Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Manifesto do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

CAPITAL ESTRANGEIRO

Capital estrangeiro no cabo ameaça luta pela democratização da comunicação

No apagar das luzes do governo FHC, o Senado aprovou um projeto de lei que abriu em 100% o capital das operadoras de TV a cabo à participação de investidores estrangeiros. A confirmação desta decisão pela Câmara dos Deputados poderá estabelecer o predomínio de conglomerados internacionais no controle do sistema de comunicação do Brasil. O fim de qualquer restrição à participação de investidores estrangeiros no segmento de TV paga não apenas fragiliza o rádio e a TV aberta sem resolver a crise estrutural do setor. Estabelece uma situação "de fato" que retirará da esfera nacional o processo de decisão sobre o conteúdo de um tipo de mídia que, nos próximos anos, poderá vir a superar a TV aberta.

Caso isso se configure, a luta pela democratização da comunicação se tornará uma quimera ou, na melhor das hipóteses, uma atividade a ser desenvolvida nos corredores do Capitólio, em Washington.

Some-se a isso, a atitude do governo federal de retomar a regulamentação da entrada do capital estrangeiro na radiodifusão e nas empresas jornalísticas sob a forma de uma medida provisória, alterando o acordo parlamentar já feito em torno do tema. Trata-se de mais um escândalo produzido nos últimos dias do governo FHC, desta feita, para assegurar ao ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, o cargo de vice-presidente do conglomerado de mídia gaúcho RBS.

O que está em jogo

** Recentemente, a Comissão de Educação do Senado aprovou, em caráter terminativo, o projeto de lei n? 175/01, de autoria do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), autorizando a participação de capital estrangeiro, sem qualquer restrição, nas empresas operadoras do serviço de TV a cabo. A modificação do artigo 7? na Lei do Cabo (n? 8.977, de 6/1/1995) depende agora de aprovação da Câmara dos Deputados para entrar em vigor.

** Diante de tudo que já se analisou sobre a abertura da mídia ao capital estrangeiro, estamos diante de um grave precedente. Colocando nas mãos de operadores estrangeiros a rede de 43 mil quilômetros de cabos construída no País pelas empresas nacionais de TV paga, a um custo de US$ 5 bilhões, entrega-se também aos grupos privados internacionais uma condição de influência direta na determinação do modelo de digitalização a ser adotado pelo Brasil nos serviços de comunicação eletrônica de massa. Como numa segunda privatização da infra-estrutura de telecomunicações, novamente sem qualquer debate junto à sociedade civil, retirou-se da gaveta um projeto que entregará às redes de cabo brasileiras ? na verdade, o acesso aos lares de milhões de brasileiros ? ao capital internacional. Mais do que a programação de canais de TV por assinatura, quem controlar este patrimônio controlará também a oferta de serviços de telecomunicações e acesso à internet por banda larga que passa em frente à casa da maior parte do povo. Ou seja, sem uma regulamentação clara por parte do Congresso e do futuro Governo, o interesse público do Brasil sobre questões cruciais estará novamente submetido a interesses estrangeiros. Similares aos que atualmente emperram o acesso da maior parte da população à universalização da telefonia e à ferramentas de inclusão digital.

** Até mesmo o presidente da União Nacional de Emissoras e Redes de Televisão (UneTV) e consultor do SBT, Luiz Eduardo Borgerth, reconhece a contradição do governo ao propor uma abertura restrita em 30% à radiodifusão e uma regulamentação "globalizante" no caso da cabodifusão. Segundo ele, a desnacionalização das empresas de TV paga, resultará, em pouco tempo, na desnacionalização da televisão brasileira, já que mãos bilionárias e competentes adequarão seu preço ao bolso nacional fazendo com que o serviço pago torne-se mais atraente que a mídia aberta.

** Caso seja confirmada a preocupação de Borgerth, de pouco adiantarão salvaguardas como as que foram sugeridas pela Rede Bandeirantes durante o período de consulta pública da regulamentação do capital estrangeiro na mídia aberta. Naquela oportunidade, o grupo paulista registrou:

"O Projeto de Lei só se propõe a disciplinar a participação de capital estrangeiro na empresa jornalística e de radiodifusão sonora (parágrafo 4o dos art. da Constituição Federal) e não se propõe a tratar da questão da extensão dos princípios do artigo 221 da Constituição Federal a todos os meios de comunicação eletrônica. Portanto, muito embora a possibilidade de ampliar as alternativas de captação de recursos estrangeiros tenha sido apontada como medida de grande benefício ? vez que as empresas consideram esta medida fundamental num mercado que exige cada vez mais investimentos em tecnologia, gastos elevados em moeda estrangeira na compra de equipamentos que têm se tornado obsoletos de uma forma muito rápida ? tal possibilidade deve ser vista com cautela. Com efeito, a participação de pessoas jurídicas no controle das empresas requer que, primeiramente, se defina e se garanta a prioridade de profissionais brasileiros na concepção e execução de produções nacionais, nos termos definidos pelo Art. 221 da Constituição. Proporcionar a entrada do capital estrangeiro, antes que seja regulada a incidência do Art. 221 da Constituição consiste numa inversão tumultuária do processo legislativo e num desrespeito do comando constitucional. Outro aspecto importante, é entender que não é uma simples participação estrangeira na empresa brasileira, mas de participação na formação cultural do Brasil".

A aprovação da alteração na Lei do Cabo serve para tumultuar ainda mais o já confuso processo identificado pela Bandeirantes, exigindo uma avaliação associada das duas decisões postas no horizonte do Congresso. Com o fim a qualquer restrição ao capital estrangeiro na cabodifusão e nenhuma prerrogativa a brasileiros sobre o controle da programação ou o comando destas empresas, as salvaguardas da soberania nacional da emenda 222 do capital estrangeiro, negociadas pelas bancadas dos partidos de esquerda em maio deste ano, terão pouca serventia para preservar os interesses da sociedade.

Medida conveniente

** Paralelamente a isso, o governo FHC promoveu alterações na forma de encaminhamento da regulamentação do artigo 222 da Constituição Federal, que trata da entrada do capital estrangeiro na empresas jornalísticas e de radiodifusão, para atender a interesses de alguns grupos de comunicação e de autoridades da administração pública.

** Depois de comprometer-se a enviar ao Congresso a regulamentação através de um projeto de lei ? que chegou a ser submetido a consulta pública, entre 29/7 e 15/8 ? o Governo Federal adotou o instituto da Medida Provisória (MP). O ministro das Comunicações, Juarez Quadros, chegou a admitir publicamente que o governo recorreu a este expediente atendendo ao pedido de grandes grupos de mídia do país. O governo FHC, deste modo, traiu inclusive o acordo firmado entre sua base de sustentação e as bancadas de oposição no Congresso na época da aprovação da emenda constitucional n? 36, que alterou o artigo 222. O Governo tomou a iniciativa de baixar a MP em um período crítico de disputa eleitoral, aproveitando a circunstância de ser evidente que nenhuma das coligações políticas que disputavam a Presidência da República ? tanta da situação, como da oposição ? teria interesse em herdar o desgaste de defrontar-se com esta questão polêmica em um início de governo. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação posicionou-se contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que resultou na aprovação da Emenda Constitucional n? 36, em maio deste ano. Durante toda a sua tramitação, o Fórum alertou aos parlamentares federais e à sociedade que o texto da PEC confrontava-se com o interesse nacional por possibilitar situações potencialmente ameaçadoras.

** Pelos indícios que se tem, é inevitável considerar que a decisão da edição da MP foi tomada dentro da Casa Civil, com anuência do presidente Fernando Henrique Cardoso e intervenção expressa do ministro-chefe, Pedro Parente. A imprensa atribuiu a este a impressão de caráter de urgência no texto proposto pelo Ministério das Comunicações e a inserção do artigo 9?, que permitiria uma flexibilização "de fato" na propriedade dos meios de comunicação. Um dia depois da edição da MP 70, Parente e FHC assinaram uma alteração na regulamentação do Código de Ética Pública que tornou possível o não cumprimento da quarentena a que estão sujeitos todos os altos funcionários do Governo pelo ministro-chefe da Casa Civil. Em 7/11, o ministro anunciou que aceitava o convite para assumir o cargo de vice-presidente do conglomerado de mídia gaúcho RBS assim que deixasse o governo.

Resoluções

Diante do exposto, é imperativo denunciar que o atual processo legislativo para abertura da mídia nacional tem um vício de origem que o torna ilegítimo e antidemocrático pelo modo como foi encaminhado, tanto em relação à entrada de capital estrangeiro na mídia aberta, no limite de 30%, quanto ao desimpedimento total da participação acionária de grupos internacionais na TV paga. O Fórum entende que constitui legítimo direito do empresariado de comunicação a reivindicação de celeridade na regulamentação de um dispositivo constitucional soberanamente aprovado pelo Congresso Nacional, assim como é legítima a reivindicação da sociedade de que o ingresso do capital estrangeiro no país se dê em condições adequadas à afirmação do interesse nacional e dentro das leis brasileiras.

É por isso que as duas regulamentações ? a MP 70 e o projeto de lei 175 ? precisam ser revistas prevendo a inserção da mídia brasileira na economia nacional mediada por todos os instrumentos antitruste e normas de direito econômico a que estão sujeitas as empresas nacionais em casos de transações que extrapolam limites aceitos pela livre concorrência. Cabe ao Congresso, auxiliado pelo Conselho de Comunicação Social, elaborar um parecer que identifique possíveis ameaças à ordem econômica e os limites da concentração a que estariam sujeitos os investidores e os conglomerados resultantes das negociações de aquisição e fusão de ativos financeiros para fins de complementação da regulamentação proposta.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, representado neste documento por sua Coordenação Executiva, assume as seguintes posições:

** Solicita que a Câmara dos Deputados rejeite o projeto de lei n? 175, que abre a cabodifusão de forma irrestrita ao capital estrangeiro, até que um diagnóstico sobre os impactos culturais e econômicos da liberação do controle das empresas de TV paga sobre a radiodifusão e demais segmentos das comunicações seja produzido e divulgado amplamente;

** Propõe que o Conselho de Comunicação Social seja chamado a dar parecer sobre a participação de capital estrangeiro na cabodifusão. Além disto, caberia ao órgão auxiliar do Congresso elaborar uma proposta de regulamentação para o artigo 221 da Constituição Federal, que trata dos princípios da produção e programação das emissoras de rádio e TV;

** Reivindica que o Congresso Nacional não abdique de sua condição soberana de garantir uma tramitação democrática, sob a forma de projeto de lei, ao conteúdo da MP n? 70;

** Defende que o Congresso Nacional passe a acionar o Conselho de Comunicação Social para auxiliá-lo efetivamente nas questões referentes à Comunicação Social.

Brasília, 19 de novembro de 2002

Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)

Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert)

Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)

Conselho Federal de Psicologia (CFP)

Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos)