nó do ?marketing?", copyright Jornal do Brasil, 16/09/02

"A lua de mel de Lula está chegando ao fim. A fase do ?Lulinha, paz e amor?, slogan melífluo do laboratório de Duda Mendonça para caracterizar o distanciamento do candidato de uma campanha que é uma guerra de muitas e violentas batalhas, cede espaço para o ciclo do ?Lulão, guerra e sangue?.

Até o presente, Lula foi preservado de ataques contundentes. Doravante, terá de se deslocar ao centro do ringue, não por vontade própria ou determinação de seus marqueteiros, mas pela inevitável necessidade de se defender e se prevenir contra os ataques a serem desfechados contra seu perfil, que fazem parte da estratégia tucana para desconstruir a imagem do ?candidato acima de tudo e de todos?.

Não é fácil desmontar um conceito que se torna arraigado nos amplos espaços da opinião pública. Mais do que outros candidatos, Lula trabalhou nas últimas três décadas para fixar a imagem de oposicionista, intérprete sensível dos anseios da sociedade e representante mais forte do conceito de mudança. A seu favor, conta com um acentuado desejo da maioria da população para mudar os rumos da política econômica. E para ganhar a confiança do eleitorado, principalmente de estratos médios para cima, aceitou a edulcoração do perfil, com as pílulas receitadas para aprimorar e adoçar o discurso, arrumar a linguagem e compor harmônica e modernamente o visual.

Fez a lição de casa, passou a circular no meio das elites, correu o país, abriu alianças à direita e pôs um freio nos radicais do PT. Tem dado certo.

Contra Lula, pesam exemplos negativos de administrações petistas e dissonâncias relacionadas à falta de preparo e experiência.

A se confirmar a possibilidade de Serra ser o rival de Lula na reta final, o efeito imediato será a antecipação do segundo turno, que se abre com os primeiros ataques entre ambos. A antecipação é fundamental para Serra, porque a campanha do segundo turno, muito curta, não conseguiria descolar o conceito de Lula do sistema de cognição do eleitorado, pelo menos nos níveis apropriados para derrubá-lo.

Ou seja, quanto mais curta a campanha, melhor para Lula e pior para Serra. O processo de absorção e internalização de uma idéia leva tempo. Primeiro, o eleitor é ?laçado? pela rede de comunicação; a seguir, toma conhecimento dos fatos, coisa que nem sempre se dá com os primeiros programas ou ataques; e é banhado, na seqüência, pelas ondas de irradiação de opinião. A tomada de decisão vai se fechando com as conversas entre amigos e interlocutores diversos.

Quando o ataque é frontal e mortal, ou seja, com indiscutível possibilidade de que a acusação seja verdadeira, até pode causar efeito imediato. Esse é o caso de gafes ou fatos de alta gravidade que comprometam o conceito ético e moral do candidato, como denúncias de envolvimento em quadrilhas e gangues, beneficiamento de grupos ou casos de enriquecimento pessoal.

Não será por esse campo que a batalha entre Serra e Lula será travada, até porque são conhecidas suas trajetórias de pessoas de bem.

As teclas da inexperiência e do despreparo de Lula serão, mais uma vez, usadas, com a inevitável pergunta sobre quem é o mais preparado. E Lula se apoiará na recorrente questão sobre a viabilidade e eficácia de propostas de Serra, com o argumento de que o tucano fez parte de um governo que prometeu as mesmas coisas e não cumpriu.

Os contrapontos estão delimitados: Lula não tem capacidade, não é preparado e lhe falta experiência de governo. Serra não vai fazer o que promete, enganando mais uma vez o povo, como Fernando Henrique. Como o eleitor reagirá a esses argumentos? Esse será o nó do marketing. Algumas posições podem, de antemão, ser aferidas: o eleitor colocará em questão a confiabilidade dos dois candidatos; observará a pertinência do ataque, analisando exageros e propriedades; distinguirá quem está sendo mais sincero e menos artificial nas propostas; decidirá sob a balança da segurança e do medo representado pelos dois perfis; será induzido pelas circunstâncias que se farão presentes na semana final de outubro (insegurança econômica, decisões intempestivas do governo federal, crises e abalos na área social); fará uma associação com o futuro imediato (quem entre os dois garantirá mais dinheiro no bolso ou mais segurança familiar?).

E mais um dado: Fernando Henrique, na posição de magistrado, ajudaria Lula; de mangas arregaçadas, na rua, fazendo campanha, favoreceria Serra. A conferir. (Gaudêncio Torquato é professor da USP)"