Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Maneira de buscar a verdade pode comprometê-la


 

INFORMAÇÃO OBTIDA sob tortura não é válida. Grampo sem autorização judicial não é prova. Denúncia vazia compromete o denunciador. Uma acusação pode ser verdadeira ou próxima da verdade, mas se não for apresentada convincentemente estará comprometida.

Não cabe a este OBSERVATÓRIO confirmar ou desmentir as acusações sobre o vazamento de informações privilegiadas do Banco Central para o mercado financeiro. Não nos interessam os personagens dessa trapaça, por mais importantes que sejam. Até o momento, tudo indica que havia efetivamente um canal de comunicação irregular entre o poder decisório e o mercado. A extensão e funcionamento desse canal deverão ser esclarecidos brevemente.

Aqui importa a maneira como a imprensa apresentou as primeiras suspeitas. O que preocupa é a falta de cuidado, a afobação, os métodos impróprios para buscar a verdade mesmo que a verdade pareça óbvia e irrefutável. Alega-se que a imprensa não substitui os tribunais. A estes, sim, cabe provar e condenar. Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que podem ocorrer linchamentos como o da Escola-Base quando a imprensa se precipita e confunde indícios com evidências – crimes que tribunal algum conseguiu reparar.

O primeiro lance ostensivo do Caso Marka coube à Veja (edição nº 1593, 14/4/99). Em matéria efetivamente exclusiva, o semanário informa que “Cacciola tem informações explosivas sobre suas relações com o Banco Central” (subtítulo da matéria, pgs. 38-43). No texto não há declaração alguma do protagonista, mas de quatro fontes secundárias, interlocutores de Cacciola, que dele ouviram as tais informações explosivas.

As revelações do semanário tomaram conta do noticiário durante a semana seguinte soterrando o confronto entre o Legislativo e o Judiciário, a briga partidária pelas CPIs e chegou a provocar declarações do Presidente da República no exterior.

Na edição subseqüente (nº 1594, 21/4/99), em matéria de capa, o semanário revela afinal o nome de três dos quatro interlocutores que ouviram de Cacciola as “informações explosivas” publicadas na semana anterior. São apresentados como testemunhas mas nada testemunharam sobre o vazamento de informações, apenas ouviram as alegadas bravatas do ex-banqueiro sobre as suas conexões com o BC. Diante da contestação de Cacciola, Veja conseguiu que três das quatro fontes admitissem a revelação dos seus nomes. Mas não revelou o que todos os jornais vêm divulgando: pelo menos um deles, Leon Sayeg, é parte interessada – lidera uma ação judical dos cotistas do Fundo Marka contra o ex-banqueiro para tentar ressarcir-se dos prejuízos sofridos com a desvalorização cambial. Seu testemunho pode ser verdadeiro mas é suspeito.

No meio da matéria, Veja faz o incrível comentário: “Se Chico Lopes estiver sendo injustamente envolvido no caso, poderá atribuir parte do seu calvário atual à atitude omissa de seus ex-colegas da equipe econômica que, até agora, não vieram a público esclarecer sua demissão de maneira que pareça convincente…” (pg. 41-42).

Se Chico Lopes estiver sendo injustamente envolvido não poderá atribuir parte do seu calvário também à imprensa?

Embora sem nenhuma relação com o Caso Marka, mas servindo como lembrete aos denunciadores apressados, vale reproduzir o pedido de desculpas ao ministro da Defesa Elcio Alvares, publicado pelo jornalista Elio Gáspari na sua coluna de domingo, 18/4/99:

…Como é que se comete um erro deste tamanho? Em princípio não se deve escrever uma coisa dessas sem a devida verificação. Em certos casos, confia-se em pessoas que, por diversos motivos, não teriam motivos para se enganar. Infelizmente a vida tem as suas surpresas. Nesse caso, causando dano a um homem público. Essa explicação não diminui em nada a extensão das desculpas dadas ao ministro e aos leitores.

 

EM PRINCÍPIO, toda informação é privilegiada na medida em que, sendo verdadeira, permite decisões para auferir lucros ou vantagens. A expressão vem do inglês “inside information” (informação de dentro), utilizada no jargão do mercado de capitais.

O jogo jornalístico gira em torno da obtenção de informações ditas privilegiadas, visando ou não sua publicação. Acontece que veículos jornalísticos são produzidos por empresas comerciais que, de posse de informações “privilegiadas”, podem fazer delas outros usos antes de serem oferecidas ao conhecimento público.

O comportamento de um grande veículo diante de um fato econômico ou político pode afetar a conjuntura, reverter tendências, influir em índices e cotações. Daí porque o mercado financeiro, inclusive no Brasil, está aprendendo a monitorar e antecipar – em tempo hábil, de véspera – o conteúdo dos principais jornais ou revistas. O que vale dizer: a imprensa vive à procura de informações privilegiadas mas ela é, em si, uma geradora de informações privilegiadas. Que não se resumem ao noticiário – pode ser um editorial, um tópico, um título, uma nota numa coluna de variedades.

Convém refletir sobre essa questão.

 

A TELEVISÃO BRASILEIRA desaprendeu a cobrir fatos internacionais. Acostumou-se a comprar imagens, sobretudo da CNN e, em cima delas, coloca um texto. No caso da TV Globo, que dispõe de sucursais em Nova York e Londres, o texto que acompanha as imagens compradas é, geralmente, apresentado por um jornalista da equipe desfilando nas ruas da respectiva cidade, a milhares de quilômetros de distância dos fatos.

A história do mundo neste final de década foi assim acompanhada pela TV brasileira: com base em “passeios” de menos de um minuto de duração.

As revistas semanais, que até há poucos anos contavam com correspondentes nas principais capitais do mundo, contentam-se em comprar fotos das agências internacionais embaixo das quais colocam um texto convencional – preparado com base em recortes e nem sempre redigido por especialistas.

Os jornais que poderiam oferecer um contraponto mais denso contentam-se com o modismo dos “infográficos”. Continuam adeptos da religião de Navarra, segundo a qual um gráfico vale mil palavras.

Será isso suficiente para preparar a sociedade brasileira para os desafios da era da globalização?

 

AS EMPRESAS DE MÍDIA gastam fábulas de dinheiro nas revistas e TVs para badalar os seus recordes de circulação ou de anúncios classificados. Querem mostrar seus feitos e aumentar o prestígio. Nada mais justo.

Quando se trata de vangloriar-se em matéria de tiragem ou circulação, o aferidor mais importante é o IVC (Instituto Verificador de Circulação), auditoria criada por meio de um acordo entre empresas de publicidade e empresas de mídia – uma espécie de ibope cujas sentenças jamais foram contestadas.

Neste momento trava-se no Rio uma guerra inédita em torno da credibilidade do IVC. Tudo porque O Dia publicou, em 11/1/99, um anúncio bombástico para mostrar o seu salto espetacular em matéria de venda de jornais. O Globo, principal concorrente, estrilou. Acionado o IVC, verificou-se que os dados apresentados em janeiro foram obtidos com critérios estatísticos diferentes.

O Dia foi suspenso do sistema de auditagem coletiva. Mas botou a boca no trombone com anúncios de página inteira (semana de 12/16 de abril). O resto da mídia, sobretudo aquela que se pretende nacional, está ignorando a celeuma.

Isso é grave. Não importa quem tem razão, importa que o assunto não seja escamoteado. Se o IVC tem sido apresentado à sociedade como uma referência acima de qualquer suspeita, é indispensável que as discussões que o envolvem sejam trazidas ao conhecimento público. Não é caso de primeira página, mas é caso para ser acompanhado. Afinal, o que está em discussão é a credibilidade de quem dá credibilidade aos jornais e revistas.

Se a mídia e o sistema que lhe dá suporte não gostam de transparência, não devem exigir transparência em outras esferas e poderes.