Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Maria Conga e a quizumba das pesquisas

ELEIÇÕES & NÚMERO-NOTÍCIA

Antonio Fernando Beraldo (*)

Ah, que saudade do Stanislaw Ponte Preta! Deu na Folha de S.Paulo de domingo (7/4/02, pág. A 19): "TSE aumenta exigências para institutos". A matéria é sobre uma nova determinação do Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual os institutos, além das informações que prestam sobre as pesquisas de intenção de voto, terão que especificar o "local da pesquisa, com indicação dos municípios e dos bairros em que será realizada". O sr. Hélio Parente Filho, advogado e representante do PPS, queria incluir, na mesma resolução, que os institutos divulgassem o nome das ruas ? o que foi rejeitado (devia ter alguém com um mínimo de bom senso, lá no TSE ).

Por que só o nome das ruas? Devemos "pensar grande" e exigir também o nome, endereço e CPF dos entrevistados, assim como um atestado de bons antecedentes em que constasse que o indigitado nunca faltou à verdade, talvez assinado pela sua (dele) progenitora. Achas o suficiente?

De outra parte, o sr. Leonel Brizola (PDT) quer ainda mais: em suas falas televisivas, o desconfiado gaúcho (e com razão, vide o episódio Proconsult) quer acoplar estudantes aos pesquisadores, em suas andanças coletadoras, e propõe que os questionários das pesquisas sejam copiados e conferidos, numa espécie de pesquisa-auditoria paralela.

Então, problema resolvido. Depois de comunicar ao TSE e a todos os partidos quais as pessoas que serão pesquisadas, o instituto ABC manda seus pesquisadores às ruas, cada um com seu estudante-vigia ao lado. Em lá chegando, a intenção de voto do sorteado, diante de um detetor de mentiras, será gravada, filmada, escrita e copiada, e depois registrada no TSE. Num segundo instante, pesquisadores e alunos-vigia voltam à rua do pesquisado e checam a veracidade de seu voto, perguntando aos vizinhos e familiares se o sujeito estava falando sério. Aproveitando que estão por ali mesmo, os pesquisadores e os estudantes-vigia farão uma pesquisa com 4.823 pessoas no bairro para saber se o voto do pesquisando representa corretamente a vontade livre e espontânea das gentes. Caso isto se confirme, a declaração do pesquisando será processada por um grupo de estatísticos formados nos EUA, por sua vez vigiados por representantes de todos os partidos, por sua vez investigados por policiais federais, comissões de vizinhas faladeiras, tropas de escoteiros, quiromantes e leitoras de borra de café (essas coisas árabes estão na moda), tudo ao som da Cavalgada das Valquírias, tocado pelo Carlinhos Brown.

Opinião volátil

Ficarei rouco de tanto escrever que o diabo não mora no resultado das pesquisas, mas na maneira como são divulgadas. Repare na edição desta semana de IstoÉ (n? 1.697). Sob o título "Arrancada paulista" (parece nome de coquetel), a reportagem faz uma série de inferências dignas da vovó Maria Conga. O instituto Toledo & Associados entrevistou 1.508 pessoas na capital e em 55 cidades do estado de São Paulo, fornecendo uma margem de erro de 2,3% (nível de confiança ignorado, e não sabemos se havia estudantes ao lado). A tabela à pág. 33 mostra José Serra à frente de Lula, 29,7% contra 22,5%. O agora ex-governador Garotinho vem em terceiro, com 16,8%. Seguindo a tabela, temos os votos agrupados (diz-se estratificados) por sexo e classe socioeconômica, que servem de base para os analistas. E aí é que a porca torce o rabo (e o nariz, como se verá).

A começar pelo título. Já que é "arrancada", e Serra está 7% à frente do sr. Lula, quais foram os resultados anteriores? A revista não diz. Num discretissimo box de fundo vermelho com letras brancas, ficamos sabendo que "Serra cresceu por ter um perfil de ?homem trabalhador? [sic] e por herdar boa parte dos votos de Roseana e de Itamar Franco". Ahn … E "é notável a preferência feminina pelo candidato tucano, o que [na avaliação de Toledo & Associados] se justificaria pelo fato de que as mulheres se preocuparem mais com a área da saúde do que os homens [sic]".

Como se sabe, José Serra promoveu uma revolução no SUS, tranqüilizando as mulheres paulistas que o indicaram para o prêmio Nobel. Ainda em relação à intenção do voto feminino, "Lula também é visto por elas como uma ameaça às estruturas nacionais". Claro, é notório que Lula, caso eleito, irá proibir a novela das oito, vetar o esmalte "misturinha" e exilar os srs. Gianechini, José Mayer e Luciano Szafir.

Curioso notar que a diferença percentual entre homens e mulheres eleitores de Garotinho é parecida (e inversa) com a dos eleitores de Lula. Enquanto os homens paulistas votam mais em Lula do que em Garotinho, o oposto corre com as mulheres. Será que o nome do candidato do PSB estimula, numa sórdida armação psicológica, o instinto maternal, provocando uma inconsciente intenção de voto no simpático governador que, além de tudo, está bem mais perto do céu do que os demais?

A matéria de IstoÉ continua,com uma mistura borbulhante e confusa entre eleitores de São Paulo e do país, entre situações passadas (e ignoradas) e previsões acacianas como "Ciro Gomes pode surpreender se o Nordeste marchar unido". Nossa, que medo! Até que, quase no final do texto, admite que, a esta altura do campeonato, "segundo a Toledo & Associados, somente 15% das pessoas no Estado de São Paulo já fizeram sua escolha. E 18% delas admitem poder mudar de opinião até outubro"(!!!). Puuuxa! Isto equivale ou ultrapassa a revelação do Terceiro Segredo de Fátima. Alô, alô, IstoÉ: se está sobrando dinheiro, manda um pouco para cá e para vovó Maria Conga que a gente faz igual ou melhor.

Só o começo

Ainda no domingo (7/4), ainda na Folha, ainda Garotinho: alguém notou os maravilhosos gráficos representando as estatísticas do governo Garotinho? Todos apresentados em edição caprichada, sustentando matérias que ocupam três páginas (de A 14 a A 16) do jornal. Só que não tem nenhum gráfico correto. Nenhum, nenhunzinho, mesmo. Alguém tem que avisar ao pessoal da Editoria de Arte/Folha Imagem que aqui, no Brasil, separamos milhares, milhões, bilhões etc. com pontos, e separamos a parte inteira da parte decimal dos números utilizando vírgulas. Veja, por exemplo, o gráfico abaixo:


Trata-se da taxa de homicídios por 100 mil habitantes, ao longo dos governos Brizola, Marcello Alencar e Garotinho. Se você olhar sem enxergar, é capaz de pensar que nos tempos de Brizola, era um verdadeiro bangue-bangue (e era); e, que nos tempos de Garotinho, os homicídios foram reduzidos a quase zero (vai passear no Rio à noite, se tu é macho). Este "(d)efeito especial" é conseguido por meio de um artifício chamado transposição de origem de escala. Se você olhar direito, o que parece zero (nenhum homicídio), na verdade são 40 assassinatos por 100 mil habitantes. Outra gracinha é o gráfico em diagonal, e em três dimensões.

Outra coisa: se algum governo fez a proeza de reduzir este tipo de crime foi
o do Marcello Alencar, que pegou uma taxa de 62 homicídios
por 100 mil e deixou com 30% a menos. No longo texto, ao largo dos
gráficos, afirma-se que as tendências de queda "foram
iniciadas no governo de Marcello Alencar". Iniciadas, não,
cara-pálida, foram efetivadas, para dizer o mínimo.
Outra maldade: usa-se a média de crimes no governo Alencar
contra a média de crimes no governo Garotinho. Mas isto é
assunto para outra hora. Por enquanto, fique preocupado ? estamos
só no começo.

(*) Engenheiro,
professor do Departamento de Estatística da Universidade
Federal de Juiz de Fora